quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A invasão das águas turvas

Elas sempre estiveram por aí, as águas turvas...


É um filme ruim, chatíssimo, desonesto, manipulador, burro e altamente comercial. Uma espécie de fast-food mas ninguém pode garantir a procedência do hamburguer. É o cinema das águas turvas. Explico a expressão. Nietzsche disse que não devemos turvar as águas para que elas pareçam profundas. Então muita gente confunde a sujeira da água com profundidade, especialmente quando há pouca luz. As águas turvas estão aí já há muito tempo. Apareceu primeiro no teatro na forma de diretores “geniais” que faziam espetáculos chatíssimos, longuíssimos, que não dava pra entender nada mas que continha muito bem expressa a mensagem-chave: “Quem não entender é burro”. Esconder a própria burrice apontando a dos outros sempre foi uma boa tática. Mas talvez não seja burrice. Não, não é. É ganância mesmo que virou estilo, modo de fazer a indústria. A coisa se processa mais ou menos assim: Depois de ver a quantidade maciça caríssima de propaganda pelos jornais, tevês etc, e tendo ouvido falar que o assunto do filme é interessante, e compelido pela midiaticidade dos atores envolvidos, você reserva seu ingresso pelo telefone e senta na poltrona do cinema. Em meio a uma multidão barulhenta em geral constituída de velhos e infantes. Começa o filme e você tem que prestar muita atenção. Talvez levar um caderninho para tomar notas. Porque eles lá amam a confusão, ao contrário de todo bom filme que foi feito até agora. Eles se dão ao luxo de serem herméticos. Por mais que para algumas rodas isto pareça antiquado. Mas dá dinheiro.

Todo mundo vai ver aquela manifestação barulhentérrima onde os tiros e explosões dominam insuportavelmente. E vão com razão, porque eu também vou. É bom ver tiros e explosões gigantescas. Retrata o mundo de hoje, tão violento. Mas que significa o filme?

Nada.

Fala de assuntos sérios mas não diz nada. Não diz nada afirmativamente. É responsável na sua mudez. É o primado da desclareza. Eles não são filósofos e nem suspeitam que a clareza é a cortesia do filósofo.

Faz pensar. Mas pensar em quê?

As regras que o filme obedece não tem nenhum ponto de ligação com o humano. Filmes como este “A Origem”, aliás não sei de quê, não são feitos para mim e para o espectador. Então o quê que eu tô fazendo ali?

Vou-me embora logo depois dessa montanha ruir.

Vejo claramente o dia em que os produtores americanos, reunindo secretamente numa daquelas salas com mesa enorme, ouviram o chefão dizer: “Gente, já que o nosso filme não tem nenhuma significação, e como não seria comercial anunciar apenas como uma experiência plástica de efeitos especiais... vamos complicá-lo! Ao limite!! Nada de filmes simples, retos e honestos. O truque, o golpe, a complicação! Isto criará um jogo novo para o cinema. Os espectadores, no momento em que acender a luz, começarão a discutir “que cargas d’água era isso?”, ‘o que ele queria dizer?’, ‘quem entendeu certo ou errado?’. Claro que é preciso deixar uma ou outra pista fácil, para que a besta do espectador se sinta inteligente, segundo os produtores. “É claro que tem que ser um filme luxuoso, muita produção, muita grana, arrogância para que fique claro que somos nós os inteligentes, que ninguém ia gastar tanto dinheiro numa besteira.”

Essa conspiração vem de longe, saudade de Frank Capra! Os filmes americanos mais imbecis distorcem a narrativa, complicam o filme, para que ele pareça inteligente, feito para poucos. Desde “Magnólia”, acho que começou ali. Ninguém nunca entendeu por que aqueles sapos caíram do céu.

A linha, ou melhor, a picaretagem acima descrita foi tornada secretamente oficial. Em maior ou menor escala, filmes como “Os Infiltrados”, “O Gângster”, o velho “Matrix”, “O Homem de ferro II”, “Sherlock Holmes”, “Ilha do medo”, “Avatar”, “Batman cavaleiro das trevas”, até “Alice no país das maravilhas”, e mais uns dez que eu esqueci, são filmes complicados de entender quem é o mocinho, quem é o bandido, sem a menor necessidade. Complicado de descobrir qualquer ligação com o humano.

Esse tipo de cinema americano passou a ser o primado da desclareza, apoiado na falta de cultura dos jovens (idosos também gostam muito). São filmes que lançam idéias batidíssimas, vistas antes em muitos outros lugares. Porém fantasiados de uma genial novidade. Eu, por mim, tenho minhas defesas. Na segunda ou terceira empulhada que o filme tenta me empurrar pela garganta, noto que a cena podia ser simples e não é porque o diretor não quer... e durmo! De vez em quando vem uma grande explosão, me acorda, vejo um pouquinho do filme e durmo de novo. Por esse processo, às vezes até gosto do filme, quando finalmente ele acaba.

“A Origem” é uma merda. “Avatar” é chatíssimo (até o Oscar reconheceu isso, dando o prêmio para a ex esposa do diretor).

Isso tudo é uma bobagem, como o 3D. Bobagens que deram certo comercialmente. Até quando?

O que me causa pena é que todo esse dinheirão gasto por esses filmes poderiam ser usados em filmes de arte, humanos, que possivelmente dariam até mais dinheiro. Pelo menos como “Titanic” ou “O segredo do abismo”.

O cinema tem inegável compromisso com o realismo. O que me causa pena é que esse tipo de produtor jamais compreenderá que nada é mais delirante do que a realidade.

6 comentários:

Unknown disse...

Você agora disse tudo! Nada é mais delirante que a realidade.
Não aguento mais ir ao cinema e ser bombardeada de efeitos especiais por todos os lados, as vezes saio de lá com a cabeça doendo de tanta gente voando, prédios explodindo, vampiros brilhando e tudo mais.
O problema é que as pessoas já se acostumaram a isso, e até gostam.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

Domingos,

Você tem razão no atacado quando critica uma massa amorfa de filmes americanos escudados nas correrias, explosões e tiroteios, mas acabou confundindo alhos com bugalhos, atirando para todos os lados, acreditando que tudo é farinha do mesmo saco. "A Origem" é biscoito fino para as massas, como "Alice" de Tim Burton, como "Matrix" e "V de Vingança", entre outros.
Não se pode generalizar assim. É como se disséssemos que todo filme de baixo orçamento é mambembe, mal acabado e ruim, o que sabemos que não é verdade dado os resultados admiráveis que você tem conseguido nesta política de Baixo Orçamento e Alto Astral( aliás quando é que vai estrear "Todo Mundo Tem Problemas Sexuais?")

Comungo de sua indignação quanto ao poderio dos blockbusters americanos e sua hegemonia no mercado exibidor brasileiro onde muitos acabam ocupando 90% das telas brasileiras enquanto seu último filme fica inédito. Mas existem as exceções. No meu blog http://www.pelaluzdosmeusolhos.blogspot.com/, que espero que você leia, eu ainda escreverei sobre "A Origem"( hoje escrevi sobre o magnífico "Vencer" de Marco Bello cchio)depois de fazer uma revisão, pois gostei muito do filme.Existem filmes dos quais não entendemos muitos detalhes mas que queremos ver pelas costas. Já no caso de "A Origem, pelo menos pra mim, que adora o tema do poder do inconsciente e dos sonhos, ficou a vontade de revê-lo.
Gosto muito do seu trabalho tanto no Teatro como no Cinema, os quais acompanho há anos, desde que assisti a uma "palestra" sua muito especial no Parque Lage nos anos 80. Foi você quem me apresentou a Dostoiévski,autor que ficou também fundamental na minha vida. Sábado último vi você na peça "O Livro" de Newton Moreno, com Du Moscovis no Mezanino do Sesc-Copacabana. Deu-me vontade de puxar conversa com você mas fiquei tímido, pois você estava entretido com algumas pessoas.Fica para uma outra ocasião.
Por hora é só, ficando mais uma vez a sugestão de que num tempinho de folga entre suas tantas atividades em várias direções, você possa ler meu blog que fala sobre Cinema e outros temas, mas é bastante pessoal,de certa forma influenciado por aquela noite com você que nunca mais esquecerei onde adoravelmente dizia que "não há bom roteiro na gaveta!" ao mesmo tempo que dizia que "vou publicar um livro com os roteiros que não filmei".
Um grande abraço,
Nelson Rodrigues de Souza
email: nelrsouza@uol.com.br

Luriana disse...

Domingos, eu adoro você.
E como é bom ler seus textos.
E como é triste tudo que falou nesse texto. Triste. Pois há muita verdade aqui. Filmes são fonte de conhecimento; filmes são janelas, portas, buracos: para conhecermos mais o meu "eu" ou,seu "eu". Filmes deveriam, primeiramente, nos fazer humanos. Até quando vai durar esse comércio que esta sendo gerado em torno de filmes?
Não sabemos. Mas vou torcer pra acabar ontem. Já estou cansada.
E mais uma coisa, "matrix" e "v de vingança", ao meu ver, não podem ser comparados. "V de vingança é anos luz de Matrix".
Abraços, muito bom tudo isso aqui, Domingos.

Aluno disse...

Já eu gosto dessa parte do cinema que me permite ver coisas fora da realidade, ou filmes que nos deixa pensando horas sobre os mistérios que não foram respondidos - ou as vezes foram só que escondidos - e vale dizer que Christopher Nolan trabalhou no roteiro de Inception por 10 anos (diferente de deixar 10 anos engavetado esperando a tecnologia para rodá-lo) o que me faz crer que todos detalhes foram pensados e não só uma jogada comercial. Os nomes dos personagens tem significados relacionados com seu papel na trama por exemplo. Não ser do seu agrado desvendar um filme desse tipo não o torna ruim, é questão de gosto. Como deu pra ver eu gostei muito do filme. :)

Abraço!

Domingos Oliveira disse...

"Não há nada mais brilhante do que a realidade" não é uma ideia, é um princípio. Prezar a ideia de que a clareza é essencial, que o complexo somente pode ser atingido através do simples, que a clareza é a delicadeza do filósofo, é também um princípio para mim. O que você quer não impede isso. Leia ficção científica, os bons: "Tiger, Tiger" e "O homem demoníaco" de Alfred Bester. Se possível, "City" de Simak. São complexidades simplíssimas. Um abraço, Domingos.