terça-feira, 29 de julho de 2008

ATUALIDADES:





Filósofo é diferente de um sábio. Um filósofo pode não ter nenhuma sabedoria, é amigo da sabedoria. Lei: "É preciso viver cada dia como se fosse o último."

Sempre acordo bem, de bom humor, agitado, resolvendo os problemas da véspera como se fossem simples. Hoje acordei diferente. Curioso, não sei o que foi que eu tomei, mas acordei com uma agitação fodida. Há muito tempo que quero criar o Grupo Fúria. Agora eu estou furioso. O motivo da minha fúria é o seguinte: Estou fazendo uma peça... uma não, estou fazendo duas, dez peças e dez filmes. Mas no momento estou fazendo uma peça chamada "Cabaré", no Canequinho, e escrevendo uma peça de teatro muito ambiciosa em parceria com o Luis Eduardo Soares, baseada numa história dele, sobre a violência e o crime organizado, essa coisa absurda que acontece no Brasil. Brasil primitivo e bárbaro. Os problemas que me enfurecem são dois. Na verdade, um. Eu jurei a mim mesmo que nesse ano eu tinha como meta me superar. 73 anos. 72 anos. Com o corpo todo enfraquecido, minado. Creio, há dois anos que não sei como está, não me examino. Mas a idade já me pesa bastante. Não estou me superando porra nenhuma, é dificílimo se superar. Mas pelo menos estou tentando, no momento estou tentando. Estou furioso. O motivo primeiro é o Cabaré, ou o Show, sei lá como aquilo se chama. "Os Sábados do Domingos". Está acontecendo a mesma coisa que aconteceu durante os cinco ou seis anos que faço esse show, diferentemente do que nos Cabarés que eu fiz no teatro acontecia. Lá era uma peça de teatro ensaiada e montada, esse show é mais um improviso. Estou saindo no prejuízo. Não é falta de gente, as pessoas adoram, eu sei como elas se sentem, eu já fiz esse show, é um acontecimento surpreendente, as pessoas ficam gratificadas com a liberdade do espetáculo, com a beleza das canções e das mulheres, etc, etc, etc. Ficam encantadas mas não vão e não levam as outras. Existem dois jeitos: melhorando o espetáculo, ou levando o público lá. Não necessariamente nessa ordem. Outra também que me enfurece é a minha outra peça que estou escrevendo com a Marcia Zanelatto, chama "Sangrenta Madrugada Sangrenta", pelo título já se vê o que é, e que está ótima, muito bem escrita, melhor do que qualquer um escreveria, porém ainda medíocre. É preciso mais loucura, mais loucura. Mais profundidade, mais acuidade, mais lembranças do que é a vida.



Bem, me acalmo. Não há nada demais. Eu não vou matar ninguém, não vou jogar ninguém de nenhum abismo. Vou me acalmar. Acalmo-me. Vejo o sol entrando oblíquo no meio da minha sala, são 7:30 da manhã. É uma bela manhã. Vou ler os jornais. Passar os olhos, que é o que se faz nos jornais. Mais do que isso seria demais desesperador. Para isso preciso dos meus óculos, onde estão os meus óculos?

São 15 para as 8. A Márcia chega às 9 para trabalharmos na peça. Tenho portanto uma hora, uma hora e pouco, para continuar essa loucura, ou melhor, essa fúria.

"Um PM foi morto com a mulher atingido com um tiro no rosto por um bandido em arrastão essa noite na Perimetral, em frente à Polícia Federal." "Domingo à noite duas mulheres foram assaltadas por menores que se passavam por malabaristas num sinal na Lagoa." "Nas ruas, jovens intimidam motoristas para lavar os vidros em troca de dinheiro". Frase: "Agora que passou, tudo está salvo, tudo está bem, pelo menos até o próximo assalto." Ass: Cora Ronai, jornalista, assaltada em arrastão sábado à noite em Botafogo.

Esse é o mundo no qual estou fazendo teatro e cinema.

Somente agüento ler as primeiras páginas dos jornais.

Nelson Sargento, que já foi meu amigo, pintou minha casa nos anos 60, ele era pintor de parede, lança mais um disco. Semana que vem no Canecão. Eu vou lá, eu vou lá. Detesto ir a show, mas eu vou lá. Ou senão ouço na internet o audio do samba-filme do Nelson Sargento com Zeca Pagodinho. www.oglobo.com.br/cultura.

Eu não vou agüentar essa fúria durante muito tempo. Esse é o problema da fúria. Depende do corpo, e o corpo não agüenta. Ainda mais aos 73 anos. Não estou me sentindo muito bem. Fúria mata. Não a quem a obedece, mas a quem a sente.

Falas do filme do "Batman", que eu detestei. Sobre o coringa: "nenhum saber, nenhuma ética, nada vai apagar o animal feroz que nos habita. Eu sou uma vanguarda." Ele diz pro Batman, no filme. "eu não quero te matar porque você me completa" "nada mais atraente do que a psicopatia inteligente" "e aí, pensamos: para que praticar o bem se ele não é mais possível? ele é uma invenção platônica iluminista nesse mundo sujo. E o mal? O mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o mal. O mal é um mecanismo de defesa. Para não denunciar o mal, vivemos dele."

Fala de Obama, antítese de Osama, ele diz:

"E Obama, agora ele surgiu cometendo o bem. Obama é uma antítese simétrica do Osama. Será que depois de uma década que Norma Mailer chamou de tempestade de merda a história deseja um espasmo de mudança para o bem?"

Osama, depois de Obama, depois de Batman, pode não apenas retirar o mal do mundo mas restaurar o bem perdido.

Interrompo a fúria porque meu coração bate forte e eu fico com medo de morrer. A fúria é maravilhosa, prazer imenso.

Fui à internet para me lembrar o que significa a palavra "atman". Significa a alma, mais ou menos. Na religião Hindu. Alma, eu, "you an atman" é o "eu sem alma". Ou seja, aquele integrado no todo. Me pergunto então o que será o Batman, o Catman, o Datman, o Fatman...







PASSADO:





3/1/61.

Sou um ignorante. Não me considerem um rapaz culto.
Estou lendo "Crime e Castigo" há cerca de três meses. Acho sensacional, linha a linha. Porque não leio mais? Não sei, mas devo saber. Reflito um instante.
Uma razão: quando eu leio minha vista cansa, fico com sono. Discutamos esse ponto: eu preciso comprar um par de óculos ou ler em horas menos avançadas da noite? Provavelmente preciso fazer as duas coisas.
Para isso preciso ir ao oculista. Para isso preciso de uma dose de paciência bastante grande. Sinceramente, não acredito que vá senti-la nos próximos tempos. Porque não leio de dia? No tempo em que eu andava de lotação bem que lia, viajante. Bem verdade que era pouco, ficava logo com enjôo. Agora tenho carro, não leio de dia para não perder tempo. Este argumento a primeira vista ridículo e improcedente talvez tenha procedência, senão vejamos: ou bem leio, ou bem trabalho (compreendo por trabalhar escrever, tratar dos meus filmes etc. Neste momento, por exemplo, estou trabalhando. Sei que a denominação não é própria, já que ninguém me paga e só o faço quando tenho vontade. Enfim, já me acostumei a ela. Bem verdade que no início foi um pouco para discutir com mamãe que insistia em me chamar vagabundo). Voltemos então: ou bem leio, ou bem trabalho. Por que não leio parte do dia e trabalho a outra parte? Não dá tempo. Nas poucas horas que me restam, preciso trabalhar, senão não fico famoso. Se quero ficar famoso? Não sei, mas responderei no próximo parágrafo.
A verdade é que gasto 90% do meu tempo em fazer nada, no máximo conversando.
E isso é assim, não tem jeito. Em nove décimos do dia, meus problemas pessoais não me permitem produzir.
Só se eu fosse louco, ou um porco, ou feliz, é que não seria assim.
Sofrer gasta tempo e eu sofro muito, juro que sofro, mas isso é assunto, para daqui há dois parágrafos, sendo assim, fico condenado a uma eterna ignorância. Não exagero: de Dostoievski, por exemplo, li "Crime e Castigo" (o primeiro volume quase inteiro), "Karamazoff" (metade do primeiro volume e "O grande inquisidor") e "Subsolo" (algumas frases). Adoro Dostoievski, como ele ninguém.

A terceira razão pela qual não leio é que gosto mais de escrever que de ler, por melhor que seja a leitura. Criar tornou-se um vício, é preciso saciá-lo e só disponho de 10% do dia. Mas isso não pode continuar assim. Preciso ler. É preciso chegar a uma solução. A única possível é me obrigar, terapeuticamente, a ler um livro por mês. Já tentei fazer isso, sem nenhum resultado.


(Este diário, continuação dos anteriores, é típico do final do meu primeiro casamento. Desencontros absolutos com Eliana, primeiras impotências, culpas terríveis e absolutamente infundadas quanto à Eliana, à minha mãe, a não ser culto, a querer ser artista. Invenções, bobagens criadas por um furor juvenil e pelos sustos diante da condição existencial - hoje igualmente assustadora.
Já tinha morrido "Seu Alvaro" com certeza, mas leia isto em "A primeira Valsa". Não devo ter me separado aos 21, comforme imagino e sim aos 24.)



Excertos de um possível livro denominado "Meu Deus, como sobrevivi?"

sábado, 26 de julho de 2008

PASSADO:


1958/22 anos/ durante a prova de Motores,
Faculdade Nacional de Engenharia:

Se vou ser um escritor, não sei, mas que a angústia constante e a paixão da escrita entraram em mim, disso tenho certeza. Minha inspiração vem quando chamo. A tinta azul, o papel branco... e o mundo desaparece. Somente fica comigo o que é belo ou irremediável e "minha alma se acalma nos versos que eu canto".

Um dos maiores aborrecimentos que tive aos 21/22 foi as bodas de prata de meus pais. Minha mulher, que odiava a sogra, resolveu transformar a questão de comparecer à missa das bodas numa querela religiosa radical. Os problemas, gravíssimos, eram da ordem de se sobe no altar ou se fica nos bancos da igreja, já que não acreditamos em Deus, se ajoelha com os outros ou não ajoelha etc. Incrível! Me pergunto se até hoje luto e sofro por problemas banais assim.

2/1/60. 24 anos

Tenho agora 24 anos. Este diário devia ter começado ontem. Seria mais simétrico. Para bem da verdade, devo explicar que não o fiz porque estava por demais desanimado para fazer qualquer coisa senão dormir.
No ponto final do parágrafo anterior parei e reli o que tinha escrito.
Essa atitude talvez não seja válida.
É preciso decidir o tom deste diário. É preciso resolver e declarar como e porque o escrevo.
Por que escrevo? Por várias razões. A principal é me fornecer um meio de meditação. Somente sei meditar em voz alta (evidentemente, usando um ouvinte) ou escrevendo. Poderia mesmo dizer, sem exagero, que meditar é para mim um ato anormal, ao qual a vida mais e mais me obriga. Meu estado interior natural é o absoluto vácuo.
Somente agora, com os 24 anos de idade, começo a aprender a juntar pensamentos de modo claro. Este vácuo porém é feito de caos e portanto me angustia. É preciso pensar. É preciso decidir, simplificar, metodizar. É preciso saber se sou contra ou a favor da pena de morte, se torço ou não pelo comunismo, até que ponto sou realmente um porco e, para isso, é preciso pensar.
Porque não excluo a possibilidade de outras pessoas lerem estas linhas, farei com que elas não contenham coisas por demais ligadas à minha vida íntima e sim paire no campo das idéias gerais. Outra vantagem importante das idéias gerais é obrigar-me a uma certa dignidade que me permite pensar melhor, e melhor encontrar-me. A parte de mim mais minha, aquela que se liga a meu cotidiano, ao meu passado e presente, me envergonha a tal ponto por sua fraqueza e superficialidade que não me permite falar dela. Tenho vergonha de mim? Tenho muita. É um dos meus sentimentos mais sinceros, menos intelectualizados.
Se meu diário não contém coisas íntimas, talvez não o devesse chamar de diário.
Mas se o escrevo um pouco cada dia?
Em todo caso, não chamo de diário, não chamo de nada.
Deixo em branco a linha do título, mas afinal, quero ou não ser lido? Não faço questão, a não ser por Eliana (minha mulher), é claro. Isso não impede que, em forma, eu me dirija a outros. Como já expliquei, o estilo, a dignidade.
Além do mais, não creio que esse escrito interesse a ninguém, certamente.
Ao público só se deve dar obras buriladíssimas. Assim mesmo eles não as entendem. Mostrar o meu íntimo a pessoas distantes me dá a sensação de ridículo. Eles não me conhecem, serão enganados. Não podem aquilatar o quanto eu gaguejaria para dizer essas coisas em lugar de escrevê-las, não podem saber que eu não os olharia nos olhos e, para terminar o assunto, vamos e venhamos: é ou não ridículo falar de modo firme, a não ser que se tenha morrido há ao menos um século?
Não devo porém, se o caso é psicanálise, riscar o que escrevo. Tudo deve ficar. O romântico, o dramático, o pretensioso, o falso e, assim sendo, descubro o título que faltava: Anotações sem risco, ou melhor, Anotações sem risco nem rumo.
Escrevo sem significação e canso, mas devo continuar, mesmo cansado (são 4 da manhã). Cansado, perco a pouca lucidez que tenho, fico mais ridículo ainda. Não digo nada, faço confusões. Não penso, estou cansado. Sinto dificuldade de falar.
Torno-me um imbecil. Minha boca fica mole, ensalivada como a dos imbecis. Minha cabeça, solidamente oca. Até meu sofrimento, meu querido e redentor sofrimento, até ele se amortece. Cansado, me anestesio, não sofro. Sou, mais que nunca, o porco.
Entretanto, repetindo Dostoieviski, nem um porco consegui jamais ser, tenho vocação somente. Muitas vezes - oh, quantas vezes! - quis enfrentar a porcaria, mas não consigo. Tenho em mim, também, sentimentos puros e nobres. Sentimentos ridículos, já que sou um porco, mas que me impedem de sê-lo.
Cansei, por hoje. Amanhã começo com a frase: "Sou um ingnorante", ponto que gostaria de esclarecer.

comentário feito anos depois (nota ao pé da página):

(Ou seja, eu era um menino neurótico de 24 anos, que ainda não tinha começado a viver, ou melhor, que vivia numa tormenta ridícula.
Um dia peguei um album de fotografias velhas, mergulhei nelas. Trabalhei muito e escrevi minha melhor peça, sobre minha infância ou o que fantasio dela. Chama-se "Do Fundo do Lago Escuro". Esse lapso entre os 10 anos de idade, no tempo "Do fundo ", até esses 24 anos esquisitos, também consegui contar uns pedaços. Comédia de adolescentes: "Somos todos do Jardim da Infância", depois transformado em " Era uma vez nos anos 50", depois numa quase saga panorâmica, "Os melhores anos das nossas vidas”, que em qualquer país com cinema daria um filme ótimo, à propósito - quem sabe ainda não faço? Otimismo.
Mas nem tudo eram comédias. Nesses 24 do diário acima eu já era casado e separado. Casei aos 21 e separei aos 23. Noivei aos 18 ou coisa assim. E isso é uma barra pesada que envolve meus primeiros encontros mais profundos com a Morte, o Amor e também com a Cultura, narrados na minha peça ainda inédita, mas já escrita há muito, chamada "A Primeira Valsa".




ATUALIDADES:


O show do Canequinho todo sábado. Hoje tem. Gasta um tempo enorme prepará-lo, embora não tenha importância nenhuma e nem dê dinheiro. Em tudo, sou muito organizado. Não no show. Fico em dúvidas cadentes até a última hora para descobrir o que quero cantar, qual é a hora do show, etc. Fora isso, estou absorvidíssimo na minha mais recente peça: "O Confronto", ou "Sangrenta Madrugada Sangrenta", história policial de assassinatos e outras violências, da qual cismei em fazer uma leitura amanhã de manhã. Além disso, minha secretaria está uma bagunça, não respondo emails, perco oportunidades, etc. Portanto, ainda não é tempo de anunciar o fim do mundo, mas é de parar o post de hoje.

Mais uma pequena coisa: Experimentem ver o "Era Uma Vez", por sua conta e risco. Agora não vejam o "Batman", que é um saco. Nenhum instante de poesia.

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quinta-feira, 17 de julho de 2008


PASSADO

Ainda há muito o que dizer sobre a minha infância. Mas era preciso que eu ouvisse, entrevistasse meu primo distante, o Sergio, filho do tio Jackson, figura boêmia da família que tanto me marcou. Porém, o essencial está realmente contado em “Do fundo do lago escuro”. O essencial é que minha mãe Carmelita, mau grado às suas extraordinárias qualidades, compartilhava de um hábito social comum às famílias burguesas da época. Toda vez que lhe convinha, ela mentia, sem o menor escrúpulo. A família era toda assim. Para crianças, então, era comportamento habitual. A mentira. As mentiras da minha saudosíssima mãe fizeram com que eu menino chegasse a confundir o certo com o errado, o ilusório com o concreto. Mas, leia a peça. Que você compreenderá melhor. Assim sendo, fica combinado assim. Fico devendo da minha infância até encontrar o primo Sergio, que se perdeu na bruma do tempo, tal foi o estilhaçamento da família.
Para não ficar no vazio, avanço se bem que prematuramente para o fim da adolescência. Um dia preencho o buraco.

21 ANOS (1952)

Não que minha família não seja afetiva. É. Mas seu amor dedicam-no à "família" e não a seus membros. Generalizam. Garanto que têm dificuldade de distinguir um sobrinho do outro, um tio do outro. Por mim, tento tratar todos os homens da família como amigos que não vejo há muito tempo. Já com as mulheres procedo ainda com maior eficiência. Trato todas como se fossem mulheres. Das mais novas às mais velhas, elogio os vestidos e chego a beijar com certa (perdão) sensualidade. Na minha família as mulheres são muito mais importantes que os homens.

Hoje fui ao "Farolito". É um bar de prostitutas, daqueles fechados, que sempre me infundiram pavor. De qualquer modo, somente agora fiz os vinte e um anos necessários para me deixarem entrar. Passos inconfortáveis em direção ao bar, quatro ou cinco apenas. Era um lugar vermelho, obscuro. Pedi um uisqui e fiquei sentado lá sem me mover, até ninguém mais olhar para minha cara de menino. Não tinha muita gente, era dez horas da noite. Homem tinha um, mais cinco ou seis mulheres e os garçons. Duas juntas também no bar. A decoração podia ter sido bonita um dia, espanholas dançando e signos do zodíaco, pintados em vidros iluminados por trás. Nomes de "drinks" junto as datas limites de cada signo. Cheiro de desinfetante perfumado. Um homem na mesa tirou do bolso muitas balas e ofereceu, a mulher aceitou. Riram.

22 ANOS.
Descubro um papel rabiscado: "Conflitos a resolver". Creio que eu tinha 22 anos: Morar ou não fora do Rio?
Procurar as prostitutas?
Quero ou não Eliana de volta?
De procurar a Cecilia (por quem, casado e culpadíssimo, me apaixonei nas ladeiras de Petrópolis, no inverno. Ela era filha do prefeito! Nunca nos beijamos)
Devo dar a bunda como experiência?
Que fazer quanto à masturbação?


PRESENTE
Um homem que depois dos 40 não tem como preocupação principal a morte... é um imbecil. A frase não é minha, é de Tolstoi. Dizem que existiram civilizações em que a morte não era um assunto tão fora da vida, digamos assim. Mas aqui, fugimos dela o quanto podemos até chegar a uma idade em que se fugirmos é pior. Costumo dizer que o medo da morte é um luxo da juventude.
Li o último livro do Dráuzio Varella, “O médico doente”. Li é modo de dizer porque comecei a ler de noite, acordei às 5 da manhã para ler o resto. O Dráuzio, que mal conheço, porém é marido da Regina, que é muito amiga minha, é um sujeito formidável, como atestam seus livros. Honesto, corajoso, inteligente e solidário. Muito mais do que jamais sonhei ser! Um homem sem medo nem culpas. Profissionalmente é oncologista. Ou seja, alguém que vive na mesma cela que a Besta. “ Carandiru” foi aquele sucessão, o livro seguinte sobre os doentes terminais que ele conheceu como médico, “ Por um fio” era melhor ainda, mas ninguém teve coragem de ler. Deus me livre, diziam. Como se Deus livrasse alguém disso. O estilo do Dráuzio caracteriza-se por aquilo que poderíamos chamar de objetividade comovida, ele não faz rodeios, vai direto ao assunto, com rigor e a profundidade que somente homens sinceros podem ter. Este livro agora trata da sua própria experiência de morte. Dráuzio pegou febre amarela e correu grande risco de vida há pouco tempo atrás e relata isso no livro. Então, vejam senhores. Que manjar dos deuses! Um homem sem máscaras, sem medos ou vergonhas, com a objetividade de um médico nos fala das paragens perto da morte. Dando-nos a certeza que foi o vencedor posto que está escrevendo.
A palavra mais profunda sobre a morte até hoje tem me sido dita no final de “A morte de Ivan Ilitch”, de Tolstoi, um livro realmente terrível. Ivan está na sua cama, de olhos fechados, sente as pessoas ao redor, ouve-as dizerem que ele morreu... e então, morre. Dráuzio vai muito mais longe que isso, é imperdível. O modo com que ele nos conta minuciosamente o processo pelo qual uma doença grave modifica os sentimentos e a consciência da vítima. É um médico, tem consciência de tudo. Sabe que muito provavelmente não sobreviverá. E descreve essa planície larga sem retorno nem avanço com uma precisão que somente pode ser chamada de poesia. De repente uma manhã, ele começa a melhorar, não tenta explicar porque, nem comenta o assunto. É como se ele tivesse sobrevivido por acaso. Deixa para o espectador descobrir e julgar se houve algo que o salvou. Nada aconteceu realmente. Dráuzio está bem e vive com Regina em São Paulo. Note-se apenas que no auge da doença, na véspera da melhora, delirante e confuso pela morfina e pela doença, Dráuzio compreende que morrer é fácil. Grande autor, grande livro.
Fora isso, vi um filme bom. Umas cópias piratas que meu técnico de computador coloca, à minha revelia é claro. Hulk é péssimo. Os outros blockbusters colocados também. Sobrou um no fim da lista, chamado Cinderela’s Man. Pelo título e pelos atores, os sempre desagradabilíssimos Russel Crowse e Renée (não sei dizer o sobrenome dela), tive certeza que era uma comédia da pior qualidade. Ledo engano. Os dois atores estão ótimos, como se tivessem encontrado finalmente seus personagens certos e trata-se de um drama de boxe passado em plena depressão econômica de 29, em NY. Olha, já teve muito filme bom de boxe, “Touro indomável”, inegavelmente uma obra prima e muitos outros. E muita gente que faz a cabeça com Stallone, Rocky. Sabem que esse filme é melhor? Pelo menos nas lutas de boxe... Nunca sofri tanto com os socos. Fui várias vezes à lona, junto com o simpatissíssimo Russel. E como dramaturgo me deslumbrava verificando mais uma vez que não existem histórias velhas. Apenas maus escritores e diretores. Esse filme, dirigido por Ron Howard (Apolo 13 e O Jornal), não tem gângsters, não tem porres de decadência, as apostas não têm tanta importância, porém o motivo pelo qual ele luta é a fome, a necessidade. De comer ou religar o aquecedor para que seu filho tussa menos no rigoroso inverno. O personagem baseado na vida real, apanha e dá por pura sobrevivência. E chega ao fundo do poço. Quando não tem mais saída, emerge vitorioso, bem... não vou contar o fim. Recomendo o filme. É da melhor estirpe do cinema comercial americano, que sempre prezou o homem nos seus sentimentos heróicos e nobres.
Por hoje, é só. A minha digitadora e amiga Marcia Z está exausta.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Não tenho tido tempo de completar minhas memórias sobre a infância. Para isso, é preciso entrevistar o meu primo Sérgio. Porque eu era um menino muito maluco naquela época e por isso tenho pouca memória objetiva dessa minha infância. Preciso pelo menos entrevistar o Sérgio sobre o meu tio Jackson. Marido da tia Neném, irmã da minha mãe, e pai do citado Sérgio. O tio Jackson ea o bêbado da família. A família escondia as crianças freqüentemente, trancavam num quarto para que não víssemos, corrompendo assim nossa educação, tio Jackson chegando bêbado em casa. Mas ele era figura notável, cheio de humor e humanidade que, segundo fantasio, me influenciou muito. De modo que para terminar o relato da minha infância eu preciso dele. Minha enorme família já morreu toda ou está muito distante, preciso do Sérgio. Antes de seguir para minha pré-adolescência. Ando fazendo investigações e acho que consigo encontrá-lo nessa semana. A entrevista será sensacional, garanto. Vale a pena esperar. Pelo meu Amacord.
Já leram "Do Fundo do Lago Escuro"?

obs. Enquanto não enconto o Sérgio, a família toda se dispersou. Dedico-me às atualidades.

ATUALIDADES:

Também aqui resolvo dar um balanço. Fazer um retrato completo e detalhado do Domingos hoje. Penso que a graça dessa "blogbiografia" seja justamente assistir o processo. Pelo qual aquele homem de hoje derivou do seu passado...



"Grandes emoções venham ter
Quando o circo aparecer!
Estonteantes atrações:
Girafas, camelos, leões!"



(frase da minha primeira peça profissional, "Estória de Muitos Amores")

Não é fácil dar um balanço de si mesmo aos 72 anos. Certamente terei de mentir muito para evitar narrativas da deprimência da velhice. E é preciso também um método. Método: A profissão, a família, os amigos, as convicções, os planos, a saúde, o mundo e a arte, o homem na solidão. E assim, traço a traço, tentarei desenhar meu perfil atual.
Certamente isso demorará algumas postagens. Só o primeiro capítulo...

A Profissão:

Sempre que alguém me pergunta o que eu estou fazendo profissionalmente, pergunto de volta: "você tem tempo para me ouvir?"

Sou um workahoolic. Embora ache péssima a palavra. Trabalho muito, mas não se trata de uma compulsão, e sim de opção. A gente vai ficando velho, tudo piora no corpo, menos a cabeça. Que também piora mas, de certa forma melhora. Tudo vai ficando muito incômodo pra você, menos o trabalho intelectual. De modo que não há outro jeito senão dedicar-se a ele. Claro que a existência precede a essência, de modo que minha ligação com o mundo é o meu corpo, claro. Mas sou um excelente sublimador em grau dez. Sublimar, para quem não sabe, é uma expressão Freudiana que significa a sua capacidade de utilizar a energia que você ia botar numa coisa, botando em outra. Enfim, é a mentira, é a alma do negócio. Eu e Platão sempre gostamos dessa frase.

Trabalho no cinema, no teatro e na TV. Além de que escrevo, canto e infelizmente danço, mas não sapateio.

Começo o balanço profissional por minhas obras que já estão prontas mas ainda não foram ao ar (penso que essa expressão deve transcender o âmbito da televisão, afinal "the answer, my friend, is blowing in the wind").

Tenho dois filmes prontos para serem lançados e vários roteiros prontos para serem filmados. Falarei muito rapidamente de cada um, só para situar o balanço, as obras não são feitas para serem comentadas e sim realizadas. Por hoje, apenas listo. Acreditando que isso possa ser um gancho para o caro leitor do meu blog. (Já reparou que escrevo uma vez por semana?)

Filmes prontos:

- Juventude
- Todo Mundo Tem Problemas Sexuais
...De alguma forma um documentário que Maria Ribeiro fez sobre mim.

Na gaveta:
(ou seja, buscando dinheiro ou oportunidade)

- Complicações
- Inseparáveis

Roteiros antigos que preciso absolutamente filmar:
(que a julgar por meu número de projetos, deve ocorrer lá pelos 110, 120 anos)

- A Primeira Valsa
- Do Fundo do Lago Escuro
- Doppleganger

E tem mais.

Permitam-me, antes de fechar a postagem de hoje, consultar meu arquivo:
Domingos/diário/antes de partir.

Ei-lo:

Antes de partir, o mínimo. Depois é dádiva, presente, gentileza

1. A Primeira Valsa, filme
2. Complicações, filme
3. No brilho da gota de sangue, filme
4. Inseparáveis, filme
5. Dopplleganger, filme
6. Do fundo do lago escuro, filme
7. Triunfo da razão, filme (inédito de ficção científica)
8. Regiões perigosas: (estórias fantásticas) Algemas; Segunda Chance; A Estrada. filme

1. Dopplleganger, peça
2. Do Fundo do Lago Escuro, peça
3. Cabaré grande, peça
4. Cabaré pequeno, peça
5. Apocalipse Segundo Domingos Oliveira, peça (inédito)
6. Peça infantil: Manhãs de Sol, de Teresa Guimarães
7. Estória de Muitos Amores, peça
8. O Confronto, com Luiz Eduardo Soares, peça
9. As peças Negras – A Causa da Liberdade

1. Tmm montado, edição
2. Thm em caixa de 8, edição
3. Piloto do cabaré, edição
4. Seleção dos melhores momentos da TV

1. Autobiografia, livro
2. FAZER COMO RECURSO OS MELHORES MOMENTOS, LIVRO
3. As testemunhas da criação, livro


GOSTARIA DE VER FEITO POR OUTROS, COM MINHA SUPERVISÃO (pra não deixar fazer besteira):

A Volta Por Cima, filme
O Inimigo Do Povo, MUSICAL
Remasterização do “Todas as Mulheres do Mundo” e do “Princípio e o Fim”
Publicação do “Princípio e o Fim” (o melhor do teatro)
Fábrica de Dramaturgia
Clássicos vistos por, livro
textos para OS GRUPOS, livro
Sétimo Céu, para grupo jovem
Os melhores Anos de Nossas Vidas, filme
Antígona, a origem da tragédia, peça inédita (a única)
Pequena História do Mundo para 100 atores, livro
Filme para crianças: O Dia que os Adultos Desapareceram


Para dar dinheiro:

Todo mundo tem problemas 2, filme
Adorável Júlia, peça
Um caso que eu tive quando me separei de você
Guerreiras do amor
O Imigrante, filme
A Ceia dos Cardeais, peça
...


Fora as idéias que tenho dos os dias embora faça imenso esforço para não tê-las. Que eu me lembra agora, ainda fora dessa lista:

As crônicas do Jabor
A montagem do Farol, do Ubaldo
A peça panorâmica sobre o Millôr


Observo agora, fechando essa postagem, algumas curiosidades:

São quase cinquenta planos, o que prova meu ridículo total. Contando um tempo mínimo para cada plano, mínimo minimorum, de quatro meses para cada plano, são duzentos meses. E contando com a mínima minimíssima dispersão, 250 meses. Trabalho árduo. São mais de 20 anos. Ou seja, tenho de continuar a trabalhar feito um doido até os 92 anos, no mínimo minimorum.

Bem, Carlitos morreu aos cem. Numa noite de Natal.

Sem mais e exausto, me despeço por hoje. Prometo comentar cada um desses planos muito rapidamente e aos poucos. Caso contrário, meu leitor blogueiro mais aficcionado morrerá de tédio.

Na próxima postagem, aventuras internas do meu trabalho atual. Não é nenhum desses anteriores, e sim um show para o Canequinho, anexo do Canecão, que estréia daqui a dois dias, tentando satisfazer o meu grande ego. Apresento e canto no show, sensacional! E ridículo.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

O que você precisa saber para viver adequadamente na sociedade

Em todo grupo, comunidade,ou agrupamento, patota maioria é burra.
(exceção feita aos espectadores deste blog, todos inteligentes)
Urgente afirmar que não vai aqui nenhum julgamento moral.
Os inteligentes não são melhores que os burros.
Nem merecem mais.
Os BURROS também são merecedores de paixão.
Todo homem é esplêndido, BURROS ou inteligente, todo ele contêm o universo.
Umas das primeiras obrigações da inteligência é, exatamente, reconhecer este fato simples.
Excusado igualmente observar que a inteligência nada tem a ver com a cultura ou o nível de informação de cada um.
Pelo contrário, entre homens cultos de modo geral é encontrado um índice de burrice estonteante.
Em contrapartida verifica-se que a ignorância e a pobreza tem constituído campo fértil para o aparecimento das grandes almas.
A propósito, alma é sinônimo de inteligência.

Difícil conceituar a inteligência, porém fácil reconhecer-lhe atributos a primeira delas é, sem dúvida, a humildade. Humildade é sinônimo de inteligência.

O homem sábio sabe que não sabe.
Ao passo que o BURRO é arrogante. Considera-se possuidor de algum saber e, conseqüentemente, superior aos outros BURROS que sabem menos.
Atenção: o BURRO compete, julga,condena e, muitas vezes, mata.
No entanto com a inteligência acontece justo o contrato.
A despeito de si mesmo, ela ama.

Mozart disse que para ser um gênio não basta talento. Nem inteligência. É preciso também um grande amor. A propósito, amor é também, sinônimo de inteligência.

Quem é inteligente sabe que é.
Já o BURRO desconhece sua burrice.
Isto seria um drama, se não fosse uma tragédia.
Posto que o BURRO, no fundo do seu ignorado esplendor, sente que lhe falta algo, algo que o inteligente possui.
Neste momento advém, soberana, a inveja. A inveja dos burros.
Como se não bastasse ser diferente, o BURRO passa a odiar o inteligente.
No entanto com a inteligência acontece justo o contrário. Ela sempre se reconhece! O homem inteligente não inveja e sim compraz-se, exulta quando vê brilhar uma inteligência igual ou maior que a dele.
Os inteligentes, além de terem entre si grande amor e admiração, plageiam-se constantemente, sem o menor pudor.
Não tentam ser originais.
Sabem que são... Um só. Um só acidente da natureza.
Ou terá sido seu recurso de emergência? Do qual a natureza lançou mão para cuidar da sobrevivência da espécie, antes que os burros a destruam?
Concluindo: a imprensa é burra, a tv é burra, o esporte é BURRO, a política é burra. Quase tudo que é considerado importante na sociedade atual não apenas é desimportante - como também é BURRO.
Trata-se do império da burrice, como outrora foi o império romano.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Atualidades
“A noviça rebelde”. Ingresso caríssimo, casa lotada, fortunas na bilheteria. Não se esperava menos do Max e do Moisés, donos do Teatro Casa Grande. Que peça deveria estrear o teatro? Escolheram a “Noviça”.
Eu fui levar minhas netas e tentar reviver o encantamento das minhas primeiras idas ao teatro. As meninas ficaram encantadas, isso eu esperava. Mas não esperava que eu mesmo ficasse encantado. Gostei. O valor das coisas depende da natureza do seu olhar. Vi de um jeito que gostei.
Não sei como explicar. Claro que é tudo de um mau gosto exemplar e que os atores, com exceção de alguns amigos, não fazem nada de um modo inimitável. Cada um tem seu microfone sem fio, as moças na cabeça e os homens de “Madonna”. De modo que aquele som sai em bloco, muito “sound and clear” e não se sabe que ator falou. Exatamente como num filme dublado. Os atores não representam teatralmente. Dizem o texto de um modo didático e falso, como numa dublagem. É tão especial que tentei imitar e não consegui.
No entanto, tudo está certo. O teatro tem dessas vantagens. Muitas vezes um espetáculo vulgar se representado de um modo vulgar, montado de modo vulgar, para uma platéia vulgar resulta absolutamente adequado, maravilhoso. Quase como se não fosse importante o que se diz ou que se faz no teatro e, sim, o jogo que se estabelece entre o palco e a platéia. São assim os espetáculos muito populares. Como, por exemplo, o recente “Rádio Nacional” e outros. A platéia adora, se diverte. Como na “Noviça”. Mais que isso, se emociona e aprende em certo nível.

Olhem, não quero tirar meu corpo fora, chorei em vários momentos. Particularmente no final. Mas comecei na cena do casamento, quando ela vem de noiva, o capitão Trapp, fardado, e entram as 7 criancinhas de damas e cavalheiros de honra.
Não quero tirar meu corpo fora. Por que gostei? Explico. Primeiro, a dramaturgia!!! É interessantíssima, fiquei com vontade de escrever uma coisa assim. É o que se poderia chamar de uma dramaturgia sinótica, não há tempo a perder com ela. É preciso deixar o tempo para as canções, concentrar nas canções todo o sentimento e profundidade. O texto é o mínimo, totalmente brechtiano, demonstrativo, distanciado e direto.
É melhor dar um exemplo.
Uma jovem babá, ex-noviça, apaixona-se por um capitão aristocrata, cujos filhos a adoram. No entanto, ela compreende que esse amor pode não ser bom para a família porque ela não é do mesmo nível social e decide voltar para o convento. Ainda que louca de paixão.
Como descrever isso? Muito simples. Se arma uma festa na casa, com os amigos aristocratas do capitão. Para escândalo de todos, o capitão a convida para jantar em sua mesa. Todos se retiram com desculpas esfarrapadíssimas e aí entra o número musical. O capitão dança uma valsa com a babá. O que é um barato, a música é linda, os passos de valsa, etc. A cena termina olhos nos olhos, por um rápido instante. É lindo!
Aí vem a criada e avisa que o jantar está na mesa. Ela diz que tem que mudar de roupa, obviamente para que ele saia e a deixe sozinha. Nesse momento entram as crianças e dizem a ela, sem rodeios que ela está apaixonada pelo papai, coisa que a noviça desconhecia.
E aí entra novo número musical. Com as crianças cantando com ela alegríssimas. Depois da cena aplaudida, é lindo!, desce um telão negro, aberto no meio, por onde vemos ela passar com a aparência antiga de noviça e uma mala na mão.
Música religiosa. Vemos a noviça chegar no convento, onde a madre superiora canta sua ária principal, chamada “Não tenha medo de amar e suba a montanha”, dando trinados agudíssimos que arrancam aplausos entusiasmados da platéia. É lindo!
Ou seja, nos diálogos, a interpretação dos atores e as informações. Nas canções, a emoção e a eventual profundidade. Você olha e vê que tudo aquilo foi planejado longamente. Que é um tipo de dramaturgia definido e afirmativo, como somente um país que venceu Hitler na guerra poderia produzir. O espetáculo parece gritar que Bush é um acidente na história do país.
Quando os atores acertam o tom, como é o caso de Fernando Eiras, magnífico, a coisa é admirável. Brecht puro.
Fico com vontade de escrever uma coisa assim.
Por que descrever o comportamento humano apenas com palavras? Por que não fazê-lo com canções ou danças? Que, na verdade, são artes mais populares posto que menos racionais.
Um musical, uma ópera, um balé, tem sua história contida num libreto. O mistério está em outra forma de expressão.
Debinha Colker quer que eu escreva para ela, quem sabe não faço um musical balé? Dançado em vez de cantado. Com um libreto da pesada, por exemplo, “O inimigo do povo”, de Ibsen.
Por enquanto, limito-me a recomendar sem conseguir explicar direito, uma ida ao Teatro Casa Grande. De preferência arranjando convite posto que ninguém vai pagar tão caro para assistir uma experiência de vanguarda como a que tentei descrever acima.
PS: A música não é muito boa, não há quem agüente por muito tempo aquele dó-ré-mi.

Passado
Eu, menino, mesmo antes de escrever qualquer linha, já dizia que era um escritor quando me perguntavam o que eu ia ser quando crescer. Depois, adolescente, tracei um plano para mim mesmo de descrever em peças de teatro ou filmes as diferentes fases da minha vida. Como se isso fosse útil para os outros. Essa insana convicção íntima de todo artista. Tive a felicidade de conseguir em parte realizar essa tarefa.
Com a infância, que é um assunto de agora nesse blog, foi fácil. Porque me recordo pouco. O essencial está na peça anteriormente citada, “Do fundo do lago escuro”. Eu não posso transmitir em palavras o que está posto ali, de modo que vocês terão de ler. Mas resumindo alguns pontos: trata-se de uma tarde no casarão de Botafogo, no fim dos anos 40, em que uma típica família brasileira se debate enquanto espera a noite num discurso de Carlos Lacerda, o mestre de direita da eloqüência política. Duas tramas seguem paralelas. Uma complicada, que envolve a matriarca da família e confusões financeiras. A outra, o menino Rodrigo, que não sabe mais o que é mentira ou verdade, posto que sua mãe mente todo o tempo, dizendo o que lhe é conveniente. Esse menino é perseguido por um primo mau, que tenta abusar dele.
Posso dizer aqui que meu primo tentou mas não me comeu. Só quase. E que a peça é muito bonita. E talvez até sobreviva a mim. Fora isso, fico devendo a esse blog poucas coisas da minha infância. Mas hoje não tenho tempo para escrever mais. Coloco apenas o poema que antecede a peça, que veio de um sonho de uma canção que fiz nos dias seguintes a ele.

“No fundo do lago escuro
uma bolha de ar puro
vem um dia ter comigo
o passado mais antigo
tão fugaz quanto querido
Foi um gesto, uma cor, um grito
uma queda no infinito
qualquer coisa que não sei
uma promessa de paz
de alguém que muito amei
de quem não me lembro mais
No mergulho mais profundo
na direção mais certa
tiro o mundo dos meus ombros
e descanso finalmente
entre os escombros do fundo
Nada sendo e sendo tudo
Boquiaberto e mudo”

Ok, pessoal. Escrevo mais amanhã! Obrigado pelos comentários.