domingo, 16 de outubro de 2011

Vídeo nº 2- Coleção Domingos Oliveira - "O Homem Lúcido"


Me lembro que nos últimos dias antes da estréia da minha peça “Separações”, que depois virou o filme do mesmo nome, eu não sabia como ia terminar a peça. Sabíamos todos que estava longa, quase duas horas. Que era preciso algo rápido para terminá-la. Eu sonhei um final, um monólogo chamado “O Homem Lúcido”. Mas ninguém ia aceitar isso, a peça acabar com um monólogo enorme de cinco minutos... Então resolvi dizer para os atores que o texto não era meu, disse que era um texto etrusco de 1300, encontrado numa escavação arqueológica e que eu tinha lido no National Geografic Magazine de 1942 página 63. Todo mundo acreditou. Só desconfiaram que era meu quando não encontraram no Google. Eu faço muito isso, quando escrevo uma coisa muito inteligente, digo que não é meu. Que é de “Keats” ou de “Blake” ou outra coisa assim bem elegante. Aprendi esta artimanha nos meus anos de TV Globo. Lá, se você trabalha mal, te repreendem e depois te botam para fora. Se você trabalha bem, elogiam e depois te aumentam o salário. Agora, se você for ótimo... eles te matam. Um homem lúcido não desperta invejas.

Vídeo nº 1 - A Vida é uma puta

"A Vida é uma Puta" ou "Deselogio da Vida" é um dos primeiros poemas. Possivelmente o melhor deles. Foi escrito como parte da fala de Mefisto da minha peça "O Triunfo da Razão" (uma história para crianças do século XXV e a única peça minha que ainda não foi montada).

Há certas obras pelas quais o autor tem tanto zelo... que acaba por não montar. Assim como uma donzela que com excessivo pudor acaba por não trepar. Mas o dia do triunfo chegará. Trata-se de uma versão ficção científica do Fausto "onde o demônio está possesso porque perde todas as almas que compra no último momento", quando o pecador se arrepende. Posto que o verdadeiro arrependimento redime as almas, segundo a maior parte das religiões. Considerando isto uma grande sacanagem divina, o demônio inventa outro tipo de contrato. Fausto vende sua alma porém, imediatamente esquece que vendeu! E em tendo esquecido, não pode se arrepender do que não sabe.

A peça "O Triunfo da Razão" eu sempre quis que fosse uma cantata, uma ópera, coisa cara assim. Por isso não cheguei a montá-la (até hoje). A peça é um processo segundo o qual o Fausto salva sua alma a despeito da engenhosa artimanha de Mefisto. Como?

Aguarde.

Sugestão de Pauta




Alberto Salvá

Morreu Alberto Salvá. A morte de um grande amigo é coisa muito dura. E a coisa se agrava se a amizade foi por mais de quarenta anos, sobretudo - descobri agora -, se o amigo for mais moço que você. Quando conheci Alberto Salvá ele era um rapaz agitado como a Catalunha de onde veio com sua modesta família. Um dos mais famosos catalãos é Salvador Dalí, outro é Buñuel. Salvá foi igualmente influenciado pelos dois, herdando deles uma audácia e um amor pelos movimentos de vanguarda que me fascinaram imediatamente ao conhecê-lo. Botei-o para fazer a edição de “Edu Coração de Ouro”, meu segundo filme, e desde então ficamos amigos. Durante os tempos hippies, quando fomos vizinhos em Teresópolis, tivemos uma inteligente e gratificante convivência.




Salvá sempre se interessou pela possibilidade de um cinema barato, “low budget”. Era autor, escrevia ele mesmo as histórias que pretendia filmar e, no início da carreira, em 1971, realizou um notável longa metragem chamado Um homem sem importância, protagonizado por Oduvaldo Viana Filho e Glauce Rocha. O filme é um dos melhores já feitos no Brasil, segundo as cabeças bem pensantes.



Como diretor/autor Salvá fez 14 filmes, entre os quais o unanimemente aplaudido Menina do Lado, além de ter realizado muitos trabalhos para televisão e escrito vários roteiros para outros cineastas. Era também fotógrafo, montador e, até o ano passado, subia os labirintos da Rocinha, de moto-táxi para ministrar oficinas de Roteiro. Enfim, Alberto Salvá foi um importante homem do cinema, extraindo dele seu sustento e deleite, embora sempre arduamente. Salvá nos fará muito falta, como artista, como companheiro, como amigo. Ele nunca teve papas na língua quando se tratava de política cinematográfica. Bom literato, ganhou o primeiro prêmio da Revista Playboy com o excelente conto “Alice” e, em parceria comigo, uma sofisticada pornochanchada baseada em histórias do jovem Marquês de Sade: “As Deliciosas Tradições do Amor”.



Seu pensamento era em geral voltado para as mulheres e assuntos sexuais, mas também para um sofisticado esoterismo, além do espírito crítico constante quanto à sociedade em que viveu. Foi casado meia dúzia de vezes e suas ex-mulheres estavam todas reunidas, em harmonia, acompanhando com carinho os últimos momentos do meu amigo. Ele teve dois filhos, Melanie e Gabriel, que o ampararam com extrema dedicação e iluminaram o final de sua vida.




"Um Homem sem importância"

É de estranhar que Alberto Salvá sendo pessoa tão interessante não tenha tido o devido reconhecimento em comparação com outros profissionais de sua geração. Explica-se: embora profundo e com aguçado senso de humor, Salvá era um homem puro, simples, sem piruetas intelectuais, com a rudeza de sua origem catalã. Ou seja, não talhado para conquistar um lugar ao sol no meio cinematográfico liderado pelo cinema novo dos anos 60, vale dizer por gente bem formada ou bem nascida. Salvá foi um incansável trabalhador, com sólida cultura cinematográfica adquirida empiricamente e sempre em meio às dificuldades financeiras. Não será o primeiro nem o último artista a passar por isso, num país como o nosso onde ainda não foi compreendida a importância social dos artistas. Salvá foi um guerreiro no sentido de Castañeda, um de seus autores prediletos.




Apesar das limitações, suas qualidades humanas e profissionais conquistaram uma legião de fãs, amigos e discípulos. Deixa um filme inédito, que merece toda atenção de cineastas e demais pessoas ligadas ao cinema. Vi o copião, já previamente montado. É um filme maldito, pessoal, escandaloso e sem dúvida, interessantíssimo. Não sei mais o que dizer sobre o Salvá. Quando se fala muito acaba não se dizendo nada. Acrescento apenas que a obra e a vida deste homem merecem ser estudadas e documentadas para as futuras gerações.



Rio, 16 de Outubro de 2011



Domingos Oliveira.


E-MAIL ENVIADO PARA: Isabel de Luca, Paulo Mendonça, Rodrigo Fonseca, Maria do Rosário Caetano, Revista de Cinema e este blog.
"Um Homem sem Importância"