sexta-feira, 30 de maio de 2008

Material da Bravo!





















Blog
Outro dia compreendi o que é um blog. Por isso eu resolvi aceitar este por um mês.
É uma coisa muito mais importante do que eu tenho pensado. É um jeito das pessoas seguirem o pensamento das outras. Do jeito que ele é. Descontínuo. Desordenado. Casual. É uma espécie de diário do escritor do blog. Selecionado aquilo que pode interessar a todos. E a meta do blog é “fazer amigos e influenciar pessoas”, título de um livro do meu tempo que fez um sucesso danado, acho que foi o primeiro de auto-ajuda. Dale Carnegie.

Arte
Também eu tenho vontade de escrever um livro de auto-ajuda, confesso. Só não gosto da expressão. Toda arte ajuda. É para isso que a arte existe, para ajudar. Se vejo um filme ou uma peça que não aprendo nada, que não me faça viver melhor, acho ruim o filme ou a peça. Duvido muito do pessimismo. Em geral, ele pode ser resolvido na psicanálise. Não é uma atitude filosófica, é uma fraqueza. Claro que o otimismo não pode ser cego, a glória não pode esquecer o terror. Entre esses dois oscilamos, pêndulos com alma. Mas ultimamente vejo com grande freqüência filmes e peças que não contém nenhum rastro de esperança, nenhuma indicação de saída. Não é arte isso.

Dramaturgia


Águas turvas
Tenho notado também, particularmente no cinema americano, uma tendência de complicar as coisas. De truncar a narrativa. De desprezar a clareza. São os filmes das águas turvas (nunca turve as águas para que elas pareçam profundas). A turma das águas turvas é cada vez mais numerosa. E me fez dormir na cadeira cinema, no teatro, na literatura, evidentemente, na política ou na economia. Essa turma não compreende que a clareza é a gentileza do filósofo. Talvez porque não sejam filósofos.
Filosofia

A filosofia não é uma coisa vaga como a fumaça de um cigarro. É o momento de evitar a dúvida antes que pernas decidam caminhar uma para cada lado. Gosto muito da filosófico.Filosofo compulsivamente. Dizem os inimigos que não falo, conceituo. Minhas duas frases prediletas: “Ó, minha alma, não aspira avida imortal porém esgota o campo do possível !”(Píndaro);
“Se eu não tivesse o mundo dentro de mim ficaria cego quando abrisse os olhos” (Goethe)
Cinema
Não vejo um filme bom há muito tempo, ando exigentíssimo.
Estou muito interessado nos italianos contemporâneos. Pelo menos alguns deles fazem lembrar o grande cinema italiano, filmando em Cine Cittá e tudo.
Gosto muito de L’ultimo Baccio, (“O último beijo”), Um Cuor ALtrove” (“Coração para amar”) e recentemente “Estamos bem sem você”. Os dois primeiros estão em cineclubes. Vejam. Fora isso, o Bardén no filme dos Cohen, é a melhor figura do mal que o cinema já criou. O filme é ótimo, exibe excelente cinematografia, embora turve as águas no final. Poderia ser um grande filme.E NÃO ACRDEITO M ‘VIDA DOS OUTROS”,FAJUTISSIMO É humilhante ser cineasta brasileiro. TENHO DOIS FILMES PRONTOS EM CASA
Dança

O último Débora Colker é interessantérrimo. Buscando descrever a contemporaneidade, a danada pesquisou durante dois anos os gestos tortos e movimentos assimétricos, criando um espetáculo “cruel”, de grande audácia e beleza. Mas já saiu de cartaz. A companhia vai para o Japão, lotam teatros aqui e no exterior. Não é para qualquer um. Claro SÃO abominados por grande parte do pessoal da dança conceituaL LOCAL.
Currículo
Me parece que o blog, afinal, filho do site, deve conter currículo do bloguista. Nasci em 36 (não faça a conta de quantos anos eu tenho),
sofri um bocado na mão da minha mãe possessiva, a saudosíssima Carmelita. Aos 13, 14 anos comecei a fazer teatro no colégio. Minha primeira peça data de 48. Ou seja, há exatamente 50 anos. Ninguém a conhece de modo que a publico aqui para fechar esse primeiro dia de blog. Não leve a mal. Hoje em dia me esforço muitíssimo para que minha obra não pareça séria. Mas jovem eu professava também o esporte espiritual PREDILETO da juventude: a auto-piedade. Mas leiam!!! Achei o original outro dia. GOSTEI, o rapaz tem talento.









ORAÇÃO DIANTE DE UM FILHO MORTO

De Domingos J. S. de Oliveira

Escrito em maio de 58.

À Bolinha,
Que me levou um pedaço de mim.

CASA DE CAMPONESES.
AMANHECEU. A MÃE ARRUMA A MESA DA PRIMEIRA REFEIÇÃO.
ENTRA O FILHO, SENTA-SE PARA COMER.

MÃE – Ainda não. Espere seu pai.

O MENINO TEM UMA ATIRADEIRA EM VOLTA DO PESCOÇO. A MÃE TIRA E PENDURA NUM PREGO DA PAREDE.
ENTRA O PAI, DESPE E PENDURA O CASACO DE TRABLHO. SENTA-SE À MESA.
OS TRÊS BAIXAM A CABEÇA.

PAI – Senhor
À ti agradecemos a comida que nos dás hoje
E também as forças que nos deste para tirá-la da tua terra
E também a terra
Bem como a casa
E a paz que sobre ela reina.

COMEM A REFEIÇÃO RAPIDAMENTE.
O MENINO ACABA PRIMEIRO, LEVANTA-SE E VAI APANHAR A ATIRADEIRA. O PREGO É ALTO PARA ELE. PULA UMA VEZ, OUTRA. NA TERCEIRA SEU PEQUENO CORPO ESTREMECE E ELE CAI. A MÃE CORRE, O PAI TAMBÉM, TOMAM-NO NOS BRAÇOS,S ACODEM, CHAMAM, MAS É EM VÃO. O PAI COLA O ROSTO NO SEU PEITO.

PAI – O coração parou!

MÃE- Meu filho!

PAI – Morreu...

A CENA APAGA-SE AOS POUCOS.
ACENDE-SE AOS POUCOS, MAS NÃO TOTALMENTE. É NOITE E O CORPO DO FILHO MORTO JAZ NO CHÃO, CENTRO DO PALCO. O SILÊNCIO É VARADO PELO PRANTO CONTÍNUO.

MÃE – Morreu...

PAI – Morreu...

MÃE – Meu único filho. O único

PAI – Eu não posso acreditar.

MÃE – Morreu.

PAI – Morreu.

MÃE – Sem ele...

PAI – Se tivéssemos um outro...

MÃE – Por que, meu Deus, por quê?

PAI – Deus!

MÃE – Nunca pensei!

PAI – Eu também, nunca pensei.

MÃE – Ele sabe o que faz.

PAI – Estou tão cansado...

MÃE – Queria guardar... as coisas que eram dele...

MÃE – Logo o levarão.

PAI – Temos pouco tempo...

PAI – Nunca apensei que fosse tão pouco.

MÃE – Meu filho! Sozinho, morto, sozinho!

PAI – Coragem.

MÃE – Deus sabe o que faz.

PAI – Temos de nos convencer que é verdade, que ele morreu.

MÃE – Meu filhinho, tão pequeno... Por que ele, senhor? Porquê? (CHORA)

PAI – Que fiz eu, senhor? Sempre fui como tu querias. As coisas eu amei, sempre que pude. As crianças, os animais, teu mundo, os pobres, todos eu amei. Que mais, senhor. Que mais podia eu fazer?

MÃE – Nosso filho está no céu, perto dele, perto do Senhor.

PAI – No céu.

MÃE – Um dia o veremos.

SILÊNCIO.

PAI – Senhor, perdoa-me, se levanto minha voz para duvidar de Ti. Mas é preciso que me ajudes, porque eu perdi meu filho. Quero acreditar, senhor, no campo verde que nos prometeste, onde brincam as crianças mortas ao lado de Teus anjos. Mas, senhor, três coisas somente fazia esta criancinha na vida: comia, dormia e m amava. Comida Teus campos têm, e muita. Sono, Tu mesmo o ninarás. Mas eu, Senhor, eu? Isso Tu não podes dar! Levai-me então, senhor, levai-me também!

MÃE – Ó vida... desgraçada... sem paz.

PAI – Por que me tiraste o que é meu? O que fiz?

CHORAM MUITO, PORÉM CADA VEZ MENOS, ATÉ O SILÊNCIO

MÃE – Não quero, marido, não quero viver sem ele.

PAI – Eu também não.

SILÊNCIO.

MÃE – Talvez... depois... nos encontraremos os três, no céu.

PAI – Não, mulher. Ele morreu. Nunca mais o veremos.

MÃE – Coragem, marido. Ainda temos um ao outro.

PAI – Mas continuar a viver... sem meu filho... será a tristeza até o fim.

MÃE – Não é possível que seja só isso.

PAI – Você acredita no céu?

MÃE – Nãos ei.

PAI – Eu não acredito.

RELÂMPAGO E TROVÃO. A FÚRIA DOS ELEMENTOS OS AÇOITA. A MÃE CAI AJOELHADA INDEFESA, MAS O PAI ENFRENTA.

PAI – Não temo, senhor! Um filho morreu! Não temo! Eu não acredito, não temo!

O TROVÃO DIMINUI DE INTENSIDADE.

PAI – Como pude eu um dia acreditar na tua bondade, na tua arrogante sabedoria, eu, que tenho um filho morto nos braços! Não peço uma vida feliz, Senhor! Sou um homem humilde. Eu peço, senhor, o inferno! Se é isso que tu queres! Que rasguem minha carne, que minha voz se transforme num uivo, que as pessoas que eu amo me desprezem, me cuspam no rosto, mas DEIXA-ME AMAR, SENHOR! Afasta de mim a Morte, a Morte que me tira os mus... eu não quero morrer, Senhor. Mesmo sem um filho, quero viver. Tenho minha mulher, que me ama. Por ela eu quero viver. Mas também ela, senhor, e Tu sabe, também ela eu deixarei um dia submissa a Teus pés. Tenho meu campo, ainda por cultivar. Quanto mais nada eu tiver, a ele darei meus esforços. Se a chuva inundá-lo, se um fogo descuidado comer a colheita, me fizer recuar e trancar-me na mais pequena parte da minha casa, ainda assim não me queixarei. Enquanto para uma pedra eu puder olhar, e lembrar que com ela brincou meu filho, nele tocou minha mulher, passou o arado com que eu arava meu campo, não me queixarei. Será aí que tu virás, com tua mão pesada, me esmagares! E dirás: toma, a treva, é tua! Não, senhor, não creio nos teus campos verdes (são tão pequenos e escuros os meus).

LUZES SE APAGAM.
LUZES SE ACENDEM. AMANHECE. CANSADOS, DIANTE DO CORPO, O PAI E A MÃE.

MÃE – Há algum tempo passou por aqui um viajante, desses que correm o mundo, e me contou uma história. Ele viajara por uma terra tão rica e tão boa que tudo nasce nela sem que seja preciso plantar uma semente.

PAI – Nossa terra também é boa.

MÃE – Se nossa terra fosse boa assim, não precisaríamos trabalhar tanto. Lá, todos vivem bem. O mais pobre tem seu campo.

PAI – Toda minha vida eu trabalhei.

MÃE – Mas já me sinto cansada...

PAI – Não deve existir terra nenhuma. Esses viajantes sem profissão mentem muito.

MÃE – Talvez exista. Já foi verdade tanta coisa em que não acreditávamos.

PAI – Talvez.

SILÊNCIO.

MÃE – AMANHECEU.

PAI – Estou tão cansado.

SILÊNCIO.

PAI – O corpo me dói.

MÃE – Vai descansar um pouco. Vem.

ELA LEVANTA, AJUDA-O A LEVANTAR-SE E SAI COM ELE. NO PALCO FICA O PEQUENO CORPO MORTO.

(PANO)

Blog 2
Essa é minha segunda postagem neste blog. Sabem que ele já me foi útil? Há anos tento escrever minha auto-biografia, afinal tem sido uma vida venturosa. Por mais que talvez exatamente por causa disso não seja fácil resumir. Sempre me parecem superficiais as biografias. Não contam o homem inteiro. Um homem não é só seu passado, é também o seu presente. Esse blog me sugere uma forma de escrever. Sempre no início, o passado. Sempre no fim, o presente. O passado avança, o futuro recua. Se por acaso um dia se encontrarem estará feita a biografia.

passado. O início.
AQUELE HOMEM, isto é Domingos Oliveira, isto é, eu - aquele homem nasce num dia 28 de setembro de 1936, em Botafogo, na Rua da Matriz, cidade do Rio de Janeiro.






Dizem que se recusava a respirar o ar do mundo, embora fosse devidamente espancado pelo parteiro. Que então foi atirado numa bacia. De onde um instante depois retirado por um tio médico que, mediante inesperado, vigoroso e certeiro golpe de mão espalmada, concedeu-lhe o direito de viver. Parto portanto tortuoso, ao qual a mãe sobreviveu a duras penas, segundo os relatos familiares.

De minha infância não recordo nada.
E desperto para o mundo da minha própria consciência apenas na adolescência, aos 15 ou dezesseis anos de idade.

Esta sensação de borracha-passada-nos-anos, de treva baixada sobre os luminosos-primeiros-dias, é como sinto o início da minha vida. Esparsos instantes acendem-se na memória perdida:

Mãos descarnadas de uma empregada preta e velha,chamada Olivia, baixadas sobre um prato cheio de feijão preto e arroz, para retirar o excesso de caldo sem deixar cair o feijão e arroz. Feijão e arroz que eu seria obrigado a comer. E que comeria, aterrorizado, certo de estar ingerindo a própria doença das mãos descarnadas, envenenando-me.Com o estômago revoltado como até hoje me revolto

A figura de um jardineiro imenso e vigoroso, que me dizia e convencia, ao mesmo tempo que exigia segredo, ser todo o cimento do jardim (o jardim era enorme todo coberto de cimento-ai minha cabeça! - a tampa do subterrâneo, onde viviam os jacarés famintos, que podiam ser vistos através dos ralos, se alguém tivesse coragem de olhar. E eu certamente não tinha !

Os pratos separados. Os talheres separados. O primo Carlinhos, que ia morrer de tuberculose, de quem eu não podia chegar perto, senão também eu ia morrer. Mas que um dia me foi permitido olhar. De longe, na varanda. Sentado na cadeira de vime branco, pálido e espiritual, de olhos translúcidos e bondosos enquanto os de minha mãe marejavam. E o primo Carlinhos me olha, belo, com olhar que não era o da Morte e sim da Bondade. E a o de minha mãe que me pega pelo braço, para me tirar dali.

Meu avô José, mais nobre e querida das memórias ! José que um dia ficou rico com os lucros de uma fábrica de barbantes. O José Pereira, de bigodes opulentos e másculos. Roubava-me da minha mãe, para minha alegria, e me levava para dormir com ele. Na cama imensa do lençol com perfume , do colchão macio que dava vontade de pular. O avô José.

Que me ensinou a rezar e a cantar para a santa, onde a caixinha de música repetia: avê, avê, avê Mariá ... Eu ajoelhado,ele me ensinando a botar juntas minhas mãos, em prece.








PRESENTE
Outro dia entrevistei Felipe Hirsh, o famoso diretor de teatro. Vi alguns de seus espetáculos. São admiráveis sem dúvida, do ponto de vista técnico e plástico. Ele é um verdadeiro mestre. Mas nunca me agradou inteiramente. Por causa dos textos, ou melhor, dos temas dos textos. Como vários outros diretores de vanguarda, seus textos sempre versaram sobre os valores duros da vida. Tédio, falta de sentido, a incomunicação, a inexistência do verdadeiro amor etc. E muito pouca ou nenhuma esperança. Pois é. Detesto esse tipo de texto. Por mais valores outros que eles possam ter. Porque creio que a arte é uma coisa da vida. É auto-ajuda, para ajudar a viver. É diversão e ensinamento, como dizia Brecht. Se uma peça ou um filme, um quadro ou um livro, não me ensinam a viver melhor, não os considero grande arte. É queixume, auto-piedade, lamentação. Às vezes belo mas não é arte. Sei que esse é um ponto de vista radical, porém sou um velho turrão. Penso assim e pronto.
Agora, no último Felipe Hirsch, “Não sobre o amor”, fiquei numa situação difícil. Adorei o espetáculo. Achei mesmo que talvez fosse o espetáculo mais bonito que já vi na vida. Equiparável apenas a alguns de Antunes ou Aderbal. Mas o texto tinha aquele negócio, aquela desesperança que não me interessa. Então, decidi entrevistar o Hirsch. Encontro um rapaz de 36 anos, para mim, um menino. Simpaticíssimo, humaníssimo, inteligente e inspirado. Seu discurso nada tinha a ver com aquilo que me desagradava no espetáculo. Então, tomei coragem e abri o jogo. Disse: Felipe, não gostei do texto. Nem de outros que você montou. Por que você não gosta de textos que apontem mais para o alto das montanhas, a grandeza do homem, a esperança, etc?
Há muito tempo eu queria fazer essa pergunta para os chamados diretores herméticos de vanguarda.
Por que você não faz, por exemplo, uma comédia comovente com todo o talento que você tem?
Felipe estava me olhando muito sério desde que comecei a pergunta. Então pegou no braço e me deu uma resposta histórica, exatamente o que eu queria ouvir. Subi pelas paredes de prazer e compreendi mais por que esses diretores geniais não escolhem bons textos. Felipe disse: Domingos, eu chego lá! E que por enquanto eu sou muito moço, sofro muito, a vida ainda me é difícil. Então trabalho com vários temas, o exílio, a solidão, o desamor, etc. Mas pretendo chegar um dia a ter um tema só em todas as minhas peças. Esse que você falou aí: o amor!
Estou convencido que o Hirsch se já não é, será um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos. Um homem que não mente. 120


Se Deus existe, o problema é dele. (Edu, coração de ouro)



Terceiro Post.

Presente.

Acabo de verificar que parte da minha postagem não entrou no blog. De modo que começo com elas.


Dramaturgia

}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}}Tenho notado também, particularmente no cinema americano, uma tendência de complicar as coisas. De truncar a narrativa. De desprezar a clareza. São os filmes das águas turvas (nunca turve as águas para que elas pareçam profundas). A turma das águas turvas é cada vez mais numerosa. E me fez dormir na cadeira cinema, no teatro, na literatura, evidentemente, na política ou na economia. Essa turma não compreende que a clareza é a gentileza do filósofo. Talvez porque eu sejam filósofos
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Filosofia

A filosofia não é uma coisa vaga como a fumaça de um cigarro. É o momento de evitar a dúvida antes que pernas decidam caminhar uma para cada lado. Gosto muito da filosófico.Filosofo compulsivamente. Dizem os inimigos que não falo, conceituo. Minhas duas frases prediletas: “Ó, minha alma, não aspira avida imortal porém esgota o campo do possível !”(Píndaro);
“Se eu não tivesse o mundo dentro de mim ficaria cego quando abrisse os olhos” (Goethe)


Uma divida
Hoje começa uma homenagem que O Tablado resolveu me fazer. São 24 turmas lá. Todos vão montar somente textos meus, até o final do ano. O título da brincadeira é: “Investigação Sobre o Artista Acima de Qualquer Suspeita”. Pretendem fazer isso nos anos seguintes, com outros autores. Achei bacana. Não dá dinheiro, mas é uma honra, sem dúvida. Mais que isso, é a chance de ver como bate nos jovens toda essa escrivinhação que fiz ao longo da vida.
O jovem de hoje é muito diferente do da minha geração. “Em 68 jovens lutavam por ideais. Hoje, lutam por emprego.” Dizem os jornais. Repletos de estudos sobre o 68. Também eu tenho vontade de escrever sobre isso. A Revolução Hippie foi o evento social mais importante ocorrido na humanidade desde 1917. E ele ainda não foi realmente contado. Expressou-se em música divina, sem dúvida, mas não afirma nem em peça nem livro realmente bons sobre o assunto. É quase um segredo. Something Unspoken. O Bertolutti sobre o assunto, que não me lembro o nome, fui ver correndo. Mas quase não toca no assunto. O que houve ali, em 68, ou melhor, de 68 a 72, 73, foi uma tomada de consciência das potencialidades humanas. Da existência do paraíso. Da possibilidade concreta de mudar o mundo. De definir, apontar, destruir a mente formatada, o preconceito e a mentira, naquele tempo chamado de “caretice”. Era sério o negócio. E muito bonito!
Como tudo o que é bom, dura pouco. E não deixou saudades. Deixou esperanças. Pontos de reflexão. O novo pensamento, que nem um bom nome tem, o melhor é Contracultura, que parece coisa acadêmica, chegou ao Rio de verdade nos fins de 70. 68, pra nós, não tem barricadas na rua. E sim ato institucional.
Mas isso talvez não tenha sido mau. Quem viveu a colorida Contracultura em meio ao cinza-chumbo do golpe, pôde vê-la com uma especial nitidez.
Tento não ter vontade de escrever mais peças. Já bastam as que tenho prometido a mim mesmo. Mas sou até hoje hippie. Sei o que foi aquilo. Vou ter de contar, uma hora dessas. Da tempestade de besteiras que a esquerda, o Socialismo, cometeu, talvez a maior tenha sido a não-compreensão de que a Contracultura não é o seu oposto, e sim sua única continuação possível.
“Oh, boy. Você vai ter de carregar esse peso.”


Vi um filme ótimo em área 1 (DVD). Que não aconselho a ninguém ver. É uma porrada. Eu não sofria assim com um filme desde o “Dançando no Escuro”, que é outro insuportável. Estou falando do “O Escafando e A Borboleta”. É genial. Você vai sofrendo, sofrendo, com a certeza de que algo de bom vai acontecer... e não acontece! Então você apaga a televisão, está na hora de dormir. E sua alma está devorada, consumida. Acho que bons filmes não tinham o direito de ser assim. Em “Roma, Cidade Aberta”, por exemplo, o padre morre torturado e fuzilado. Mas atrás das grades do jardim, há crianças olhando. Que depois saem pela estrada da vida. Uma vez vi em Nova York (!!!) uma sessão dupla de cinema. Acabava “Roma, Cidade Aberta” e imediatamente começava “La Estrada”. Eram gente boa, Fellini e Rossellini. Embora acho que seja insidiosa com essa coisa da esperança. “Escafando” tem duas cenas tão bonitas que quase compensam a infinita dor. A da enfermeira que faz “falar” com um olho só, fala da compaixão. Depois outra, com o pai (Max Von Sidow) comenta diretamente a miséria da condição humana. Gostei muito do filme. Mas não aconselho ninguém a ir ver. Se eu não tivesse visto, não veria.


Passado:
Tenho 10 anos, ou oito.
Minha mãe doente. Ausente. O pânico, o medo. O momento em que me permitem vê-la, sem me aproximar. Minha mãe num porta entreaberta. Ela olha para mim, aponta,ela chora. No chão, quase debaixo da cama, aquilo que me lembro como uma bacia cheia de sangue. E fecham a porta, porque é impressionante para uma criança. Alguém me explica a doença de minha mãe. É um irmãozinho, que se perdeu, mas eu não tinha ouvido falar que ela estava grávida!

O portão, mil vezes olhado, por onde chegará meu avô (ou seria meu pai?) ,com o presente. O presente nosso da casa dia. Talvez fossem balas de côco.

E um dia, quando já não existia meu avô, vão sair meu pai e minha mãe para uma festa. Vestem-se de gala e aparecem, lindos, como nunca os vi, mas eu não quero que eles vão embora, menino chato. Choro, grito, esperneio. E quanto mais choro, grito e esperneio, mais corro o perigo do abandono. E quanto mais corro perigo, mais importante se torna o jogo, mais insuportável é suportar que meus pais saiam para a festa. Enfim, jogo a vida, e perco. E o choro vira soluço, e depois já nem cansa mais.

Que terei eu feito de tão errado? Escorregado pelo corrimão da escada da sala grande? Onde ninguém ia, onde o mármore do chão parecia um espelho, se não parecesse com o tabuleiro de xadrez? Não sei, não lembro da falta. E depois, como teria eu ido parar exatamente ali, naquele corredor escuro e amedrontador que conduz à capela, no coração da casa? Talvez estivessem me obrigando a caminhar ali, por aquele corredor, em direção à capela, simplesmente porque eu não quisesse e me recusasse a ir lá. Eu tinha tanto medo da capela, e dos santos dentro do santuário, por trás do vidro. Daquele lugar sem janelas, no coração e no centro da casa, onde todos tinham de ajoelhar-se naquela cadeira engraçada e grená, que não era para sentar e sim para ajoelhar. Onde ninguém falava alto e, ao menor descuido, ao leve acaso, Deus castigava? Me lembro apenas do corredor, que mil passos não atravessariam. De meu pai que me arrastava pela mão, e eu perdia o equilíbrio, e berrava, e ele mandava calar... e me batia, para que eu parasse de chorar! E doia tanto, era horrível a dor, posso senti-la até hoje. A mão dele em mim, doía e ardia, mais do que eu podia suportar. Talvez me furava e quebrava. Talvez me matava, em direção à capela. Meu pai, uma criatura tão bondosa e doce. Devem tê-lo enlouquecido, para que ele chegasse a me tratar assim, de modo tão covarde.

Havia um chofer bigodudo, seu Corrêa, português, que me falava umas tremendas sacanagens.

E houve o dia que eu não quis ficar no colégio. Meu avô José já tinha morrido há algum tempo, o luto ainda imperava na familia. Ele próprio tinha comprado para mim os quadradinhos com letras e eu logo pude perceber o mundo que havia por trás daquilo. Minha avó (é dos poucos contatos reais que me lembro ter tido com ela), ensinou-me uma ou duas vezes como brincar com aqueles quadradinhos. O “beabá” é para mim uma recordação mágica.


(Sempre tenho a impressão que recordações de infância não interessam absolutamente a ninguém. Mas continuarei a colocá-las aqui no blog. Que afinal, ninguém precisa ler, maravilha tecnológica! Minha infância eu já contei, em síntese, na profundidade. Numa peça chamada “Do Fundo Do Lago Escuro”. Essa vocês devem ler. Tem na livraria. A arte é a vida sem as partes chatas.)



segunda-feira, 19 de maio de 2008

Há anos tento escrever minha auto-biografia, afinal tem sido uma vida venturosa. Por mais que talvez exatamente por causa disso não seja fácil resumir. Sempre me parecem superficiais as biografias. Não contam o homem inteiro. Um homem não é só seu passado, é também o seu presente. Esse blog me sugere uma forma de escrever. Sempre no início, o passado. Sempre no fim, o presente. O passado avança, o futuro recua. Se por acaso um dia se encontrarem estará feita a biografia.

Presente:
Vi ontem no DVD o velho “12 Homens e Uma Sentença”. Pecinha bem feita para televisão por Reginaldo Ross nos anos 50. Era impressionante a dramaturgia do início da TV americana. O “One Hour Play”. Quatro ou cinco escritores notáveis, dos quais o patrono chamava Paddy Chaievsky, de quem hoje pouca gente se lembra ou conhece. É uma espécie de Neo-Realismo Norte Americano que tive a oportunidade de dirigir na TV, ainda em preto e branco. Chaievsky tem um filme famoso, “Martin”, que é a história de um açougueiro, uma história de amor, com o qual Ernest Borgnine ganhou um Oscar. Aconselho também vivamente “O Grande Negócio”, “Despedida de Solteiro”. Ninguém tem esses textos. Mas tem em inglês. É bom ler pra lembrar como se escrevia bem. A “Peça de Uma Hora” foi o ramo mais nobre na TV e depois desapareceu, preterido pelas novelas e minisséries cada vez mais longas ou, quando muito, séries, que são os gêneros bastardos por obrigar o escritor a ser prolixo. Por anular o poder da síntese. Nem sabemos mais o que é isso. A nova geração, que eu saiba, escreve mal por falta de dramaturgia. Que jovem bom anda escrevendo, profunda e simplesmente? Verdadeira e interessantemente? Ninguém, penso. Mas estou doido para mudar de opinião.

Sobre a nova geração, os que têm menos de 25, há muito o que discutir. Nos jornais pode ser lido que os jovens de 68 lutavam por idéias e os de hoje por emprego. Realmente é impressionante. Os sensíveis são bastante raros e os produtivos quase inexistentes. Penso que o sonho não acabou. Mas os jovens não sonham.
Escrevo essas linhas de velho com espírito de provocador, é claro. Me parece também que assim como falta no jovem de hoje a ânsia do conhecimento e o desejo artístico, falta-lhe também por extensão o desejo sexual. No que posso ver ao meu redor sexo anda bem fora de moda, particularmente entre os jovens. Vejo cada menina por aí sem namorado... No meu tempo, não tinha disso não. Eram dez fazendo fila. No meu tempo um “quer trepar comigo” suscitava uma resposta, um “sim” ou um “não’. Atualmente a resposta parece ser “trepar contigo? Para quê?”...
Não me acusem por esses sentimentos. Estamos num blog. São provocações.

A vida de todo mundo tem fases, marcadas por isso ou por aquilo. Tive por ambição, desde jovem, escrever uma peça ou fazer um filme sobre cada uma das fases da minha vida. Tive a felicidade de quase conseguir alcançar esta meta. “Do Fundo Do Lago Escuro” contém a essência da minha criança. “Os Melhores Anos Das Nossas Vidas” da minha adolescência. “A Última Valsa” da minha passagem para a idade adulta. Meus amores estão espalhados por vários filmes, de “Todas As Mulheres Do Mundo” à “Separações”. E também, disfarçadamente, todas as outras peças e filmes...
Mas tem pelo menos uma fase sobre a qual não escrevi ainda e sinto cada vez mais vontade e obrigação de fazê-lo. Que é a época que vai entre 68 e 72, quando já com quase 40 anos virei hippie, da melhor estirpe, andava de jaqueta verde, botas longas e rabo de cavalo. E acreditava na Contracultura como salvação do mundo. Durou pouco, mas foi bom.
Hoje penso que vivi uma Contracultura muito especial. Vianinha dizia que eu era “o verdadeiro hippie”. Lendo esses jornais todos sobre 68, não encontro eco do que eu senti. O grande livro ou filme da Contracultura ainda não foi escrito ou filmado. Talvez haja rastros disso em “Easy Rider” e “2001” e outros pouquíssimos. Claro que a música retratou os tempos. Com grandeza. Mas só. “Seja razoável, exija o impossível”, “a imaginação no poder”, “drop out”, são palavras que pedem para ser pichadas. Existirão palavras assim hoje em dia?

Não admito que ninguém que lê esse blog pense que sou um saudosista ou um pessimista. Esses dois sentimentos são burros. Minha frase principal nunca foi pichada em nenhum muro, é: “Tenho uma noção profunda da minha extrema felicidade. Mesmo quando estou triste de querer morrer, tenho uma extrema noção da minha profunda felicidade.”



PASSADO:

Um dia me prepararam e me mandaram para o colégio e eu não quis ir, e chorei. Isso lembro-me bem !
As freiras que, sisudas e malcheirosas, receberam-me de minha mãe e me levaram para dentro do colégio.
É como a imagem refletida do espelho quebrada (deveria existir uma palavra única para esta imagem, tão comum a todos os delírios). É assim, “não-inteira”, que me recordo da sala do colégio das freiras. Imensa e muito clara, com gravuras fascinantes, cavalos pastando perto de uma árvore em um verde gramado. Uma beleza complexa, imensa e amedrontadora, fascinante mas que não me pertencia, assim eu me lembro da sala do colégio.
A falta da minha mãe, insuportável - com os olhos eu procurava quem pudesse substituí-la, um rosto de mãe no meio das freiras, mas não encontrava. Em meio a tudo isto, como se não bastasse meu sofrimento, ainda queriam que eu brincasse com as outras crianças, mas o sol queimava, talvez fizesse mal, talvez me matasse o sol. Foi quando veio a hora de dormir. As janelas se fecharam, o escuro tombou sobre a sala. Uma freira me agarrou e me pôs numa cama, um berço, onde eu deveria ficar imóvel, dormir. Como podia, se tinha medo? Medo?
Depois o pátio, hora do recreio e subitamente, na porta do colégio, no portão de ferro intransponível que me separava do mundo, surge meu avô paterno! O outro avô, o avô que estava vivo, o pai do meu pai, vovô Odorico!!! Eu pedi a ele, implorei, que me levasse embora, para casa. Corri para o portão, escapando das mãos vigorosas das freiras, desobedeci, me subverti e corri para o portão, para implorar... porém meu avô me respondeu com aquele mesmo sorriso que meu pai teve todo tempo que viveu. Um sorriso de quem não pode se meter, do humilde criado, mas quem manda é o patrão e foi embora meu avô. E as freiras de novo me devoraram.
Na manhã seguinte procurei diretamente minha avó, a matriarca e dona do dinheiro, e disse a ela (premeditadamente, tudo tinha sido planejado: "Minha avó, se meu avô fosse vivo, eu não ia ao colégio, ele não ia deixar.” Então todos se comoveram, e... nunca mais me mandaram para o colégio! Estudei anos dentro de casa, com uma professora particular, D. Adalgisa. Todo o curso primário eu fiz em casa, com excelentes notas.

O fascínio dos quadrados de madeira com o desenho das letras. A suspeita do mundo que havia por trás daquilo. O prazer, válido em si, de compreender e controlar as combinações das letras, de unir a elas um significado. A atividade lógica de aprender a ler. Imensa alegria, primeira alegria adulta.




Quarta postagen:


terça-feira, 27 de maio de 2008

PRESENTE PRESENTE PRESENTE PRESENTE PRESENTE PRESENTE

Hoje me despeço do Blog da Bravo!. Mas gostei da coisa. Está me parecendo um bom modo de rascunhar a minha biografia conforme expliquei na postagem anterior.
Eu uma vez fiz um espetáculo chamado “Pra Quem Gosta de Mim”, título que não deixou dúvidas. Pois bem, o Blog me parece também um modo de descobrir quem são meus discípulos, fãs, admiradores, amigos, que andam por aí e eu não sei. Um modo de fazer a minha mala direta afetiva. Por esses dois motivos, continuo, fora da Bravo!, a quem sou muito agradecido pelo ensinamento blogueiro. Meu novo blog é

www.dodomingosoliveira.blogspot.com

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As despedidas, dizem com razão os ingleses, quanto mais curtas, melhores. Porém, como eu não sou inglês, farei essa especialmente longa.

PRESENTE
Breno Silveira.

Breno Silveira é o diretor de “2 Filhos de Francisco”. Que deu 6 milhões de espectadores. Um bom filme brasileiro atual dá 80 mil espectadores. Um mau filme brasileiro vulgar popularesco atual pode chegar a 1 milhão de espectadores. E o Breno não é vulgar nem popularesco nem mal intencionado nem manipulador. Ao contrário. É um rapaz fino e bem nascido. Que, não sei como, tem sua consciência de artista identificada com as classes menos privilegiadas, ou seja, usando uma palavra horrivelmente gasta, com o povo. Em consonância com a sociedade em que vive, poderia ser dito assim. Fazer um filme com a dupla caipira de qualidade musical possivelmente duvidosa e contendo tramas altamente sentimentais, para não dizer sentimentalóide, tem todas as características de uma atitude picareta. Breno teve uma idéia original sobre o assunto. Inteligentemente desviou a atenção da dupla popular para a história do pai deles. E os filhos de Francisco estouraram. Agora havia de sair para um segundo filme. O que fazer quando seu primeiro deu 6 milhões de espectadores? É certo no mundo inteiro, mas no Brasil é certíssimo, que ninguém pode fazer dois sucessos seguidos. Depois do primeiro as marretas intelectuais e midiáticas levantam-se, prontas para baixar a porrada. Seu segundo filme, mesmo que seja uma obra prima, será considerado pior do que o primeiro. O valor da novidade na nossa sociedade é imenso. A atriz novata que arrebenta numa novela só vai fazer sucesso de novo daqui há dez anos, quando esquecerem o sucesso inicial. O cineasta tem que construir uma obra para ser “novo” de novo. Aconteceu exatamente assim comigo e nos meus 70 anos de batida nunca havia acontecido diferente. É comum dizer, porém verdadeiro, que não vai ser preciso matar seu leão de cada dia. Mas a alma bondosa e generosa de Breno conseguiu vencer seu espírito sofisticado e internacional, resolveu fazer o “Era Uma Vez”. Quando ele me disse do que se tratava, quase caí para trás: Um “Romeu e Julieta” na favela. Um menino favelado apaixona-se por uma menina da Vieira Souto, seu romance não é permitido na sociedade e acabam morrendo os dois, baleados pela polícia. Não podia haver nada mais banal. “O roteiro trará um tratamento original, uma visão nova”, pensei. Li o roteiro. Além de banal era absolutamente previsível. Sem nenhuma novidade. No entanto ali já conhecia o mistério com o qual desejo fechar essa primeira parte do meu blog. Era um roteiro escrito com tanta sinceridade, tanta boa vontade, tanto romantismo, tanto amor ao próximo, que não era possível dizer que era um roteiro ruim. Embora fosse. Ontem vi o filme. Tudo é realizado com muito capricho, porém do modo esperado. Sem novidade de linguagem, previsível, banal. E no entanto é ótimo! Um gol de placa capaz até de quebrar a “maldição do segundo filme”. Chorei como uma vaca nos vinte minutos finais. Embora soubesse exatamente o que ia acontecer. Se uma obra alcança esse nível de emoção, é uma obra de arte. A gente que não respeita o seu próprio pranto, incrível. Se um filme me faz chorar, é um bom filme. Que eu não sou idiota, não choro com besteira. É o amor que Breno tem com suas criaturas que realiza esse milagre. Fenômeno curiosíssimo que vocês poderão verificar nos cinemas daqui a pouco tempo. Dispam-se de todos os seus preconceitos, comprem sua entrada e venham chorar com Breno Silveira nas dores básicas do mundo do amor. A arte tem caminhos que a própria razão desconhece.


PASSADO

Então um dia quis o impossível. Desejei captar e estar presente ao momento exato em que passava de acordado para dormindo! Ter consciência da perda de consciência, foi o que desejei muito criança ainda. E o estado de alerta que esta pesquisa me obrigava, me impedia de dormir. E no entanto eu não queria abrir mão do jogo. Me dava tanto medo! Não poder colocar sobre meu domínio este instante mágico... No qual eu perdia o domínio de mim mesmo e, dominado pela inconsciência do sono, tornava-me um ser desprotegido, do qual os maiores perigos podiam aproximar-se sem que eu ao menos me desse conta. E nessa beira de delírio tive muitas noites, talvez anos de insônia. Foi através dessa experiência que tive minha primeira noção da Morte.

(Depois, muito muito mais tarde escrevi uma peça sobre minha infância, através de muitos processos e um vigor de escritor que absolutamente não tenho mais, escrevi "Do fundo do lago escuro". Então penetrei brabo nesta terra escura da minha infância. Descobrindo lá uma assustadora e inesperada sensualidade, entre muitas outras coisas.
Sobre meu avô paterno, o da porta com grades, pouco escrevi. Mas talvez tudo que sabia. A velhice dele foi interessantíssima, totalmente louco, gagá. E naquele tempo era vergonhoso ser louco. O trabalho chama-se "A ordem natural das coisas”, um roteiro premiado de cinema que não filmei nunca mas que ficou sob a forma de um especial de Tv, sem duvida dos melhores que fiz.
Tenho também uma fonte fértil, se alguma hora quiser escrever sobre aquela gente que me viu nascer. Que é uma foto de toda família da minha mãe, foto onde ela deve ter uns 3 anos . São 1O pessoas naquela foto e sei muita lenda sobre aquela gente toda. Mas não creio que ninguém se interesse por isto)


Me lembro do dia em que peguei o bonde andando pela primeira vez. Que alegria. E do dia em que ouvi Caymmi pela primeira vez e a coleção de "Guri" que comprei e botei em cima do armário, uma pilha enorme, da qual eu só me permitia ler dois dias, economizando o prazer.

Certa vez subi sem querer a escada do vestuário das meninas internas. Nunca dei sorte com elas, era cruelmente desprezado.
Mas no "show" do colégio, primeiro e único pois depois ninguém conseguiu organizar outro, eu dançava com todas as meninas no final, apoteose de teatro revista. Até hoje a música me vem ao ouvido: "Nós voltamos a apresentar, este show para você!". Eu dançava, até com a Carmem, que tinha um namorado muito mais velho.
Minhas músicas prediletas eram "Good Night Sweetheart" (que minha mãe falou que era música do noivado dela) e "Jambalaya".

Minha primeira investida como produtor teatral foi a montagem de "O dote", de Artur Azevedo. Confesso que com a finalidade precípua de beijar a Ângela, conforme mandava a rubrica. Deus, como eu amava a Ângela! Tenho certeza que não tenho mais a menor idéia do quanto eu amava a Ângela! Que não me dava a menor bola, claro. Eram tempos violentos: o Garcia se masturbava dentro da sala de aula. O prof. Medeiros um dia me pediu conselhos sobre o que fazer com ele! Já o professor de inglês, recém chegado ao Brasil, pedia autógrafos aos alunos. O Prof. Leon, de educação física, tentava introduzir a esgrima ela própria no curriculum. A culhoneira voadora passara por cima do tabique e caía com estrondo e escândalo na sala das meninas. E um dia, de repente, Heitor apareceu com uniforme de interno. Eu tinha uma maleta de ferro que prendia direitinho o guaraná, que derramava num guardanapo nojento com os palitos franceses que mamãe botava. E o Miguel jogava bulica comigo. Bulica, Comigo. E havia o inspetor, que se chamava seu Carvalho.


(OBS. Como vê o querido leitor, AMARCORD e mãe não era só Fellini quem tinha. Todo mundo tem. Até o próximo blog, me acompanhem que eu vou longe....)

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