segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O cinema autoral

Heloisa Buarque me disse há anos que a arte viria, num breve futuro, das periferias. Realmente eles têm muito mais história para contar. Depois deste filme escrevi para Cacá Diegues.





5 X FAVELA

Um marco na história do cinema brasileiro. Uma maravilha surpreendente. Imperdível. Um dos melhores filmes brasileiros, talvez o melhor. Uma conjunção de talentos para o cinema falando de suas vidas, seu cotidiano. Técnica ótima, conteúdo inspirado, que honra o cinema brasileiro. Renata Magalhães e Cacá Diegues são os responsáveis pela iniciativa. Cacá sempre foi de todos nós quem olhou melhor o Brasil.

Estas são apenas algumas frases que poderiam ser usadas, por direito adquirido, para propaganda deste filme. No Brasil atual, nenhum fato cultural repercute mais. Assim como nenhum escândalo no crime. Não tinham me avisado que era tão bom, não entendo. É humanamente e filosoficamente ótimo, cinematograficamente um sucesso. Que conquistará o mercado externo pelos mesmos caminhos que “O Ladrão de Bicicleta”, que é com o que mais se parece.

O filme é dedicado a um amigo que morreu, concebido e proposto por um líder do cinema novo, envolvendo centenas de diretores, técnicos, estudantes de baixa renda, moradores de favelas representativas do conjunto carioca. Foi dada a eles a voz. E eles a usaram com uma simples eloqüência. Cinco episódios do filme descrevem situações comuns no cinema engajado. A difícil sobrevivência na selva das favelas. Porém desta vez o olhar é diferente. O enfoque é inaudito, surpreendente, diferente. A cada instante, surpreendente.

Têm a graça e a grandeza do artista que fala daquilo que sabe, da sua vida. Sua querida, pobre, rica, miserável, magnífica vida. Ver o filme faz com que compreendamos melhor nossos irmãos escolhidos do asfalto. Tão diferentes, tão iguais. Um filme é uma coisa da vida, não é da morte. É feito para melhorar a vida de quem vê. “Diversão e ensinamento”, como disse o poeta. “5xFavela” cumpre todas essas funções. Durante muito tempo os cineastas da rica classe média tentaram, por responsabilidade ou culpa, falar das misérias da gente do morro. “5xFavela” mostra uma inocência engraçada que quase todos os filmes anteriores estavam longe da realidade. “5” é a prova inequívoca dessa realidade.

Comprei pela internet e sentei na cadeira. No primeiro episódio vi um Silvio Guindane fazendo um trabalho de excelência e trazendo para dentro da tela nossos corações. Os diretores sabem filmar. Tomei nota dos nomes . Manaira Carneiro e Wagner Novais. Incrivelmente eles parecem veteranos, sabem filmar. Coisa que pouca gente sabe. Gregorio Duvivier também está ótimo, todos estão ótimos. Hugo Carvana faz um gol, fazendo emanar de um tão pequeno papel, tão forte significado. Nós pensamos que tudo vai acabar muito mal com o Maicon, o personagem do Guindane. E não, graças a
Deus acaba bem.

O segundo episódio de Rodrigo Felha e Cacau Amaral mais engraçado que o primeiro. Lembrando uma fábula medieval, conduzido por dois meninos ótimos, com um Ruy Guerra absolutamente apropriado. E quando achamos que tudo vai dar mal, não dá. Também termina bem. Nenhum dos finais felizes até agora foi falso. Havia saídas. Mas nós, espectadores do asfalto, não víamos. Então achamos que estamos assistindo um filme barra leve, quando vem o terceiro episódio.

Um impacto de emoção. Uma lição do terrível. Uma escolha de Sofia resolvida de modo estóico. Surpreendente música clássica, inundando tudo gravemente. É nesse momento que as lágrimas me vieram aos olhos, que a qualidade do espetáculo me fez pensar que o Brasil estava, naquele momento, recriando o Neo-Realismo. Os episódios parecem muito com os primeiros filmes de Rossellini e De Sica. Aquele ninho convulsivo de talentos que gerou Fellini e o maior cinema que o mundo jamais teve. Para mim, estabeleceu esta ligação entre o “5” e o “8 1/2”. Uma grande promessa fremia no ar. O nome do diretor é Luciano Vidigal.

No quarto episódio não há mais inimigos externos. São eles contra eles. A favela contra a favela. Cadu Barcellos conduz com maestria um drama de fronteiras. E, num surpreendente paradoxo, a solução humana é atingida, voltando o final feliz.

E, no quinto episódio, a festa. A festa da nossa gente boa e sofrida. A inevitável festa. E, se a festa é inevitável, divirtam-se. Com a festa da alegria de viver, muita gente em cena, o que é sempre muito difícil de filmar. E Luciana Bezerra faz isso com hábil talento.

Manaira, Wagner, Rodrigo, Cacau, Luciano, Cadu, Luciana. Quem são eles? Não conheço ninguém. E aqueles atores todos? E a produção de Tereza? E a montagem de Quito Ribeiro? E particularmente a fotografia de Alexandre Ramos? É impossível citar todos. Os bons resolveram se reunir de repente? É. Parece ter sido isso exatamente o que aconteceu. É um salto qualitativo no cinema brasileiro, abre caminho para uma real conquista do mercado interno e externo. Sendo um filme sensível e basicamente autoral. É isto. O filme faz retornar a importância básica do cinema autoral.

Enfim, terminando, não tenho mais vontade de bater palmas. E sim de abraçar um por um, todos eles. Fraternalmente. E desejar-lhes seu glorioso futuro.

(Sei que falo muito exaltadamente. Talvez exageradamente. Mas nunca um filme brasileiro com exceção talvez de “Deus e o diabo na terra do sol” me emocionou assim. E me pareceu tão oportuno. A função do cinema é essa, cinema é o retrato de um país.)

Sem mais palavras,
escrevi muitas, que são poucas,

Domingos.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

o melhor presidente que o brasil já teve

Estamos de novo diante das eleições. O sistema democrático ainda é o melhor sistema mas, vamos e venhamos, é péssimo. Se existir um bom sistema político será a cidadania, situação na qual o indivíduo toma para si a responsabilidade da sociedade em que vive. Isso somente seria possível minimizando o Estado, dividindo o país em uma centena de pequenos países que se entendem entre si, se auxiliam entre si, sem deixarem de ser cidadãos. Como fizeram naquela Antiga Grécia. Mas isto é tão distante quanto a Alfa do Centauro. O Poder, ao contrário, quer cada vez mais poder. O Poder pelo Poder. Quando você entra num esquema de poder, acontece uma coisa estranhíssima. Por mais ideias, ideais, princípios e projetos que você tiver, são todos esquecidos quando se ganha o Poder. É a amnésia do Poder, o gás do esquecimento. Dali em diante, você só tem uma meta, um princípio, um ideal: Permanecer no Poder. Isso custa tanto esforço que absorve o tempo inteiramente. A melhor coisa que ouvi nos últimos tempos sobre eleições vem de uma campanha que não “pegou” que dizia “não vote em ninguém que já tenha sido eleito”. Não vou dizer aqui que não existem políticos honestos. Digo apenas que eles são raros. Gotas no oceano.


Nunca achei o Poder tão atraente assim. Para que um homem quer poder? Esta incômoda tarefa de mandar em outras pessoas? Já é trabalhoso suficiente cuidar de uma vida, a sua própria, quase impossível no tempo que temos. Talvez seja porque, tendo o poder, o homem está mais protegido de ser atacado por outros poderes. Mas como o poder chama o poder, é inevitável que o poder menor cresça e destrua infernalmente o outro, e assim por diante. Talvez pela vaidade, afinal, se o outro me obedece, eu sou maior do que ele. Os Reis sempre viveram em palácios, que são casas de gigantes. Teto muito alto, entradas largas.

Mas também não deve ser por isso. A Vaidade é um valor menor.

Dizem também que o Poder é afrodisíaco. E por isso talvez seja. Os políticos, donos do Poder, são pessoas tão competitivas, tão ambiciosas, enfim, levam uma vida tão sem graça na disputa do poder, que talvez tenham dificuldades na sua virilidade. Tenho certeza de que isso é mia s importante do que parece.

Também no Poder as grandes máximas do demônio transformam-se em dogmas obrigatórios: “Os fins justificam os meios”, “Violência gera violência”. Ora, está exaustivamente provado que estes dois provérbios satânicos são os causadores das guerras, dos holocaustos, das inacreditáveis expressões da maldade humana, isto está escrito claramente nos livros da História. No entanto, quando você entra para o poder, esquece os livros que leu. Ou você obedece essas máximas ou você perde o poder.

No Brasil, por exemplo, temos três candidatos viáveis. Lula, Luiz Ignácio da Silva, o grande Lula... oh, perdão. Esqueci que ele não é candidato. Somente torce para a Dilma. Bem, nosso presidente é uma figura. Ele representa a inteligência do povo. Ele é esperto, realista, patriótico, atento. Conhecedor de todas as malandragens, não hesita, por nenhum momento, em aderir as citadas máximas ou ditados. O escândalo do mensalão foi um grande exemplo. Para governar, é preciso ter o Congresso e o Senado sob controle. Então, o que há de mais no ato de comprá-los? Todos aceitarão contentes e o bom Governo poderá ser feito. É impossível para mim esquecer a parcela de responsabilidade do Presidente naquele evento.

O mais interessante é que nessa infeliz moral, o Governo parece ter caminhado bem. Conversei com muitos pobres. A vida deles melhorou. Comem mais um pouco. E isso é uma grande coisa, um grande feito. Passa a fazer parte da História. Embora os jornais continuem publicando escândalos diários.

Lula, eu vou votar na Dilma! Mas é impossível votar na Dilma, Lula! Tenho de confiar no meu olhar, tenho de julgar meu semelhante pelo seu rosto. E a Dilma não inspira confiança. É possível imaginar que ela será violenta, que não terá a diplomacia nata do mestre. Por outro lado, o adversário é igualmente severo e feroz. Como se isto não bastasse, escolheu como Vice Presidente uma figura inaceitável. E se o Serra morre, como ficamos? A Marina não tem nenhuma chance. Mas tem uma cara boa, inspira confiança, é uma fã atuante do tempo em que o PT era de esquerda. Diz que só vai refazer suas alianças depois de eleita, assumindo os melhores de cada área, independente de partido... Claro que a Marina não tem chance. Mas aí vem uma das vantagens da democracia. O comportamento do grupo humano numeroso é absolutamente imprevisível. Pode ser que, na última hora, ela deixe de ser tão bem comportada e alcance a agressividade necessária diante do nível de seus adversários. Pode ser que o Serra faça alguma besteira, já fez várias, pode ser que nas vésperas Lula ou Dilma, entusiasmados com a próxima vitória, cometam alguma gafe, e pode, portanto, ser possível uma súbita mudança de todos os que pensam e seus seguidores. Ou melhor dizendo, de todos cuja mão tremerá ao colocar seu voto no candidato errado... e votem na Marina.

Algo engana muito, porém algo me diz que esta hipótese não é absurda. Sugiro que olhemos Marina com atenção.

Marina talvez não tenha um rosto tão bonito assim, mas não se pintou. E também vem da pobreza, como o grande Lula.

Observemos que estamos conversando sobre os próximos quatro anos. Porque daqui a quatro anos, claro que ele estará de volta. Após ter feito quatro anos de excelente aparição.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A invasão das águas turvas

Elas sempre estiveram por aí, as águas turvas...


É um filme ruim, chatíssimo, desonesto, manipulador, burro e altamente comercial. Uma espécie de fast-food mas ninguém pode garantir a procedência do hamburguer. É o cinema das águas turvas. Explico a expressão. Nietzsche disse que não devemos turvar as águas para que elas pareçam profundas. Então muita gente confunde a sujeira da água com profundidade, especialmente quando há pouca luz. As águas turvas estão aí já há muito tempo. Apareceu primeiro no teatro na forma de diretores “geniais” que faziam espetáculos chatíssimos, longuíssimos, que não dava pra entender nada mas que continha muito bem expressa a mensagem-chave: “Quem não entender é burro”. Esconder a própria burrice apontando a dos outros sempre foi uma boa tática. Mas talvez não seja burrice. Não, não é. É ganância mesmo que virou estilo, modo de fazer a indústria. A coisa se processa mais ou menos assim: Depois de ver a quantidade maciça caríssima de propaganda pelos jornais, tevês etc, e tendo ouvido falar que o assunto do filme é interessante, e compelido pela midiaticidade dos atores envolvidos, você reserva seu ingresso pelo telefone e senta na poltrona do cinema. Em meio a uma multidão barulhenta em geral constituída de velhos e infantes. Começa o filme e você tem que prestar muita atenção. Talvez levar um caderninho para tomar notas. Porque eles lá amam a confusão, ao contrário de todo bom filme que foi feito até agora. Eles se dão ao luxo de serem herméticos. Por mais que para algumas rodas isto pareça antiquado. Mas dá dinheiro.

Todo mundo vai ver aquela manifestação barulhentérrima onde os tiros e explosões dominam insuportavelmente. E vão com razão, porque eu também vou. É bom ver tiros e explosões gigantescas. Retrata o mundo de hoje, tão violento. Mas que significa o filme?

Nada.

Fala de assuntos sérios mas não diz nada. Não diz nada afirmativamente. É responsável na sua mudez. É o primado da desclareza. Eles não são filósofos e nem suspeitam que a clareza é a cortesia do filósofo.

Faz pensar. Mas pensar em quê?

As regras que o filme obedece não tem nenhum ponto de ligação com o humano. Filmes como este “A Origem”, aliás não sei de quê, não são feitos para mim e para o espectador. Então o quê que eu tô fazendo ali?

Vou-me embora logo depois dessa montanha ruir.

Vejo claramente o dia em que os produtores americanos, reunindo secretamente numa daquelas salas com mesa enorme, ouviram o chefão dizer: “Gente, já que o nosso filme não tem nenhuma significação, e como não seria comercial anunciar apenas como uma experiência plástica de efeitos especiais... vamos complicá-lo! Ao limite!! Nada de filmes simples, retos e honestos. O truque, o golpe, a complicação! Isto criará um jogo novo para o cinema. Os espectadores, no momento em que acender a luz, começarão a discutir “que cargas d’água era isso?”, ‘o que ele queria dizer?’, ‘quem entendeu certo ou errado?’. Claro que é preciso deixar uma ou outra pista fácil, para que a besta do espectador se sinta inteligente, segundo os produtores. “É claro que tem que ser um filme luxuoso, muita produção, muita grana, arrogância para que fique claro que somos nós os inteligentes, que ninguém ia gastar tanto dinheiro numa besteira.”

Essa conspiração vem de longe, saudade de Frank Capra! Os filmes americanos mais imbecis distorcem a narrativa, complicam o filme, para que ele pareça inteligente, feito para poucos. Desde “Magnólia”, acho que começou ali. Ninguém nunca entendeu por que aqueles sapos caíram do céu.

A linha, ou melhor, a picaretagem acima descrita foi tornada secretamente oficial. Em maior ou menor escala, filmes como “Os Infiltrados”, “O Gângster”, o velho “Matrix”, “O Homem de ferro II”, “Sherlock Holmes”, “Ilha do medo”, “Avatar”, “Batman cavaleiro das trevas”, até “Alice no país das maravilhas”, e mais uns dez que eu esqueci, são filmes complicados de entender quem é o mocinho, quem é o bandido, sem a menor necessidade. Complicado de descobrir qualquer ligação com o humano.

Esse tipo de cinema americano passou a ser o primado da desclareza, apoiado na falta de cultura dos jovens (idosos também gostam muito). São filmes que lançam idéias batidíssimas, vistas antes em muitos outros lugares. Porém fantasiados de uma genial novidade. Eu, por mim, tenho minhas defesas. Na segunda ou terceira empulhada que o filme tenta me empurrar pela garganta, noto que a cena podia ser simples e não é porque o diretor não quer... e durmo! De vez em quando vem uma grande explosão, me acorda, vejo um pouquinho do filme e durmo de novo. Por esse processo, às vezes até gosto do filme, quando finalmente ele acaba.

“A Origem” é uma merda. “Avatar” é chatíssimo (até o Oscar reconheceu isso, dando o prêmio para a ex esposa do diretor).

Isso tudo é uma bobagem, como o 3D. Bobagens que deram certo comercialmente. Até quando?

O que me causa pena é que todo esse dinheirão gasto por esses filmes poderiam ser usados em filmes de arte, humanos, que possivelmente dariam até mais dinheiro. Pelo menos como “Titanic” ou “O segredo do abismo”.

O cinema tem inegável compromisso com o realismo. O que me causa pena é que esse tipo de produtor jamais compreenderá que nada é mais delirante do que a realidade.