segunda-feira, 25 de agosto de 2008



PRESENTE:

Falar do passado é presente. A palavra "presente" me lembra a melhor definição de Deus. Medieval, se não me engano, de Santo Agostinho.
Leiam três vezes.

"Deus é aquele para quem todos os tempos é Presente."

Como esse blog é um descarado e desleixado rascunho de uma possível e provável auto-biografia, organizo o leitor: por enquanto, gostaria de falar apenas do meu nascimento até o casamento com Eliana. Tem havido uma certa bagunça nisso, mas esse é o meu propósito.


Não sai nenhum dinheiro pro cinema nem pro teatro. O Grupo Fúria, furioso, pode produzir sem dinheiro. Mas é duro. Tenho mantido minha obra escrevendo muito. Nunca tive tantas peças inéditas na minha vida: três peças acabadas e pelo menos três roteiros. Isso começa a me pesar. Adoro escrever, mas atualmente sinto o escrever como quase o não fazer nada. Como os músicos que tocam o jazz, que também é quase não fazer nada. Tenho no meu computador um arquivo esboçado chamado "departamento de vendas", que são umas obras minhas que poderiam ser vendidas para atores ou diretores. Boas coisas esquecidas que fiz no passado. Ninguém aí levanta o dedo como voluntário para ser o gerente do departamento? Se houver, mande currículum que eu devolvo com meu telefone, se interessar.

Esse fim de semana foi entontecedor. Embora extremamente agradável. Entre outros que nem conto, foi sensacional o show! Todo mundo depois me disse que eu estava num excelente estado de espírito, contentamento, etc. Tudo mentira. É o trabalho de ator, e a turma não nota. O contentamento existe, sim. Mas é o prazer de estar fazendo bem o trabalho de ator. Eu, só penso em sexo.
O show é no sábado à noite. O próximo sábado é o último. Vê se vocês vão lá, porra.
No domingo, ao meio dia, tive uma leitura da quarta versão da minha mais recente peça, "Confronto". Uma peça sobre a violência, tráfico de drogas, segurança, essas coisas que todo mundo escreve. Mas a minha está boa. É uma parceria com Luiz Eduardo Soares e que foi aprovada na leitura in totum. Se souber de algum produtor, me avise. Desculpem esse papo de miserável, é que acordei meio deprimido. Toda vez que termino uma coisa, uma coisa que deu muito trabalho, acordo meio deprimido. É o vazio da criação.

Legado.
De hoje em diante, abro uma terceira parte nas minhas postagens. É o legado. Pequena parte, mas todas as vezes. Trata-se de um arquivo meu com histórias, personagens, situações, tantas que gostei a ponto de não poder deixar de tomar nota... mas que jamais terei tempo de fazer. Para fazer os meus projetos prediletos já preciso de um número de anos exuberante, de modo que o legado é pra vocês, leitores-escritores, fazerem com ou sem minha colaboração. E é coisa à beça. Escritores do mundo, uni-vos!

PASSADO:




Na verdade, no "passado" falta a descrição da minha família. Que dá dez livros. Pelo menos "Cinqüenta Anos de Solidão". Tenho dois irmãos mais moços. O Zé e o Raimundo. Combinei uma reunião com eles pra juntarmos recordações sobre as pessoas dessa foto abaixo, feita em 1906, onde estão meu avô, minha avó e todos os meus tios. Já botei no blog, ponho outra vez e tentarei encontrar meus irmãos nessa semana para comentar esse passado distante. Garanto "emoções que eu vivi".




LEGADO PRIMEIRO!


Uma estória real.
Uma mulher, chamemos de Maria, de repente descobre que pegou AIDS e de um caso antigo, chamemos de João. O único com quem transou sem camisinha, só pode ter sido dele. E foi só uma noite, depois nunca mais viu. Ela vai procurá-lo, desesperada e possessa. João leva um susto. Não sabe que tem AIDS. Faz o exame, que dá positivo, e acha que pegou dela. Nesse drama moderno, jamais saberão quem pegou de quem. Na aventura de descobrir, afeiçoam-se, apaixonam-se, casam e estão felizes até hoje. Sem camisinha. Que aliás, é um bom título.


Uma estória de amor sofrido.
Uma mulher com dois amantes. Um muito mais velho e outro muito mais moço que ela. Penso que é uma tragédia. Que o velho planeja matar o moço, que por sua vez, planeja matar o velho, afinal são loucamente apaixonados pela mesma mulher. No desenrolar do crime, é ela quem morre primeiro. O jovem morre também. E fica quem não devia ficar: O velho sobrevive. Ou talvez seja uma comédia.


BOA SORTE, ESCRITORES!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008


ATUALIDADES:

Acabo de chegar do Festival de Gramado. Ah, festivais...
São muito divertidos, vidas à parte, regras simples do jogo. Passa um filme, espera o resultado do júri, cruza com muitas moças bonitas, vai às festas, bebe muito, e no dia seguinte da premiação, vai embora. São adoráveis essas vidas curtas que aquela outra, maior mas nem tanto, nos confere!
Esse Festival em Gramado foi realmente interessante. Quanto menos não seja por ter posto em confronto dois filmes realmente antagônicos. No sentido da compreensão da arte. Um deles ótimo, mas sofrido, revoltado contra a vida, negro, e basicamente difícil de entender, com cenas desnecessárias, outras excessivas, sem nenhuma preocupação com a clareza. Um outro, igualmente meritoso, otimista, claro, falando das glórias da vida, não do seu terror, sem nenhum ocultamento ilícito da dor humana. Essa lunaridade e solaridade divide as pessoas espectadoras radicalmente. Sempre participei mais desta, minha arte sempre considerada uma arte menor pelos sofridos e angustiados poetas lunares. Não, retiro esta metáfora. A lua é um satélite lindo. Digamos melhor, os confiantes na glória ou os terroristas da denúncia demolidora. Dessa vez éramos eu e o talentosíssimo Matheus Nachtergale, chamado por muitos de "o galo da noite" (nacht - gale). O Festival não conseguiu nos desunir, abraçávamo-nos ternamente no fim da madrugada do prêmio, cantando canções ao piano. Mas esse tipo de luta é, sem dúvida, essencial.
O Festival fez-me também refletir sobre as Comissões. As Comissões Julgadoras são uma das mais importantes células da democracia. Estão por toda a parte. Julgam desde o lançamento do país até os prêmios de Gramado. É uma Instituição portanto importante e muito problemática. Alguém mais inteligente que eu deveria escrever a respeito. Dessa vez, em Gramado, tivemos uma comissão super digna. Nobre, mesmo. Liderada pela cineasta Ana Carolina. Mas é impressionante como as melhores comissões têm dificuldades de julgar pelo único critério que seria válido, a meritocracia. Já fui júri de festival, sei como acontece. Uma Comissão é influenciada por 1) A PERSONALIDADE DE CADA JURADO. Os quietos não gostarão dos filmes barulhentos, os violentos não gostarão dos filmes calmos, os comunistas não gostarão dos filmes burgueses e os que tem a alma angustiada não gostarão de filmes esperançosos - sendo que isto independe da qualidade da obra em julgamento. 2) AS IMPLICÂNCIAS OU PREFERÊNCIAS POR ESTE OU OUTRO DIRETOR. Por causa de acontecimentos anteriores. Alguém pisou o pé de alguém, comeu a mulher, esnobou, falou mal do amigo de alguém, passou sem cumprimentar - e isto não tem nada a ver com a qualidade da obra. 3) NATURALMENTE, AS IDEOLOGIAS. Você pode ser da esquerda, do centro, da direita, de cima, debaixo, e julgará os filmes segundo o partido a que se filiar - e isto não tem nada a ver com o mérito da obra. 4) NATURALMENTE, A NEGOCIAÇÃO. É preciso compreender isso. Você viu dezenas de filmes com aquelas mesmas pessoas. 2, 3 por dia. Você só vê os filmes com aquelas mesmas pessoas. De modo que você acaba ficando amigo delas. É inevitável. Seu amigo prefere o filme japonês enquanto você é louco pelo diretor argentino. Ele prefere o ator caribenho e você tem certeza que o filme americano é que é a obra de arte. Enfim, você negocia. Troca o japonês pelo caribenho, etc. No final, é um grande conchavo - que nada tem a ver com o valor da obra, enquanto arte. Como se não bastasse... 5) VOCÊ TEM QUE, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, RESPEITAR A MÍDIA E FAZER A MÉDIA. Não fica bem num festival dar muitos prêmios para um determinado filme, mesmo que seja uma invulgar obra de arte, deixando os outros candidatos, que viajaram tanto para chegar ali, ir embora de mãos vazias, sem nada para mostrar em casa. De modo que o prêmio deve ser o mais estilhaçado possível, entende? Para que o maior número de pessoas saia contente porque, afinal, festival é uma coisa alegre. Não há júri, por mais digno e inteligente, que escape dessas pressões. Ou melhor, tradições. De modo que você deve ficar muito contente quando ganha um prêmio, mas não deve ficar muito triste quando o perde. O único detalhe lamentável é que o espectador normal que não foi ao festival vê aquele filme premiadíssimo, que é na verdade uma droga, perdão, não muito interessante... e acha que o cinema brasileiro é uma droga sem perdão!
Terminando, devo dizer que foi uma maravilha ser ovacionado durante cinco minutos por mil e duzentas pessoas emocionadas no final do meu filme, "Juventude" - isto é independente do valor da obra.

Vou dar uma entrevista no MIS (Museu de Imagem e de Som) “para a posteridade”. A entrevista é amanhã, dia 20. Vou ser entrevistado por um bando de gente sobre a minha, entre parênteses, vida. Ou seja, ridículo. Juro que não estou levando a sério, mas é mais um modo de organizar a biografia que eu não sei se escreverei. Apareça lá. Acho que a entrada é franca, mas vale a pena conferir. Já me pediram que eu dividisse a minha vida em fases. Pensei que só a lua fizesse isso. Mas em todo caso, tentei. Marcos? Mulheres, claro. “Sou aquilo que as mulheres que eu amei fizeram de mim.” (J. Moreau) E também alguns trabalhos. Dizem os caubóis americanos que o homem tem o direito de uivar para a lua três vezes na sua vida: quando ele encontra a mulher amada, quando lhe nasce um filho e quando dá certo aquele negócio em que ninguém acreditava.


PASSADO:

10,11 anos de idade - Infância até entrar para o colégio o Admissão

1958, 22 anos - Adolescência até o primeiro casamento com Eliana Penafiel

Entre o primeiro e o segundo casamento, noção da morte e da cultura e muito álcool

1962, 26 anos - Primeiras peças profissionais de teatro, “Sétimo Céu” e segundo casamento: Leila Diniz

1966, 30 anos - Entre o fim do casamento com Leila e o sucesso do filme “Todas as mulheres do mundo”

1967, 31 anos - Entre o sucesso e o casamento com Nazareth Ohana (mãe da Claudia)

1971, 34 anos - Casamento com Nazareth, “Edu coração de ouro”, tempo de dívidas e ir a bancos, débâcle financeiro.

Fim do casamento com Nazareth e começo com Lenita Plonczinski.

1973, 36 anos - Casamento com Lenita, ácido lisérgico, vida na natureza durante 10 anos, emprego na TV Globo durante 21 anos intermitentes. Morte de Leila, nascimento de Mariana

1975, 39 anos - Volta para o Rio, retomando o teatro. Jacarepaguá, depois na Barra.

1978, 42 anos - Morte de Nazareth.

1979, 43 anos - Produtor e diretor de teatro. Séries de televisão. Prêmio com “Do fundo do lago”

1980, 44 anos - Fim do casamento com Lenita

1981, 45 anos - Muitos conflitos e casos amorosos até o encontro com Priscilla em final de 1981. Retomada do teatro com “Ensina-me a viver”

46 anos, 1982 - Casamento com Priscilla Rozenbaum

1991, 55 anos - Fase de separação com a Priscilla, por 1 ano

1992, 56 anos - Segue-se uma grande produção de peças, cerca de três por ano, entre sucessos como Confissões de adolescente, e culminando com “Todo mundo tem problemas” e “Separações” em 2000, aos 64 anos.

grande fase! 1994 a 2001 - Estadia de 6 anos no Teatro Planetário

1998, 62 anos - Retomada do cinema com “Amores”, em produção contínua até a atualidade. Encontro com Betinho e a ação da cidadania, da qual faço parte até hoje.

2000, aos 64 anos - Primeira neta

2002, 66 anos - Sucesso de Separações no cinema

2003, 67 anos - “A casa dos Budas Ditosos”

2004, 68 anos - “Feminices”

2005, 69 anos - “Carreiras”

2008, 71 anos - “Juventude” e “Todo mundo tem problemas Sexuais”. Escrevendo teatro e cinema: “Inseparáveis” e “Sangrenta madrugada sangrenta”

Domingos Oliveira está vivo e bem e mora no Leblon, Rio de Janeiro. Casado com Priscilla Rozenbaum há 26 anos, tem uma filha, Maria Mariana. 3 netas e um neto. Clara, Laura, Gabriel e Isabel. Tem muitos amigos e é popular. Seu nome está ligado a cerca de 150 títulos estreados. Ele nunca trabalhou em nada que não gostasse. “Não dou a ninguém o direito de dizer que teve uma vida melhor que a minha. E nem de que é mais feliz do que eu. Porque a grande alegria da vida é saber que se tem uma alma e, maior alegria ainda, saber que é possível melhorá-la”. (Platão)

quinta-feira, 7 de agosto de 2008


ATUALIDADES:
Estou em Gramado. Mando notícias.

Nunca esteve tão difícil ganhar dinheiro. Infelizmente minhas atividades, teatro e cinema, têm que ser subsidiados. São, no mundo inteiro. Com exceção dos Estados Unidos. Que sendo o país mais esperto do mundo, há mais de cem anos sacou que esta porra dá dinheiro, a cultura. Aqui não. Duzentos anos se passarão antes que nosso dirigente tenha a inteligência e a tranqüilidade suficientes para considerar a arte uma coisa útil. Os dirigentes, como os russos chamavam o Estado, são via de regra, porque não usar a palavra exata, burros. Burros imediatistas. No momento em que ascendem ao poder, esquecem o que foram fazer lá. E preocupam-se apenas, dedicam todo o seu tempo, em manter-se lá. Ou seja, arranjar verbas para o próprio cargo, para a própria instituição que comanda. De modo que está difícil ser artista no Brasil. Ganhando dinheiro. É preciso ter um certo nível como pessoa para compreender que a arte é necessária socialmente, essencial, e por isso, protegê-la. Difícil compreender que isso não passa de uma mínima obrigação de qualquer homem público. A realidade é essa, convenhamos. Vivemos politicamente abaixo do nível. Por mim, é preciso redescobrir um caminho que já tive muitas vezes. Exercendo uma atividade, ganhando patrocínios, humilhando e concedendo tudo o que é necessário, etc... Mas por outro lado, manter uma segunda atividade depende somente de mim. Esta é uma atitude de sobrevivência para qualquer ser pensante. Tô doido pra criar não mais o BOAA (Baixo Orçamento, Alto Astral) mas o filme ou a peça “Zero”. Auto-sustentável, se necessário, mais barato que os BOAA. Calcula-se a bilheteria possível e daí se deduz o orçamento. Para depois procurar pessoas que topem trabalhar assim. O orçamento será de 2 vinténs. Se forem bons artistas, ótimo. Senão, foda-se. O importante é fazer. Para não morrer de medo ou velho. O teatro é o último reduto da inteligência livre. É preciso prezar isso.
Vi “Copélia”. Fui levar as netas. Nunca tinha visto um ballet, nem no Teatro Municipal. Fui de avô, convicto. Eu também penso que nunca tinha visto Copélia. Das moças bailarinas, com sua feminilidade como não existe mais, sempre gostei. Aquele salto pirueta sempre tive vontade de dar. Mas fora isso, sempre achei muito chato o ballet clássico. A não ser pelo virtuosismo dos seus maiores intérpretes. Gostei da Copélia. Vantagens da idade avançada, curti valores que não tinha curtido antes. O ballet clássico desse tipo não é uma criação. É sempre uma recriação. Uma obediência à tradição. Disse Brecht: “Uma peça deve ser feita exatamente do mesmo modo que ela vem sendo feita nos últimos 2000 anos. Mesmo que tenha sido escrita ontem.” O ballet tem esse tipo de grandeza. Mesmo os bailarinos do Teatro Municipal que, segundo consta, são um bando de funcionários públicos invejosos e fofoqueiros, tomam ali, em meio à Copélia, o Estado de Graça da arte. Não há dúvida de como surgiu aquela arte. A culpa é dos passarinhos. Se uma alma boa, e os pássaros também, por que não os homens? A dança é uma atividade de protesto contra uma inexorável e repressora força: a força da gravidade. Quero escrever um ballet para a Debora Colker. Onde os bailarinos dancem palavras, frases, pensamentos, estórias, aventuras. E que a palavra pareça música e que a música, ela mesma, apareça apenas nos clímaces. Porque, afinal, música não é mais que a palavra, ela mesma, destilada nos tonéis da profundidade, voando assim por cima da inteligência, gerando a consciência nos céus da própria alma humana.
PASSADO:
PAPÉIS SOLTOS
25 ANOS
... tenho vergonha de qualquer análise do sofrimento por que é o sofrimento que me envergonha. Uma vez feita a escolha de viver ou meter uma bala nos cornos, ou pular destas janelas sempre tão perto, perde-se o direito de sofrer, sendo assim, como reage ante o fim do mundo quem sabe que o mundo já acabou?
... O mundo é belo. Esta verdade é tão inegável quanto estas minhas mãos, que batem com raiva na máquina e que eu gostaria de amputar. Por que não o suicídio? Por que não fazer deste sol que me fere a vista, o derradeiro? No dia em que eu morrer, a humanidade acaba. Canso, torno-me um ser sem músculos. Morrerei enfim?

(Já separado da Eliana, fiz minha primeira peça amadora. 25 anos. Chamava-se "Sétimo Ceu", adaptação de um dos mais românticos filmes mudos. A verdade é que sempre gostei do Teatro)

...Estou há doze dias da minha primeira estréia!
G. desce um pau em quem falar mal de mim. De vez em quando canso insuportavelmente desta gente barulhenta de teatro.
Comprei uma garrafa de piper.
Devo adaptar minhas peças para o cinema, me livrando assim, definitivamente, do teatro.
Por que não consigo nunca escrever teatro e sim tetaro? Como M. fica bem de calça comprida e blusa amarrada.
Preciso me curar do parasita que tenho nos pés, apanhado num chinelo de meu pai (Não me curei até hoje)

JÁ CASADO COM LEILA
26 ANOS, provavelmente.

Num caderno antigo encontro o telefone do Passarela...
Hoje de manhã quis muito ter meu passado de volta. Quis que Leila fosse Eliana, que seu Álvaro ainda estivesse vivo, que fossemos todos e passassemos slides.

Flashback da infância.

Quando eu era menino, uns 10 anos, meus pais tinham uma casa em Petrópolis, na rua Marquês de Paraná, 125. Havia 4 quartos. O meu variava, dependendo das pessoas que estavam hospedadas. O quarto de meus pais tinha uma varanda. Eu tinha asma. Na casa ao lado morava o Clarêncio, irmão da Clarice, por quem me apaixonei (eu me apaixonava sempre). No alto da rua havia a casa das meninas, moravam muitas lá. No jardim dos fundos tinha uma grande horta, que depois foi acimentada para fazer uma espécie de quadra de basquete. Costumávamos correr do portão até a garagem, apostando quem chegava primeiro. Havia uns quartos também em cima da garagem e era uma grande liberdade dormir lá, com os amigos. Na casa em frente morava o Alberto, que era mais velho, tinha um pai engenheiro que jogava cartas com meu pai. O Alberto de vez em quando organizava jogos de monopólio, mas não gostavam que eu jogasse porque eu era criança demais. No jardim do Alberto havia uma pequeníssima piscina onde me lembro que um dia caí.

Não há nada mais chato que um sonho. Não significam nada, nem para quem sonha. Qualquer dia alguém escreverá um livro muito importante chamado “A Interpretação dos Sonhos”. Na verdade, ainda não foi escrito esse livro. Freud apenas ensaiou.

Já adulto, sonhei com a Marquês de Paraná. As casas eram altas, no sonho, e as calçadas muito estreitas. Quando saí de casa, o ônibus quase me atropelou. O ônibus corria, quase perdendo o equilíbrio nas curvas e ameaçando destruir-se contra as casas. Eu sabia porém que o resto da cidade permanecia belo e largo e meu maior desejo era levar Leila para passear e conhecer Petrópolis, mas ela não queria ir. Preferia ficar jogando buraco com minha avó e minhas tias.
Nos meus tempos de dar festas em casa (dei muitas) brincávamos de muitos jogos, inclusive de "passar o anel" - sensualíssimo entre adultos.

terça-feira, 5 de agosto de 2008



James Mason, a voz mais bonita do cinema, em "Dead Men Out", grande filme inglês de Caron Reed, que nunca consegui plagiar. Mas ainda conseguirei. Raridade, não existe em video.
ATUALIDADES:

Um Poder que Não Entendo

Continuo fazendo aos sábados o meu show. É um trabalho estranho, esse show. Tudo bem com sua proposta. Alta informalidade, repertório curioso, etc. Mas até hoje eu, que sou organizadíssimo em todos os trabalhos, não consigo organizar isso. Como se a bagunça fosse parte essencial do show. Enfim, está melhorando, mas até agora, nesta temporada tem sido espetáculos ruins. A gente canta mal, eu falo mal, a gente nunca sabe o que vem depois, ou seja, uma debilidade mental generalizada. E quando acaba o espetáculo, e mesmo durante, é bem claro que a platéia delira de prazer! Mesmo quando não está cheio. O espetáculo tem uma magia que não dá pra entender. Não é que as pessoas gostem, elas ficam agradecidas, encantadas, apaixonadas! E certamente eu não mereço tanto. Toda a equipe e meus amigos dizem que esse fenômeno tem vários motivos: O encanto de toda a equipe, o alto lance das cantoras, nossa cara de pau, ou melhor dizendo, auto-estima, ou melhor dizendo, liberdade e falta de culpa de errar tons, etc. Mas que o principal é o meu “carisma”... Reconheço que deve haver qualquer coisa assim, mas que porra é essa, o carisma? Quê que eu faço que é tão engraçadinho? Reconheço que as filosofias são hábeis e que tenho uma preocupação nobre de integrar-me o mais que possível com a platéia. Sentir-me como parte de um todo, espectadores e eu num mesmo instante e espaço, iguais. Enfim, reconheço que sinto bastante bem o “lado de lá”. Porém, enquanto isso, esqueço o texto, falo embolado, gaguejo... e no final sou tratado como um guru, ser especial, qualquer coisa assim, não entendo, não entendo. Gostaria que quem está lendo essa mensagem desesperada apareça no show e me explique o quê que é isso. A juventude, então, particularmente as meninas, me adoram! Não sei se como avô, como artista – mas será que me adoram mesmo? Elas dariam pra mim?




Preciso fazer uma mala direta das pessoas que seguem meu pensamento, minha cabeça é um turbilhão, um maremoto infernal. Porém, como não para, segue. Para cima. Porque para baixo dói muito. Dos grandes prazeres da vida quando você encontra alguém que tem por divertimento seguir seu pensamento. Como se anda por uma estrada. O dia em que eu conseguir fazer a mala direta dessas pessoas, serei um vencedor. Mas a timidez não permite que eu faça. Deveria haver uma secretária para isso. A delicadíssima Tati Muniz se oferece para descobrir quem são os meus seguidores. Esperem por seu email. Ou ofereçam-se para a lista.


O maior prazer de um artista é que vejam a sua obra. Maior que esse só existe um prazer: de que sigam a evolução de seu pensamento. Compare o atual com o anterior, descubra diferenças... em outras palavras, que façam com o autor aquilo que se faz com um namorado ou um filho. Uma pessoa amada. Uma vez descoberta esta tribo, saberei que não estou sozinho. E caminharíamos todos sem olharmos uns pros outros, em direção ao mar. Ouvindo uma música de Nino Rota no ar num novo eterno filme de Fellini...


Aceito a oferta da Tati. E mais, os voluntários que se apresentem para a lista.


PASSADO:

13/3/61
(24 anos, casado com Eliana há uns 3. Creio que casei aos 21. Casamento em plena decadência. Quem quiser entender melhor, "A Primeira Valsa". À venda nas boas livrarias.)



Resolvi levar adiante meus impulsos: trair Eliana a qualquer preço ou custo. Eliana me acusa de não ser "autêntico", odeio esta palavra. Anteontem tive de interromper meu diário subitamente e ontem não o escrevi. Hoje preciso escrever, senão acumula demais. Fazia um calor impressionante e eu estava imundo, louco para ir ao banheiro. Cheguei em casa às 5h, médico às 6h (psicanalista). Aflito para encontrar o telefone da Beatriz no catálogo, mas Eliana estava em casa. Me senti malíssimo e entrei no banheiro sem catálogo. Fiquei lá o tempo mínimo para por para fora o que me sobrava, peguei o telefone e telefonei.
No início gaguejei, depois assumi aquele ar paternal ridículo que uso ultimamente para me relacionar com as mulheres. Com Eliana sou tão inseguro. A verdade é que não tenho nenhuma razão para me sentir inseguro diante das outras mulheres. Também Cecília e Beatriz não são inteligentes. Não gaguejei propriamente: hesitei. Disse que a maior diferença entre o Domingos de hoje e o que ela conheceu, é que este é mais sincero, sem rodeios. Convidei-a para sair, alegando que tinha curiosidade de conhecê-la, que não tinha nenhuma idéia de quem ela realmente era. Tive a impressão de que ela não entendeu o que eu quis dizer. Não tive boa impressão sobre a inteligência de Beatriz. Pedi também a ela que não fizesse nenhuma cerimônia de recusar, usando a mesma sinceridade com que eu tinha feito o convite. Repeti pelo menos duas vezes que não sabia se ela tinha namorado, noivo, ou mesmo se era casada (sabia sim: o telefone era da casa dos pais dela).
Afinal pedi a resposta: podia ou não sair comigo. Ela disse: "Agora posso". Uma voz débil, fina, suave, mas quase inaudível. "Afinal você teve importância na minha vida". Para continuar a conversa embaraçosa, ela disse que outro dia tinha se lembrado muito de mim porque tinha visto o Ítalo Rossi, que ela achava parecido comigo e que estava estudando biblioteconomia ou bibliotecologia.
Perguntei então se ela podia sair comigo hoje. Ela disse que hoje não, muito nervosa. Que não podia, que ia sair depois da aula. Tive a impressão exata que era mentira. Achei que ela queria ir ao cabelereiro antes, ou que estava com uma espinha, coisa assim, então marquei para o sábado. Sábado é o pior dia, mas eu já tinha ido longe demais, não podia parar. Sábado para homem casado é quase impossível.
Não quero mais escrever hoje. Estou muito frio quanto ao que estou narrando e isto não é verdade.

Li o diário de Eliana, a primeira parte. É belíssimo. Belíssimo. Isto me incentivava para continuar escrevendo o meu. Joaquim chegou.
Fui obrigado a dedicar a primeira parte do dia inteiramente ao Joaquim. Ele está muito ruim, plena neurose. Almocei com ele. Eliana preferiu tomar banho e almoçar depois. Fizemos hora e fui com ele ao oculista. Joaquim perdeu os óculos.
Depois de deixá-lo tive um acesso de improdutividade. Passei na Feira do Livro, depois parei na Ladeira do Leme, estudando o ambiente para meu filme. Amanhã escreverei à máquina, minha mão me dói. De manhã fui ao analista discutir meus problemas sexuais.
São 4 da manhã. Venho, com Eliana, de longa permanência com Joaquim, coisa habitual agora. Temo que Joaquim se mate. Gostei da aula de Teatro!




ENCANTAMENTOS

(Quando me apaixonei pela mulher de um amigo, uma grande paixão, que não anotei nunca, porém apenas mais uma emanação do citador furor juvenil diante da C.E. )

Eu te olhava, você de um, eu do outro lado. Se você me olhava, eu tirava os olhos, não aguentava. Aí, sua miserável, você passou a não me olhar mais. Olhávamos para todas as outras pessoas. Nunca um para o outro. Era um jogo encantado, sabíamos mesmo sem querer saber, que naquela sala cheia só existíamos nós dois e a música.
Ataquei. Prendi meu olhar na tua direção, mas tentei não te ver. Os olhos fora de foco, como se eu estivesse pensando em mim! Você resistiu, ah, como você resistiu! Mas acabou me olhando, trêmula, como se eu tivesse deixado de te amar! Mas se eu te amarei para sempre. Vencedor e agradecido, fixei sem defesas meu olhar no teu. Por um momento cumprimentamo-nos, com vago sorriso. Ninguém percebeu. Teria sido mortal se alguém tivesse percebido.
Era de novo minha vez. Um vaso de flores perto de mim. Pequenas e amarelas, as flores. Botei uma entre os dedos e iniciei uma discussão absurda sobre um assunto qualquer, com alguém. A discussão tomou calor, era assim que eu queria, mas a flor não saiu dos meus dedos. Não olhei pra você, tentei (e até consegui!) ignorar tua presença. Você vingou-se imediatamente, entabulando uma conversa com D. sobre cães e gatos. Senti que era o momento exato! Mudei de poltrona e deixei a flor ao lado do cinzeiro. Instantes de ansiedade, mas quando olhei, te vi em minha poltrona, com a flor entre os dedos. Obrigado, te amo, te amarei sempre!
Foi então que P. tirou você para dançar e eu pus outra dose em meu copo e Jacques Brel começou a cantar. P. é meu únco rival verdadeiro, sei disso, era melhor que eu ignorasse o fato de você estar dançando com ele! Só que não pude controlar-me. Comecei a marcar o ritmo da música, estalando os dedos levemente. Depois, com deliberação, diminui o ritmo e quando olhei para teus pés, vi que eles obedeciam a mim, e não ao Brel, então tive menos ciúme.
Ó amor! Logo deixarei de te amar! Mas antes é preciso que você seja minha e que eu seja seu! Possuir você me faria imortal!

(E foi então, que separado da Eliana, um dia descobri esta maravilha que é o Alcool. Lembro que bebi uns dois anos. Dormia uma noite, bebia dois dias. Os apartamentos acabaram, eu tinha dois, me mudei para o Bairro Peixoto e foi mais ou menos assim que Leila me encontrou. Talvez 26 anos?)



Essa moça da flor tem a minha idade. Somos amigos até hoje. Ou melhor, a mesma velha ranzinza e rejeitada continua encantadora. Não temos mais muito assunto. Ela chama-se, mentirei aqui, Lívia. Ainda não contei na minha obra o meu tórrido caso com ela. Era mulher de um amigo meu.