quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Meu distribuidor me telefona uma semana antes do Festival do Rio acabar, transmitindo o interesse dos jornalistas em dar uma página para uma entrevista conjunta. Eu e um menino de vinte anos, aluno da PUC, que estava dizendo ser igualzinho a mim. Desconversei. Não quis dar a entrevista botando fogo nesse modismo petista de opor veteranos a principiantes, etc.
Não consigo ver o fato de ter feito muitos filmes como um defeito. Porém no dia marcado fui rente feito pau quente para o Odeon assistir o filme do menino, do "Dominguinhos". Quase não consegui entrar, de tão cheio que estava. A juventude da PUC, solidária. Preferi o segundo andar, e de repente me descobri num cinema lotado, muito mais gente do que no meu filme, de jovens animados e lindos... Mas como não tenho medo de fantasmas, comecei a ver o filme com boa vontade. Era incrível. O cara filmava igualzinho a mim! Usava o mesmo tipo de linguagem baseada em Truffaut e Godart, mesmos planos, mesmos movimentos e enquadramentos, lentes! E muito mais que isso, o menino não ultrapassava, como eu, os limites da sua própria vivência. Sua câmera não é racional. Ela é intuitiva. E por isso, o filme fluia como os filmes meus. Comecei a ficar animadíssimo. A ponta de inveja foi desaparecendo com a emoção que o filme me causava. É o seguinte: uma moça que chega na primeira sequência para acabar um namoro. E namorado e namorada caminham e sentam pelos jardins da PUC discutindo o indiscutível. Sim, porque eles se amam! Não há o menor motivo para eles se separarem a não ser o de serem jovens e, por isso, terem de sofrer de amor. Uma estrutura muito semelhante ao excelente "Antes do Amanhecer". Durante a conversa, encontram um colega, depois um grupo de colegas, não acontece muita coisa. No melhor momento do filme eles vão fazer xixi, cada um no seu banheiro, e lá dentro choram. Depois saem sorridentes, pimpões, e seguem conversando. Em palavras que, às vezes, a gente não entende, porque está por fora dos videogames, das ideosincrazias típicas da juventude.
Fui cumprimentar o diretor menino no hall. Era uma figura estranhíssima. Todo coberto de casacos e barbas e bigodes, mais baixo que eu e revelando, por trás do "disfarce", os olhos inteligentes e jovens. Tive vontade de despi-lo de toda aquela fantasia para ver como ele é. Parece bonito. Mas não pude que também nesse caso particular, ele age como eu. Qualquer situação perigosa boto logo um terno e gravata e se possível cachecol. Mateus apertou a minha mão com a sua fria, gaguejava de nervoso. Senti imediatamente que para ele eu era um ícone.
Os adolescentes do filme de Mateus têm o mesmo gênero dos outros em todo o mundo. Como explicar? É uma cara blazer de quem já conhece tudo e não tem nada a ver com nada disso, uma ironia constante, um constante "tudo bem, tudo ótimo, eu não sou daqui" e achando divertido. Estes mesmos adolescentes são retratados na obra prima de Gus Van Sant, "Paranoid Park". Van Sant é mais velho e consgue estabelecer a explicação desse comportamento diferente. Quando um deles precisa do mundo (pais, professores, namoradas) eles nunca estão lá. O mundo é mais carente que eles, pobres rapazes e moças sem direção e sem emprego. De modo que resta apenas fingir que você não ligou, que nada tem importância, etc. O filme de Van Sant é magnífico. Jamais depois disso falei com os jovens do mesmo modo.
O filme do Mateus não é tão bom assim mas se iguala na verdade e seus depoimentos. O menino sabe filmar. Nasceu sabendo. Não parece que ele saiba muita coisa mais. Perguntei ao redor quem era a sua mãe na suspeita que poderia ser um filho bastardo meu. Mas é só uma brincadeira. Ficamos amigos e está fazendo uma assistência de direção de meu curso e montagem que estréia em Janeiro: "O Apocalipse Segundo Domingos Oliveira".
Mateus tem a insegurança natural inevitável. Evita se meter, evita dar opiniões, outro dia me perguntou o que faz um assistente de direção. Respondi: Como você? Tem de descobrir o que faz. O assistente faz o que ele percebe que é preciso. Quero dizer, baseado na minha experiência no assunto, que Mateus é como o digital. Veio para ficar. Ele é um general do exército que marchará sobre nossas cabeças. Sabe filmar, o que é muito raro entre nós. Longa vida, Mateus Souza!


Ass. Dominguinhos.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

ATENÇÃO, ATENÇÃO!!!


Atenção, atenção, meus companheiros bloguistas. Esta semana o blog não será renovado por dois motivos: primeiro, porque a partir da semana que vem, quarta-feira, 22, ele passa a funcionar além desse endereço, através do blog da Revista Bravo!, tendo assim maior visibilidade. Segundo, porque ando ocupadíssimo, me desculpe, peguei a gripe Obama, além do que meus filmes passam em sessão dupla no Festival de São Paulo! Apareçam todos, paulistas, se puderem. Cada filme passa três vezes, horários no jornal. "Juventude" e na sessão seguinte "Todo mundo tem problemas sexuais". Sensacional!!! Não vejo sessão dupla desde o Cinema Crispim, em pulgueiro de Botafogo, dos tempos de Tom Mix. Só que dessa vez não vai ter filme-em-série, que pena!

Até já, divirtam-se com os filmes e votem em mim! Porque o juri popular dá prêmio em dinheiro!!!!

sábado, 11 de outubro de 2008

Postagem Especial




Comunico aos meus bloguistas e blogueiros (bloguista é quem lê e blogueiro é quem faz, fica combinado assim?)

Caríssimos blogueiros,

É com imenso prazer que anuncio que o DVD de "Carreiras", depois de um ano de atraso e muitas brigas está finalmente nas locadoras! E um filme sensacional, com Priscilla Rozenbaum radiante baseado na melhor peça de Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha).
Trata-se de uma longa noite de loucuras onde a personagem "Ancora" de um famoso jornal de Tv joga tudo para o alto, cheira em cena 19 carreiras de cocaína e, pela manhã, resolve sua vida de um modo surpreendente.

Vejam e me escrevam com as suas opiniões.


quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O grande esforço humano é justificar a própria vida. Provar que ela vale a pena ou que tem alguma utilidade. Ou alguma chance de eternidade. Então, inventamos turbilhões dos mais variados, ando sendo sorvido pelo meu um pouco em demasia. Em que grau de ilusão deve um homem viver? Na que ele quiser. Porém o mais longe possível da realidade. Para mim esse mês, inventei um aniversário, Festival do Rio etc. E vou dar um curso. De teatro. Exatamente isso. Um curso para dizer tudo o que sei, um curso para montar uma peça depois (“O Apocalipse, segundo Domingos Oliveira”). Um curso para tirar um grupo de atores com maior disponibilidade, atores jovens, como faz Antunes, o Théâtre du Soleil e a galera do Flamengo. Meus atores prediletos (Priscilla, Ricardo, Dedina, Orã, as Clarices Derziê e Niskier etc) são hoje gente madura, com dificuldades de tomar compromissos. Cada um com seus problemas e projetos. Raramente dei cursos práticos. Penso que não dá nunca para fazê-lo conseqüentemente mas com a peça a encenar, aí faz mais sentido.
Grupo nunca quis ter. Grupo é família. E família já tenho. Mas agora mudei de idéia. Está na hora de ter o meu grupo, independente, constante. Se algum dos atores ou atrizes tentar me colocar na posição de pai, o que acontece sempre com os grupos, mando-os à merda e pronto. De modo que está fundado o Grupo Fúria, gosto dessa palavra, Fúria. Acho que é necessária no teatro e na vida. Fúria. Fúria.
Aqui segue o release deste novo trabalho, na íntegra.

WORKSHOP DE
DOMINGOS OLIVEIRA
NOVEMBRO DE 2008

CRIAÇÃO DO GRUPO FURIA
O workshop tem por finalidade compor todo o elenco da peça inédita “O apocalipse segundo Domingos Oliveira”. Uma comédia filosófica que ficará em cartaz durante os três primeiros meses do verão carioca de 2009, na Casa de Cultura Laura Alvim.

Domingos Oliveira, famoso diretor de cinema e teatro, sempre quis ter um grupo dele, um grupo contínuo, porque acredita, como todo homem sério do palco, que o melhor teatro virá sempre do trabalho em grupo.
Comemorando seus 72 anos, Domingos decide montar seu grupo oficial. O
GRUPO FÚRIA
O Grupo Fúria pretende ter uma atividade contínua, dialética e intensa. Certamente terá relevância no futuro próximo do Teatro Brasileiro.
Os atores com quem Domingos sempre trabalhou, Priscilla Rozenbaum, Ricardo Kosovski, Clarice Niskier, Dedina Bernardelli, Clarisse Derzié Luz, Bernardo Jablonski, Pedro Cardoso e muitos outros, são desde já membros honorários do grupo e formarão um natural conselho consultivo para suas atividades.
Faz parte do dever cultural do verdadeiro homem de teatro juntar em torno de si os melhores talentos que, por juventude ou outra circunstância qualquer ainda não estão inseridos no mercado e se possível reuni-los a talentos já reconhecidos que desejam aprimorar sua técnica.
Para encontrar essa preciosa gente, Domingos decidiu fazer a primeira peça do Grupo sem nenhum dos seus habituais companheiros de cena. E sim retirar o elenco (11 atores) e a equipe (13 técnicos e assistentes) de um workshop que ministrará durante o mês de novembro, com encontros preliminares na segunda quinzena de outubro.
Será um workshop intensivo e conseqüente com 10 horas de carga horária semanais. Aos sábados, domingos e quintas feiras. Esse workshop terá o título de LIÇÕES DE LIBERDADE.
Posto que a Liberdade é a maior característica da arte de Domingos. Ele pretende, uma vez terminado o workshop e a peça que os alunos estejam devidamente preparados para permanecer no Grupo Fúria ou mover-se sozinhos, criando seus próprios grupos.
Assim sendo o programa do workshop Lições de Liberdade conta com um total de 40 horas de duração e abrangerá várias facetas da atividade teatral: As noções principais da produção, da criação, da manutenção do espetáculo, da direção teatral, iluminação, figurino, cenário, divulgação, etc e, em particular, da arte da interpretação e da dramaturgia. Para teatro e cinema. Ou seja, o resumo das técnicas e filosofias do seu trabalho.
Terminado o workshop, o diretor decidirá segundo critérios previamente anunciados, quais os alunos que ocuparão as 24 funções da montagem de “O Apocalipse Segundo Domingos Oliveira,” uma peça inédita da qual ele mesmo fará o protagonista.

RESUMO

Valor do curso: R$ 1.000,00.
Forma de pagamento: metade na inscrição, metade cheque pré-datado para data do fim do curso.
Os alunos selecionados começarão imediatamente a ensaiar no Teatro Laura Alvim o “Apocalipse”. Em caso de grande número de alunos, cogita-se a criação de standins para alguns papéis, em caso de necessidade. O curso também dá direito a colocações de estágios na área técnica. Ou seja, serão selecionados para a temporada da peça:

11 ATORES
5 STAND-INS
2 CONTRA-REGRAS
1 CAMAREIRO
3 ILUMINADORES
2 ASSISTENTES DE DIREÇÃO
1 ASSISTENTE DE DIVULGAÇÃO
2 ASSISTENTES CENOGRAFIA
1 ASSISTENTE FIGURINO
1 ASSISTENTE ADMINISTRAÇÃO
OUTROS CARGOS POSSÍVEIS

Critério de Seleção:
Estes possíveis 35 alunos (aproximadamente) passam a se denominar o GRUPO FÚRIA.

Currículum do curso: (Resumo da filosofia e técnica de Domingos Oliveira)

O curso acontecerá a um currículum maleável, segundo as características do grupo, mas sempre com a finalidade precípua de PREPARAR UM ELENCO QUE POSSA ENSAIAR E ESTREAR UMA PEÇA EM 1 MÊS. Isto, porém, não invalida a existência de um currículum básico:
- semana 1: Noções básicas.
O que é isto: A Filosofia?
O Teatro?
O Personagem?
A arte de representar?
O Artista?
Leituras da peça a ser encenada.
- semana 2: O Básico Stanislavskiano:
Vôo rápido rumo à história do teatro.
Concentração
Contacto
Circunstanciação
Exercícios práticos sobre esses assuntos, leituras da peça experimentando os atores em vários papéis.
- semana 3: Prova escrita
Noções de dramaturgia.
Os truques para o ator contemporâneo: Artaud, Brecht, Stanislavski, técnicas circenses.
Condições espirituais necessárias para um ator
Primeira tentativa de seleção.
- semana 4:
Vôo detalhado das funções técnicas: a luz, o som, o espetáculo.
A Arte da TemporadaDefinição final de papéis e ficha técnica

PASSADO
Fiquei de contar a história desse retrato. Minha árvore genealógica. O passado é uma terra de ninguém, onde somente cabem heróis, grandes figuras. Entrevistei meu irmão Zé que tem mais memória que eu.
Essa foto é de 1906, a mais antiga que eu tenho. No centro, o filho mais velho, Olímpio, que veio a ser médico. Cercado pelo pai e a mãe, o poderoso Zé Pereira e Dona Sinhá (Eulália). A esquerda de Eulália, Lulu, Dadinha e Zeca (na ponta). A direita de Zé Pereira, Carmelita, minha mãe, Beata, a mais velha, e Raimundo. Todos morreram há muito tempo, grande arte é a fotografia.

Esta é certamente uma foto de estúdio. Onde aparecem 4 filhos e 4 filhas, são 8. Parece que tem mais um, que morreu muito jovem. A partir da próxima postagem, conto a história de cada um. Ou melhor, aquilo que restou na memória minha e de meu irmão.
Muitos anos depois da morte, todo homem é uma lenda.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ATUALIDADES:

Começa hoje o Festival de Cinema do Rio. Que exibe 4 centenas de filmes. Um belo sinal da magnífica paranóia do simpaticíssimo Marcelo Mendes e sua patota do Estação. Eles foram todos cineclubistas. Agora transformados em exibidores, porém mantendo sua fidelidade à rataria de cinemateca. Que Deus conserve o Grupo Estação.
Tanto filme assim dá vontade de ver todos, o que não é humanamente possível. Ou não ver nada. Só de raiva. E é impossível evitar a pergunta: Com tanto filme, pra quê que eu vbou fazer mais um? Quero dizer, mais dois? Posto que sou o único cineasta brasileiro ou estrangeiro que tem 2 filmes estreando no festival. Até eu me orgulho da minha produtividade. E um detalhe importante: tem prêmio de Júri Popular! E nessa seria ótimo contar com vocês. Olha, a coisa funciona assim: No dia seguinte da estréia só para convidados o filme passa de manhã no cinema Odeon. A preços populares, sessão concorridíssima. No dia seguinte deste, tem 2 sessões em cinemas da Zona Sul. Nessas 3 últimas, você pode votar (Razoável, Bom, excelente, etc.) E se vocês acharem o filme excelente, eu ganho o júri popular. Entenderam bem ou querem que eu explique? As sessões do Juventude (meu filme com Paulo José e Aderbal Freire-Filho) são:

Sessão Popular no Odeon - DIA 30 DE SETEMBRO (TERÇA-FEIRA) 13H30 (o filme tem 80' de duração).

Sessão Estação Vivo 3 Gávea - DIA 1 DE OUTUBRO (QUARTA) 13H30 E 20H20 (não me acostumo com esse tipo de horário. Antigamente cinema era 2, 4, 6, 8...)

Já que o tempo é de eleições, votem em mim. Um cineasta limpo.
Fora de brincadeira, pessoal. Apareçam lá e depois me digam o que vocês acharam.
Meu segundo filme, "Todo Mundo Tem Problemas (Sexuais)" é Hours Concours. Passa lá pelo dia 8 de novembro e eu aviso mais perto.
A propósito, vi, depois de prolongada resistência, o filme do Claudio Assis, o notório "Baixio das Bestas". Não vi antes porque me diziam que era muito violento e agressivo, etc. E eu não vejo propósito para fazer filmes para exibir esses sentimentos. Além disso o Claudio é um tipo de enorme simpatia, parecendo amigo de um copo, sempre assusta um pouco depois de uma famosa agressão ao Hector Babenco durante uma entrega de prêmios, enfim, isto não tem importância, pertence ao passado. Para surpresa minha, gostei muito do filme. Gostaria que isso chegasse ao Claudio. É violento e agressivo. Mas por trás de tudo aquilo sobrevive um emocionado e inspirado poeta. E além disso, um dramaturgo. Coisa rara entre nós. As imagens são belas e bem enquadradas, revelando que a natureza não tem nada a ver com a maldade humana. E a cena da chuva, no final do filme, é um final de alta dramaturgia. Desolado e desesperado, o filme acaba numa nota menor, como acontece em muitas grandes sinfonias. Revelando inexoravelmente a compaixão do autor por seus personagens. Seu motivo de realizar a obra: um pedido de socorro para que acabem para sempre os baixios das bestas. Gostei, Claudio.


PASSADO:
Meu primeiro trabalho publicado é um conto premiado num concurso da Tribuna da Imprensa em 17 de março de 1963. O autor assina Domingos José Soares de Oliveira. E tinha 27 anos. Comecei tarde. O conto provinha de um exercício de um curso de teatro. Depois conto essa história. Meu analista da época me pediu que eu permitisse seu uso num congresso como narrativa inconsciente de um processo de nascimento! Sei lá se é isso, mas é bonitinho.
Que vai para o blog.

O TÚNEL

Estou no escuro, depois de tantas semanas, meses talvez, dentro deste lugar. Sei que estou numa enorme caverna. Mas não me lembro como vim parar aqui. Sei somente que, de vez em quando, essa escuridão tão pesada dá lugar a uma intensa claridade. É como se o Sol estivesse há poucos metros de mim. Mas não sinto calor. Somente este frio, ao qual já começo a me acostumar.
Quando a luz acende, meus olhos doem tanto tanto que os cubro com as mãos para não ver. Mas ela é tão intensa, que atravessa tudo. Abro então os olhos. Às vezes, por vontade própria, às vezes, porque me obrigam. Numa delas, insisti em apertar minhas mãos contra o rosto. Recebi, então, violenta chicotada que me causou uma ferida que vai, reta, de meu rosto até minha perna. Outra vez, foi uma facada, desferida em minha coxa. Não consigo nunca, quando abro os olhos, ver de onde vem o castigo.
Quando a luz acende, o que vejo é que estou numa imensa caverna, sem nenhuma saída possível. No chão, estou sozinho, mas, nas paredes e no teto, incrustados, debatem-se homens e mulheres. Alguns estão mutilados. Da última vez que a luz acendeu, tive a impressão de que as paredes tendem a absorvê-los, tendo até alguns já desaparecido.
Durante muito tempo me preocupei em saber se a luz acendia com regularidade ou não. Tentei, então, contar, lentamente e sempre do mesmo modo, enquanto estava no escuro. Uma vez, cheguei a mil e pouco, outra, a apenas duzentos e cincoenta, e outra, a quatrocentos. Não sei, porém, se isso significa alguma coisa, pois tenho a impressão de que não consigo controlar bem a velocidade da contagem. Além disso, estou tão cansado! De vez em quando adormeço, e talvez a luz já tenha acendido enquanto eu dormia.
A luz não acende há muito tempo. Uma idéia me assalta e atemoriza. Temo ter ficado cego, por alguma razão. Que ela já tenha acendido. Que esteja acesa agora, neste exato momento, e que eu não possa vê-la porque estou cego, por alguma razão. Penso assim, porque sinto meus olhos arderem. Além disso, não consigo ver realmente nada, por mais que me esforce. Será possível existir escuridão tão absoluta?
Da última vez que vi a caverna, notei, ao longe, se bem que não possa afirmá-lo, uma mancha escura que me pareceu a boca de um possível túnel. Logo, a luz apagou, antes que eu pudesse ao menos orientar-me. Desde então, estou tentando achar o túnel.
Primeiro, andei muito, na direção que julguei correta, procurando a parede da caverna. Nunca pensei que fosse tão longe e o chão tão irregular, o que me fez tropeçar sempre. Machuquei-me. Sim, estou nu.
Agora, palmilho a parede, úmida, em alguns lugares cortante. Encosto meu rosto contra ela e acho agradável. Permaneço assim muito tempo.
Achei o túnel! Realmente, é um buraco cavado na rocha e posso sentir que tem pouco mais que um metro de largura. É mais alto do que minha mão pode alcançar. Penetro, então, com muita cautela. Súbito, minha cabeça bate no teto. Verifico, então, tateando, que a altura do teto diminui rapidamente. Agora, já sou obrigado a me abaixar, e cada vez mais.
As pontas de meus dedos, que vão na minha frente, encontram, formações cilíndricas, estalactites, como uma harpa. O túnel tem agora pouco mais de meio metro de largura e, no máximo, um e meio de altura. Penso então que ele diminuirá sempre e não terá saída. Resolvo tentar a passagem, quebrando as estalactites. Tento primeiro arrancá-las, separá-las, com as mãos. Não consigo, são fortes. Experimento então um pontapé e quebro uma. Depois outra e outra. Consigo então passar, embora tenha de virar de costas. Logo, me oriento na direção certa.
O túnel baixa seu teto, cada vez mais. Quero, pela primeira vez, voltar, porém, noto, olhando para a frente, qualquer coisa como uma vaga luminosidade. Também o ar me parece um pouco mais leve e talvez eu sinta menos frio. A esperança de que o túnel me conduza à liberdade me reanima.
Meu próximo passo encontra o vazio. Sim, há um buraco na minha frente e todo cuidado é pouco. Ajoelho-me, perto da borda, para examiná-lo melhor. Minha mão não consegue tocar a outra borda. Experimento jogar dentro dele um pedaço de estalactite. É tão fundo que não ouço nada, além do silvo da estalactite cortando o ar. Fico apavorado, quero desistir, mas a tênue claridade me obriga a continuar. Junto às paredes do túnel, pequenas saliências, pouco maiores que meu pé, ladeiam o buraco. Poderei passar, andando de pernas abertas, caso queira correr o risco.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

PRESENTE:

Plano L.A.:
(Los Angeles ou Laura Alvim?)
Vou ocupar, a partir de dezembro, o teatro Laura Alvim. Pretendo fazer um movimento cultural fundado na dramaturgia. Na arte de contar histórias. A dramaturgia não são leis impostas, não é nenhuma caretice. É essencial. Uma boa peça ou filme e, pelas piores e melhores pessoas, têm sido desprezada ou subestimada. Um artista de talento nato pode compor uma música genial ou pintar um excelente quadro. Mas não escrever uma excelente peça de teatro ou um bom roteiro, se não estudar um pouco. O teatro e seus derivados são atividades racionais. Demanda um estudo. Estudo daquilo que é comum a todas as peças que adoramos no teatro, modificaram as nossas vidas, nos deram grande prazer. Isto é a dramaturgia.
Penso que há alguns modos de ensinar a dramaturgia. Penso, igualmente, que é mais uma arte que uma ciência, a dramaturgia deve ser ensinada por quem escreve. Um dos meus cursos pretende propor a uma pequena platéia de alunos escolhidíssimos que assistam e paticipem da escrita de uma peça por mim, na frente deles, consultando as suas opiniões e minhas dúvidas. É difícil entender em aulas teóricas a beleza da dramaturgia. Uma outra forma eficiente que me dá vontade de experimentar é aquela inventada por Antunes Filho, o "pronto para usar" (prêt a porter). Que propõe transformar os próprios atores em dramaturgos.
Um terceiro modo eficiente de aprender a arte narrativa é, sem dúvida, a análise de bons filmes ou peças, uma investigação a posteriori dos caminhos que o autor seguiu para obter as grandes emoções.
Uma boa aula não é aquela em que o aluno aprende com o mestre. E sim aquela em que ele tira as dúvidas que ele já tem. Que ele usa o mestre para aprofundar as dúvidas que ele já tem.
A dramaturgia, como a arte de representar, é uma coisa muito difícil de aprender nos livros. É preciso da prática, do contato com quem faz bem.
Em janeiro, pretendo montar no teatro minha mais elogiada peça, ecrita há 25 anos atrás, meu relato de infância, "Do Fundo do Lago Escuro". Li a peça ontem. Como se não fosse minha, passou tanto tempo... Achei uma obra prima. Talvez até sobreviva a mim. (a auto-estima nada tem a ver com vaidade. Não é um sentimento arrogante, e sim, embora pareça paradoxal, com a humildade. Somente gostando do que se faz você pode gostar dos outros, e do que eles fazem.) Somente mestres podem ser discípulos.
Para esta peça, me faltarão atores. Possivelmente haverá teste. Ou melhor, haverá um pretexto para a primeira reunião da desprendida turma do Grupo Fúria... Claro que será uma festa.

72 ou 27?
Na noite de 27 para 28 faço 72 anos. O Tablado, desde o início desse ano, faz um estudo sobre minha obra. Todos os professores usaram textos meus nas suas aulas. O que muito me lisongeia e honra. Sendo assim, propuseram também me oferecer uma festa de aniversário, para a qual não posso convidar os blogueiros, posto que quem convida é O Tablado. Segundo a programação, faz parte da festa uma "palestra", um papo posterior com jovens alunos. Falar com a juventude é sempre um ato de responsabilidade. Afinal, eles morarão na casa do futuro, que eu jamais conhecerei. Afinal são eles o exército que marchará sobre minha cabeça. Além disso, são todos bonitinhos e gostosinhos, revoltados, curiosos. Então fico na dúvida sobre o teor dessa fala de 60 minutos. Pensei: "As 10 melhores idéias da Filosofia." Isso seria interessante. Pensei: "Os 12 princípios que regem a minha vida", também isso seria interessante. Mas como tenho que optar, acho que escolherei algo mais direto: uma palestra chamada "Meu Ofício é Dizer o que Penso". Frases, se não me engano de Pascal, que plajeio constantemente. Opinião sobre, digamos, cinco assuntos que interessam aos jovens de qualquer idade.
Por exemplo:

1) A Luta Profissional.
2) Como Encontrar o Amor da Sua Vida.
3) Sexo é o Maior Divertimento.
4) O Grande Mistério da Arte.
5) A Morte: Ser ou Não Ser.
Se você quiser assistir isso, procure alguém dO Tablado que possa te convidar. Porque, em princípio, está lotado.
Evidentemente seguir-se-ão canções cantadas pelos Tabladenses e outros amigos, em homenagem aos meus 27.375 dias bem vividos.
obs. Não posso convidar para O Tablado, porém posso e insisto aos meus amigos fiéis, compareçam à sessão popular do filme "Juventude", no Festival do Rio. É a platéia dessa sessão que decide o voto popular de melhor filme. Vou precisar de vocês furiosamente.


PASSADO:
Não é importante saber se um homem acredita ou não em Deus. O importante é saber se ele acredita no paraíso.

Depoimento sobre a primeira vez em que estive no Paraíso. Fazem 36 anos.

Estive no paraíso
e voltei.
O Paraíso é o mundo como ele é.
Como será um dia, para todos os homens.
Estive primeiro numa praia.
de onde trago notícias:
o mar é sólido
a areia é gente
é mulher amada
foi para descansar que deitei sobre ela
então compreendi que a desejava.
Olhei ao redor e veio o mundo
em tempo algum
posto que o tempo não existe
sendo cada conformação da existência
apenas um instante consagrado da Criação.
Haviam muitas pessoas ao redor
todas nascidas ontem do macaco
perplexas, perdidas, pobres
andando sem rumo sobre a areia sábia.
Ajoelhei pela falta de forças
(o conhecimento consome)
e chorei de alegria
já que eu era parte daquela beleza
não podendo ser
Eu sem Ela
e sem mim
Ela.
O Paraíso pode ter ruas
no fundo de uma delas encontrei, súbito
O Sol!
O Sol é o Deus do homem. Há certamente deuses maiores
mas isso não é nada que um homem possa adorar.
O sol mora no fundo de uma gruta macia de sombra.
É verdade que um homem cega se olhar, de frente, o Sol?
Depois, mais tarde, quando eu entrei na água e não quis mais sair
o sol veio para minhas mãos em concha
brincou como criança
dançou, fez formas tão alegres
já era meu igual.
Também na água eu vi um abraço de dois amantes.
Entre seus corpos muitos rios corriam, cascatas
e nas paredes haviam musgos.
Meus ouvidos ouviram muitos ruídos
ruídos do mundo
também ouviram Música
ruído dos homens.
Estive no paraíso e voltei
sei
o que são os homens
são pobres crianças loucas.
É impossível deixar de amar qualquer um deles.
O amor é a alma do Real
a energia que une os átomos
é o Estado Natural
O desamor é a loucura.
No final da tarde senti a velocidade do Planeta, da Terra
Soube que voava com ela, uma vertigem
mãe espaçonave em direção ao infinito
Não há porque temer o infinito
o navio é seguro e somos nós
que o guiamos.
Estive no Paraíso e voltei
Não posso mais esquecer de que sou parte
Sou parte do paraíso
Não há volta para o conhecimento.
E, no Paraíso, no centro, encontrei o Amor
O amor é a alma do paraíso
Vi o corpo da mulher
seus músculos, suas vísceras, sua pele e olhos
a máquina perfeita do corpo da mulher amada
(um corpo tem montanhas, gramas, areias, mares
a beleza é um corpo!)
Estive no paraíso e voltei.
Agora sei que ele existe.
Ficou portanto traçado o rumo do meu destino.
terei de trilhar o caminho de volta
o árduo caminho iluminado durante o que resta de minha existência
eterna.

Não esqueçam de ler o meu outro BLOG.
Onde deixo meu Legado, para possíveis parcerias...

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

PASSADO
Hoje não tem passado. Consegui entrevistar meu irmão a respeito da minha família. Pretendo escrever a sua árvore genealógica. Depois que morre algum tempo, todo mundo vira mito. Personagem de Garcia Marquez. O tempo simplifica os traços hiper-complexos de uma personalidade humana, deixando apenas o desenho principal: o que aquele homem fez, os filhos que deixou e, raramente, as coisas que disse.
Aguardem a próxima postagem.
Começo minha árvore com meu avô, o José dos Barbantes, que ficou rico com uma fábrica de barbantes, novidade absoluta na época. Casou com Sinhá, aquela moça rica e ficou mais rico que ela. Teve nove filhos, um dos quais a minha mãe. E muitas dezenas de netos. Morreu quando eu tinha três anos, de câncer na boca. Consta que eu era seu neto predileto. Tenho certeza que esse homem tem grande importância na minha vida, embora não tenha memória dele. Apenas fantasia. Meu irmão diz que meu avô era muito mulherengo, chegou a ter cinco mulheres ao mesmo tempo.

ATUALIDADES
Criei um novo blog. Chama-se DOMINGOS IN PROCESS. O endereço é http://www.domingosinprocess.blogspot.com/ E ESTE CONTINUA! Explico minhas razões para tal atitude extrema. É que eu não desejo que esse blog tenha mais de duas sessões, ATUALIDADES e PASSADO. E já estava misturando com LEGADO e outras coisas que quero dizer e que ficam para o segundo blog, mais divertido, mais irresponsável.

domingo, 7 de setembro de 2008

TOLAS DÚVIDAS DE UM ARTISTA

De vez em quando eu me confundo. Melhorou muito, antigamente era sempre. A razão de minha confusão nesta manhã de domingo é sobre o show. O “show do Domingos.” Por mais que tenha outros nomes, será sempre o show do Domingos. Não sei o que faço com ele. Se tiro de cartaz para sempre ou luto incondicionalmente para fazê-lo. Dúvidas tolas. Mas é assim mesmo. Para quem conhece o filme: Quero fazer do Cabaré um sucesso do mesmo modo que Barry Lindon quis ser marquês. Ou conde, sei lá. Mas para entender melhor, contemos do início. Aos dez anos de idade, minha professora de primário me pedia que eu cantasse baixinho o Hino Nacional, para não atrapalhar os outros mil alunos da escola. Todos com a mão no coração naquele ginásio enorme. Aos vinte, dançava bem, mas não podia abrir a boca para cantar. Era um desafinado. Aos quinze, pedi um piano de presente de aniversário para minha mãe. Meus pais me deram. E comecei a entoar umas coisinhas desafinadissimamente, embora conseguisse tocar “de ouvido”, mal, mas de ouvido. Aos trinta anos, me lembro do Simonal me botando para fora do côro no filme que fazíamos, etc. etc. O filme ficou uma merda. Qualquer dia conto essa estória. Sei que perdi a paciência quando, já nascida minha filha, e morando eu em Teresópolis, comprei um violão. “Se qualquer idiota toca esta porra, eu também posso tocar.” Ledo engano. Até hoje não toco violão. Nunca tive a coordenação necessária. Anos depois, quando dirigia o Teatro Planetário, cantei pela primeira vez, no Cabaré 1, em 96. Portanto, com mais de cinqüenta e cinco anos descobri que tinha a voz grave, entre o barítono e o baixo profundo. E que poderia cantar, se estudasse muito, até direitinho. Depois o Planetário acabou (fizemos quatro Cabarés nessa época, sempre com sucesso). Cantar me dá uma grande alegria. Indescritível, mesmo. De modo que não quis parar. E comecei a fazer esse show, uma forma mais informal, da mesma idéia do Cabaré (filosofia e música). Como sou o homem da palavra, segui Fernando Pessoa, quando diz que “a canção é uma poesia ajudada”. E que ajuda mesmo. Assim começou o show e o fracasso. Um fracasso estranho, pois amigos iam e gostavam muito, sentiam emoções extraordinárias, mas não traziam ninguém. Custei a compreender porque o boca a boca não funcionava, nesse caso. É muito simples: O pessoal do teatro não vai ver shows em bares. E o pessoal dos shows não vai me ver, porque eu não sou cantor. De modo que o espetáculo, por melhor que seja, fica nesse limbo, só vai “diretoria”. Amigos famosos, gente notória, mas o público mesmo, não vai. Fizemos no Bistrô, no Cinemathèque, no Lounge da Lagoa, no Mistura Fina, foi sempre a mesma coisa. Pessoas gostando cada vez mais, porém neca de público. Os cantores não-cantores (Denise Bandeira e Dedina Bernardelli), eu, atrizes, atores etc etc etc, divertindo-se cada vez mais, o show cada vez melhor...
E no mais, ninguém. Como pode uma platéia adorar um espetáculo e não ser um sucesso? Pode tudo. No Show Business, como na vida, vale tudo. O espetáculo transformou-se num “lugar de convidados”. Ou de ingresso barato para os amigos. Ou seja, não se paga. Leva um prejuizozinho. E dá um trabalho danado. Resumo, enchi dessa situação. Adoro cantar, quero morrer cantando, mas assim não dá! Há algo errado. E eu fico pensando o quê. Certamente por causa do já citado “desenfoque mercadológico”. Porém, pensei hoje, não só por isso. Não sei se vai interessar as pessoas ler isso. Nada mais chato que a dúvida dos outros. Por outro lado, podem compreender e até ajudar. O show atualmente tem uma multidão no palco. Tudo gente legal. Nós nos amamos e botamos todo esse amor no palco. É uma das razões do “sucesso”. Somos de 13 a 15, ou seja, financeiramente inviável, num bar pequeno. Num bar grande eu não quero botar. Nem num teatro, tenho certeza que perde a intimidade, a linguagem. De modo que para existir “Sábados do Domingos” ou “Onde é a festa sábado?”, para completar minha experiência sobre o “Teatro-Festa”, é preciso arranjar um patrocínio. Ponto, acabou. Faço os dois últimos no Canequinho sábados 13 e 20 de setembro, e fechamos. Até arranjar um cada vez mais suposto patrocínio. Aconselho que vocês compareçam em um deles, não por causa do dinheiro, isso não me importa mais, mas sim porque vai ser ótimo! É muito afeto em cena, espectador e cantores. Chega a fazer barulho. Claro que eu poderia fazer um pocket-show e reduzir o número de pessoas. Mas não tenho coragem de botar ninguém pra fora e não seria este show. “O Show do Domingos”. Ao contrário, nesse cada vez entra mais gente. Gente irresistível que entra por amor à arte. Todos fariam muita falta. Todos são imprescindíveis e amados. Ficariam decepcionadíssimos. E o teatro não vale tanto. Não seria o mesmo show. Mas como eu ia dizendo antes de tergiversar, o show tem um defeito. Tem vários shows dentro dele. Isso acontece muito com o criador da arte. Ter várias peças numa peça, vários filmes num filme. É sempre muito difícil extrair os intrusos. Quero dizer que esse show contém:
1) O Pocket: eu, piano, bateria e duas inteligentes cantantes, onde inclusive teria a oportunidade de mostrar as minhas músicas, coisa que meu pudor (não é uma surpresa eu ter isso) não me deixa mostrar até agora. E sem filosofia.
2) O Show Temático. Quero dizer: a turma do Domingos, ou melhor, o Grupo Fúria, apresenta Noel Rosa. Ou A História do Samba. Seria maravilhoso este também. E mais fácil de viabilizar, posto que caberia num teatro.
Enfim, eis o que aprendo nestes fracassos (fracasso ou sucesso, é tudo igual). Não tenho que fazer meu show, tenho que fazer três. O grandão, o pocket e o temático. Vejam só que miséria. Estou querendo diminuir os meus planos. Não multiplicá-los. Não tenho mais idade pra isso. Socorro!


terça-feira, 2 de setembro de 2008

ATUALIDADES:

Primeira:


Não sei se é a informalidade que busco nesse espetáculo há muitos anos.
Não sei se é a alegria que nos causa ao fazê-lo.
Não sei se é o repertório.
Ou se funciona como uma lição de liberdade para o espectador que, no fundo, gostaria de ser do teatro.
E não sei se há uma ternura que emana disso tudo.
Sei que o espetáculo do Canequinho, com todos os seus defeitos e acidentes de percursos, está tocando na minha meta final quanto a ele, que sempre foi chegar ao teatro-festa.
As pessoas se divertem muito, invadem o palco e ficam dançando no final por longo tempo e vêm me agradecer emocionadas pelas filosofias.
Detesto me auto elogiar. Mas acho que cheguei lá!
No TEATRO FESTA!
Faltam 3 sábados. E kaput! A vida segue.

ps. Se algum de vocês conhecer um possível patrocinador, leve. É baratinho o patrocínio. E o nome da empresa fica ligado ao acontecimento mais alegre dessa cidade. O espetáculo está saindo por falta de patrocinador (muita gente no palco, muito convidado na platéia...) . Não que não tenha, mas é que não sabemos procurar.


Segunda:

De Gus Von Saints. Nunca tinha ligado o nome à pessoa. Vi o "Kurt Cobain" e detestei. Achei vago, incompreensível. Mas agora pego na prateleira o "Paranoid Park" e caio de quatro. É uma obra prima! Fala dos jovens de hoje como nunca ouvi alguém falar.
Os jovens de hoje de classe média são, mais que tudo, figuras introvertidas. Falam pouco, em geral num dialeto próprio inacessível aos pais não-iniciados. Ele está sempre bem, normal, indiferente, na sua. Parece que ele já viveu tudo muitas vezes. E que mora atrás de um tapume onde está pixado "ninguém se aproxima". São uns amores, porém inatingíveis. Nem o sexo parece entusiasmá-los a ponto de fazer cair-lhe a máscara. Ele é bonito, entediado, parecido com os Beatles, ou melhor, com o Lennon, que morreu assassinado. Não julgam o mundo, não têm opinião, não são dali. Por quê? De onde são, afinal? Por quê?
Os jovens me adeiam, zombam de mim ou têm medo?
As respostas a essas perguntas quando são feitas com compaixão verdadeira surgem claras. Os jovens não falam porque não têm o que dizer dentro de um mundo tão complexo. Os jovens não falam porque têm medo de dizer besteiras, algo que os prejudique. O jovem é indiferente porque não tem lugar no mundo. Os jovens não são amigos dos pais porque os pais são tão fodidos que não podem protegê-los. E ele, sem jamais confessar isso, grita "socorro" internamente. Não há ideais para seguir, guerras para lutar, mesmo um emprego é dificílimo (talvez isso seja o principal). De modo que um adolescente hoje perde-se em suas fantasias.
"Paranoid Park" é muito melhor do que o "Elephant", embora sejam quase o mesmo filme. Diretor genial, poeta de sensibilidade, Von Saints olha de perto não um serial killer, mas um garoto comum que qualquer um de nós gostaria de ter como filho. Mas que não conseguimos proteger dos atalhos muitas vezes cruéis da existência.
Dizem que o final ideal de um filme ou uma peça tem que conter algo que o filme inteiro não teve. E que lance uma luz para trás. Um poderoso foco retrovisor que ilumina a estória inteira. O final de "Paranoid Park", numa época em que os de vanguarda odeiam a dramaturgia, é uma obra prima dramatúrgica. Quando ele queima as cartas na lareira, revela pungentemente para o espectador sensível... que não é capaz de amar. Era isso desde o início. Compreendemos tudo.
É um grande filme. Agora estou procurando rever "Drugstore Cowbói", "Garotos de Programa" etc. Pensei que Von Saints fosse jovem também. Nada, tem 60 e poucos. Puta velha. Não sei como não o percebi antes.


Terceira:

O assunto é política de cinema. Saiu uma nota sobre mim na coluna da Monica Bergamo da Folha de São Paulo que teve repercussão, mas que não corresponde às minhas idéias. É a já velha estória do "Edital do Filme Pronto", da necessidade do "Ministério da Arte". Não quero gastar blog com um assunto tão árido, de modo que simplesmente reproduzo aqui o que eu mandei pra Folha:



CONTRA A DEMOCRACIA

O cinema é o resumo de um país. Ser brasileiro já é ser artista. Poderíamos exportar tanta arte quanto sapatos. Creio que não há nenhum detalhe errado na legislação atual do cinema brasileiro. Porque está tudo errado.
A palavra cultura hoje em dia está desgastada. Significa qualquer coisa. Futebol, televisão, artesanato, esporte, isto está certo. São as emanações criativas do nosso povo brasileiro. Igualmente desgastada está a palavra Arte. Sempre ligada, equivocadamente, a certo elitismo. Ambas consideradas de alguma forma pela maior parte dos homens do poder como lazer e diversão. Ora, num país pobre como o nosso não é possível gastar muito dinheiro em lazer e diversão. Assim sendo, a Cultura/Arte tem a menor verba do orçamento público. Errado. A Arte é formação de caráter, como a cultura, porém tem outros objetivos e poderes. A arte é a mãe da ética, da solidariedade, da honestidade, da cidadania, nasce na pobreza como na riqueza. É um regulador da sociedade sem a qual é a barbárie.
Como não podemos concorrer nos orçamentos, a única chance do cinema brasileiro no mercado externo talvez seja o filme de ARTE, filme de conteúdo. Diversão enquanto ensinamento. A arte é locomotiva. O que seria do Cinema Novo sem “Deus e o Diabo na Terra do Sol”, da retomada sem “Central do Brasil”, do Teatro sem Nelson Rodrigues ou Antunes Filho? Da música sem Jobim? São as obras dos bons artistas que elevam a importância da atividade cultural. O problema brasileiro não é a FOME, nem a violência, nem a corrupção nem a impunidade, e sim a indiferença quanto a esses crimes. Ocorre portanto no interior da alma humana. Somente através da Arte estes inimigos podem realmente ser combatidos, somente a Arte tem força e vocação para alcançar esse tipo de região. A violência não funciona.
Tentemos descrever o CAOS em que normalmente vive o cineasta brasileiro. Que é, como o sertanejo, antes de tudo um forte. Faz um filme de três em três anos, quando em geral já perdeu a vontade de fazê-lo. Então logo percebe que, por melhor que seja o seu filme, as rendas provindas da bilheteria são ínfimas. As cartas estão marcadas. O cineasta brasileiro precisa dos patrocínios como um bebê do leite da mãe.
Este patrocínio vem das citadas “leis de renúncia fiscal”, e quase sempre vão, pelos caminhos conhecidos, para os que têm padrinhos fortes; os mais convencionais; os que têm atores da TV reconhecíveis pelos patrocinadores; e o que é mais grave, para os filmes de alto-orçamento de preferência sem intenção artística. Dinheiro atrai dinheiro. E são os empresários que decidem que filmes devem ou não ser feitos.
Estes realizadores patrocinados auferem grossas fatias do orçamento (que já foi inflacionado pra isso) como pagamento do seu trabalho. Eles também não estão errados. Precisam sobreviver durante a longa espera do novo financiamento.
O dinheiro vai também para os filmes intelectuais, sofisticados e complicados que visam principalmente ganhar o mercado externo com nosso exotismo. São os chamados “filmes de festival” e raras vezes para filmes comunicativos como “Cidade de Deus”, “Central do Brasil”, “Os Dois Filhos de Francisco”, “Tropa de Elite”, “Meu nome não é Johnny” e poucos outros. Raras exceções. Em resumo, os filmes de baixo orçamento ficam no vermelho por ter tido pouco lançamento. Os de alto orçamento ficam no vermelho porque o gasto no lançamento é grande demais. Não é negócio pra ninguém, muito menos para o governo, que dá um passo para a frente e dois atrás, no sentido do estabelecimento na indústria de cinema brasileiro. As leis baseadas em renúncia fiscal têm em dois deletérios efeitos imediatos: a) Inflacionam o mercado insuportavelmente, já que o dinheiro não sai do bolso do produtor. b) Divorciam gravemente o filme do seu público. Não importa agradar a platéia e sim ao patrocinador, de quem depende essencialmente.
A diversidade e a descentralização são as maiores virtudes numa política cultural. Em meio a tantas opções, onde deve ser colocado o dinheiro público???
É hora da imaginação no poder. Antes que seja tarde. O que deve ser feito?
1. O governo saber que o destino do Cinema Brasileiro não pode ser resolvido por terceiros. É como terceirizar a polícia ou o a saúde pública.
Cinema é Arte, coisa especializada, da qual só entende os artistas, auxiliados talvez por uns poucos economistas e técnicos interessados no assunto. A prática de colocar burocratas frios e racionais, como no caso do último conselho, sem consultar as bases artistas é inacreditável. Apenas mais um reflexo do autoritarismo do poder atual. E depois o Governo tem de saber que dinheiro público não deve em princípio patrocinar filmes como meta principal.
Filmes são final de processo. Ponta de iceberg. O esporte já sabe disso há muito tempo. Não patrocina jogos, patrocina atletas.
O dinheiro público tem de ser usado naquilo que democratiza o fazer cinematográfico e beneficia a todos. Ou seja, na infra-estrutura da atividade. O que é isso? Ora, qualquer grupo de meia dúzia de profissionais experientes, reunidos algumas horas em torno de uma mesa é capaz de responder essa pergunta sem auxílio de institutos de pesquisa: Reserva de mercado, adicional de renda, criação de mercados alternativos, etc. E, mais que tudo, incentivo e recursos para o artista brasileiro de talento. Em particular, de talento agregador. Este sim, é a infra-estrutura da infra-estrutura. O centro, o fulcro. Claro que a produção de filmes tem que continuar, talvez sendo financeiramente a maior destinação do fundo. Parece estar sendo criado. Alguns filmes de alto ou baixo orçamento incentivam, de um modo ou de outro, toda a atividade. E portanto fazem parte da infra-estrutura.
Descrevemos acima a situação absurda do atual cinema brasileiro. Refratária a novidades, a mente conservadora impede a revolução mais por ceticismo que por autoritarismo. Ela não acredita que o mundo possa mudar.
O que importa fazer filmes num país pobre como o nosso?
Importa apenas fazer bons filmes.
Este trabalho crê que a Democracia é ainda o melhor sistema apesar de seus cruéis defeitos. Ser contra a iniciativa privada é, como sabemos, uma atitude nada democrática. Deveria haver uma linha muito especial de patrocínios para filmes independentes, feitos com recursos próprios. Do próprio bolso, filmes de risco. Sem usar o Governo. Isso significa que o produtor faz o filme por conta própria, livre na criação, e apresenta posteriormente um resultado para as autoridades competentes. Se o filme for considerado útil, de ótima qualidade, o produtor é ressarcido imediatamente das despesas feitas. Podendo assim, realizar o seu trabalho com continuidade. Coisa muito semelhante ao “Capture Venture”, política que está se difundindo nas grandes corporações mundiais e que tem tido incrível êxito em seus investimentos. Medidas assim criariam a indústria cinematográfica. É o “Edital do Filme Pronto”. Em minhas modestas limitações, tenho lutado por essa causa óbvia em muitas instâncias. Me ouvem sempre com atenção, compreendem que tenho razão. Mas nenhuma providência é tomada nesse sentido. Ao contrário. Se um filme chega a ser exibido num festival em cópia digital não pode mais concorrer a editais de finalização e lançamento! É evidente a antipatia da atual legislação pelo filme livre e independente. Não sei a que se deve esse sentimento. É talvez como o do pai que não quer largar os filhos crescidos, um apego natural ao poder.

Domingos Oliveira


ps do blog: Temos de voltar a esse assunto. Nossa legislação sobnre cinema e teatro é autoritária e não ouvem os profissionais que entendem do assunto. Defendem idéias próprias. Muitas delas desastrosas. Enfim, sinal dos tempos.



PASSADO:


Hoje não tenho vontade de falar no passado. Sou "Sartreano". 'Não importa o que o passado fez de mim, e sim o que eu farei com o que o passado fez de mim'. Tenho pelo passado uma simples curiosidade. Embora ele seja uma caixa de surpresas. De Pandora. Revelador, passado revelador. Adianto apenas que tive um encontro longo com meu irmão mais moço, que tem a memória melhor que a minha, e soube me contar a história das fotos no tom com que Garcia Márquez escreveu "Cem Anos de Solidão". Nossos mortos do passado são todos mitos de uma mitologia particular. Também nós seremos mitos, daqui a pouco. Embelezados, adorados, simplificados.

No blog que vem inicio a minha mitologia, ilustrada por fotos.



LEGADO 2:


Meu legado fez sucesso. Meu amigo Joffily e o leitor Bayão demonstraram indícios de pegar o bastão na corrida. Sendo assim, provoco um pouco: aumento o "LEGADO 2".


{Uma mulher com dois amantes. Um muito mais velho e outro muito mais moço que ela. Penso que é uma tragédia. Que o velho planeja matar o moço, que por sua vez, planeja matar o velho, afinal são loucamente apaixonados pela mesma mulher. No desenrolar do crime, é ela quem morre primeiro. O jovem morre também. E fica quem não devia ficar: O velho sobrevive. Ou talvez seja uma comédia.}

A cena mais promissora inicialmente é o encontro do velho, chamemos Henrique com o jovem, chamemos Felipe, digamos numa mesa de bar. Os dois estão com seus assassinatos planejadíssimos e encontram-se para tentar convencer um ao outro de largar a mulher, digamos Lucille. Porque ambos inconfessadamente detestam a idéia de se tornarem assassinos. Estão evitando isso.
Talvez esse encontro seja observado de longe por Lucille que aí toma conhecimento de que os dois sabem de tudo.


Mais um (chamemos LEGADO 3):

A mulher que casou com um homem respeitoso porque ele era respeitoso. E continuou sendo, depois de casado. Então ela é amante de um amigo do filho, um poeta. É o casal educado, que não existe mais. Não se separam nunca, porque são educados. São casais que vivem mal muito bem.



fim do post:



ontem fui ver o "Linha de Passe". Walter Salles e Daniela Thomas. Antes de tudo, que gente agradável! Quanta classe na estréia! Finos, educados, artistas de verdade. Tinham umas 2000 pessoas lá. Não consegui falar com o Waltinho (que admiro e amo muitíssimo), mas consegui mandar recado por Daniela (pessoa tão fascinante que tenho muita vontade de conhecer melhor). "Diga pra ele que o filme de vocês é grave. Uma Via Crucis." Daniela sorriu e foi embora. Esses fazem um cinema que orgulha o Brasil.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008



PRESENTE:

Falar do passado é presente. A palavra "presente" me lembra a melhor definição de Deus. Medieval, se não me engano, de Santo Agostinho.
Leiam três vezes.

"Deus é aquele para quem todos os tempos é Presente."

Como esse blog é um descarado e desleixado rascunho de uma possível e provável auto-biografia, organizo o leitor: por enquanto, gostaria de falar apenas do meu nascimento até o casamento com Eliana. Tem havido uma certa bagunça nisso, mas esse é o meu propósito.


Não sai nenhum dinheiro pro cinema nem pro teatro. O Grupo Fúria, furioso, pode produzir sem dinheiro. Mas é duro. Tenho mantido minha obra escrevendo muito. Nunca tive tantas peças inéditas na minha vida: três peças acabadas e pelo menos três roteiros. Isso começa a me pesar. Adoro escrever, mas atualmente sinto o escrever como quase o não fazer nada. Como os músicos que tocam o jazz, que também é quase não fazer nada. Tenho no meu computador um arquivo esboçado chamado "departamento de vendas", que são umas obras minhas que poderiam ser vendidas para atores ou diretores. Boas coisas esquecidas que fiz no passado. Ninguém aí levanta o dedo como voluntário para ser o gerente do departamento? Se houver, mande currículum que eu devolvo com meu telefone, se interessar.

Esse fim de semana foi entontecedor. Embora extremamente agradável. Entre outros que nem conto, foi sensacional o show! Todo mundo depois me disse que eu estava num excelente estado de espírito, contentamento, etc. Tudo mentira. É o trabalho de ator, e a turma não nota. O contentamento existe, sim. Mas é o prazer de estar fazendo bem o trabalho de ator. Eu, só penso em sexo.
O show é no sábado à noite. O próximo sábado é o último. Vê se vocês vão lá, porra.
No domingo, ao meio dia, tive uma leitura da quarta versão da minha mais recente peça, "Confronto". Uma peça sobre a violência, tráfico de drogas, segurança, essas coisas que todo mundo escreve. Mas a minha está boa. É uma parceria com Luiz Eduardo Soares e que foi aprovada na leitura in totum. Se souber de algum produtor, me avise. Desculpem esse papo de miserável, é que acordei meio deprimido. Toda vez que termino uma coisa, uma coisa que deu muito trabalho, acordo meio deprimido. É o vazio da criação.

Legado.
De hoje em diante, abro uma terceira parte nas minhas postagens. É o legado. Pequena parte, mas todas as vezes. Trata-se de um arquivo meu com histórias, personagens, situações, tantas que gostei a ponto de não poder deixar de tomar nota... mas que jamais terei tempo de fazer. Para fazer os meus projetos prediletos já preciso de um número de anos exuberante, de modo que o legado é pra vocês, leitores-escritores, fazerem com ou sem minha colaboração. E é coisa à beça. Escritores do mundo, uni-vos!

PASSADO:




Na verdade, no "passado" falta a descrição da minha família. Que dá dez livros. Pelo menos "Cinqüenta Anos de Solidão". Tenho dois irmãos mais moços. O Zé e o Raimundo. Combinei uma reunião com eles pra juntarmos recordações sobre as pessoas dessa foto abaixo, feita em 1906, onde estão meu avô, minha avó e todos os meus tios. Já botei no blog, ponho outra vez e tentarei encontrar meus irmãos nessa semana para comentar esse passado distante. Garanto "emoções que eu vivi".




LEGADO PRIMEIRO!


Uma estória real.
Uma mulher, chamemos de Maria, de repente descobre que pegou AIDS e de um caso antigo, chamemos de João. O único com quem transou sem camisinha, só pode ter sido dele. E foi só uma noite, depois nunca mais viu. Ela vai procurá-lo, desesperada e possessa. João leva um susto. Não sabe que tem AIDS. Faz o exame, que dá positivo, e acha que pegou dela. Nesse drama moderno, jamais saberão quem pegou de quem. Na aventura de descobrir, afeiçoam-se, apaixonam-se, casam e estão felizes até hoje. Sem camisinha. Que aliás, é um bom título.


Uma estória de amor sofrido.
Uma mulher com dois amantes. Um muito mais velho e outro muito mais moço que ela. Penso que é uma tragédia. Que o velho planeja matar o moço, que por sua vez, planeja matar o velho, afinal são loucamente apaixonados pela mesma mulher. No desenrolar do crime, é ela quem morre primeiro. O jovem morre também. E fica quem não devia ficar: O velho sobrevive. Ou talvez seja uma comédia.


BOA SORTE, ESCRITORES!

segunda-feira, 11 de agosto de 2008


ATUALIDADES:

Acabo de chegar do Festival de Gramado. Ah, festivais...
São muito divertidos, vidas à parte, regras simples do jogo. Passa um filme, espera o resultado do júri, cruza com muitas moças bonitas, vai às festas, bebe muito, e no dia seguinte da premiação, vai embora. São adoráveis essas vidas curtas que aquela outra, maior mas nem tanto, nos confere!
Esse Festival em Gramado foi realmente interessante. Quanto menos não seja por ter posto em confronto dois filmes realmente antagônicos. No sentido da compreensão da arte. Um deles ótimo, mas sofrido, revoltado contra a vida, negro, e basicamente difícil de entender, com cenas desnecessárias, outras excessivas, sem nenhuma preocupação com a clareza. Um outro, igualmente meritoso, otimista, claro, falando das glórias da vida, não do seu terror, sem nenhum ocultamento ilícito da dor humana. Essa lunaridade e solaridade divide as pessoas espectadoras radicalmente. Sempre participei mais desta, minha arte sempre considerada uma arte menor pelos sofridos e angustiados poetas lunares. Não, retiro esta metáfora. A lua é um satélite lindo. Digamos melhor, os confiantes na glória ou os terroristas da denúncia demolidora. Dessa vez éramos eu e o talentosíssimo Matheus Nachtergale, chamado por muitos de "o galo da noite" (nacht - gale). O Festival não conseguiu nos desunir, abraçávamo-nos ternamente no fim da madrugada do prêmio, cantando canções ao piano. Mas esse tipo de luta é, sem dúvida, essencial.
O Festival fez-me também refletir sobre as Comissões. As Comissões Julgadoras são uma das mais importantes células da democracia. Estão por toda a parte. Julgam desde o lançamento do país até os prêmios de Gramado. É uma Instituição portanto importante e muito problemática. Alguém mais inteligente que eu deveria escrever a respeito. Dessa vez, em Gramado, tivemos uma comissão super digna. Nobre, mesmo. Liderada pela cineasta Ana Carolina. Mas é impressionante como as melhores comissões têm dificuldades de julgar pelo único critério que seria válido, a meritocracia. Já fui júri de festival, sei como acontece. Uma Comissão é influenciada por 1) A PERSONALIDADE DE CADA JURADO. Os quietos não gostarão dos filmes barulhentos, os violentos não gostarão dos filmes calmos, os comunistas não gostarão dos filmes burgueses e os que tem a alma angustiada não gostarão de filmes esperançosos - sendo que isto independe da qualidade da obra em julgamento. 2) AS IMPLICÂNCIAS OU PREFERÊNCIAS POR ESTE OU OUTRO DIRETOR. Por causa de acontecimentos anteriores. Alguém pisou o pé de alguém, comeu a mulher, esnobou, falou mal do amigo de alguém, passou sem cumprimentar - e isto não tem nada a ver com a qualidade da obra. 3) NATURALMENTE, AS IDEOLOGIAS. Você pode ser da esquerda, do centro, da direita, de cima, debaixo, e julgará os filmes segundo o partido a que se filiar - e isto não tem nada a ver com o mérito da obra. 4) NATURALMENTE, A NEGOCIAÇÃO. É preciso compreender isso. Você viu dezenas de filmes com aquelas mesmas pessoas. 2, 3 por dia. Você só vê os filmes com aquelas mesmas pessoas. De modo que você acaba ficando amigo delas. É inevitável. Seu amigo prefere o filme japonês enquanto você é louco pelo diretor argentino. Ele prefere o ator caribenho e você tem certeza que o filme americano é que é a obra de arte. Enfim, você negocia. Troca o japonês pelo caribenho, etc. No final, é um grande conchavo - que nada tem a ver com o valor da obra, enquanto arte. Como se não bastasse... 5) VOCÊ TEM QUE, NA MEDIDA DO POSSÍVEL, RESPEITAR A MÍDIA E FAZER A MÉDIA. Não fica bem num festival dar muitos prêmios para um determinado filme, mesmo que seja uma invulgar obra de arte, deixando os outros candidatos, que viajaram tanto para chegar ali, ir embora de mãos vazias, sem nada para mostrar em casa. De modo que o prêmio deve ser o mais estilhaçado possível, entende? Para que o maior número de pessoas saia contente porque, afinal, festival é uma coisa alegre. Não há júri, por mais digno e inteligente, que escape dessas pressões. Ou melhor, tradições. De modo que você deve ficar muito contente quando ganha um prêmio, mas não deve ficar muito triste quando o perde. O único detalhe lamentável é que o espectador normal que não foi ao festival vê aquele filme premiadíssimo, que é na verdade uma droga, perdão, não muito interessante... e acha que o cinema brasileiro é uma droga sem perdão!
Terminando, devo dizer que foi uma maravilha ser ovacionado durante cinco minutos por mil e duzentas pessoas emocionadas no final do meu filme, "Juventude" - isto é independente do valor da obra.

Vou dar uma entrevista no MIS (Museu de Imagem e de Som) “para a posteridade”. A entrevista é amanhã, dia 20. Vou ser entrevistado por um bando de gente sobre a minha, entre parênteses, vida. Ou seja, ridículo. Juro que não estou levando a sério, mas é mais um modo de organizar a biografia que eu não sei se escreverei. Apareça lá. Acho que a entrada é franca, mas vale a pena conferir. Já me pediram que eu dividisse a minha vida em fases. Pensei que só a lua fizesse isso. Mas em todo caso, tentei. Marcos? Mulheres, claro. “Sou aquilo que as mulheres que eu amei fizeram de mim.” (J. Moreau) E também alguns trabalhos. Dizem os caubóis americanos que o homem tem o direito de uivar para a lua três vezes na sua vida: quando ele encontra a mulher amada, quando lhe nasce um filho e quando dá certo aquele negócio em que ninguém acreditava.


PASSADO:

10,11 anos de idade - Infância até entrar para o colégio o Admissão

1958, 22 anos - Adolescência até o primeiro casamento com Eliana Penafiel

Entre o primeiro e o segundo casamento, noção da morte e da cultura e muito álcool

1962, 26 anos - Primeiras peças profissionais de teatro, “Sétimo Céu” e segundo casamento: Leila Diniz

1966, 30 anos - Entre o fim do casamento com Leila e o sucesso do filme “Todas as mulheres do mundo”

1967, 31 anos - Entre o sucesso e o casamento com Nazareth Ohana (mãe da Claudia)

1971, 34 anos - Casamento com Nazareth, “Edu coração de ouro”, tempo de dívidas e ir a bancos, débâcle financeiro.

Fim do casamento com Nazareth e começo com Lenita Plonczinski.

1973, 36 anos - Casamento com Lenita, ácido lisérgico, vida na natureza durante 10 anos, emprego na TV Globo durante 21 anos intermitentes. Morte de Leila, nascimento de Mariana

1975, 39 anos - Volta para o Rio, retomando o teatro. Jacarepaguá, depois na Barra.

1978, 42 anos - Morte de Nazareth.

1979, 43 anos - Produtor e diretor de teatro. Séries de televisão. Prêmio com “Do fundo do lago”

1980, 44 anos - Fim do casamento com Lenita

1981, 45 anos - Muitos conflitos e casos amorosos até o encontro com Priscilla em final de 1981. Retomada do teatro com “Ensina-me a viver”

46 anos, 1982 - Casamento com Priscilla Rozenbaum

1991, 55 anos - Fase de separação com a Priscilla, por 1 ano

1992, 56 anos - Segue-se uma grande produção de peças, cerca de três por ano, entre sucessos como Confissões de adolescente, e culminando com “Todo mundo tem problemas” e “Separações” em 2000, aos 64 anos.

grande fase! 1994 a 2001 - Estadia de 6 anos no Teatro Planetário

1998, 62 anos - Retomada do cinema com “Amores”, em produção contínua até a atualidade. Encontro com Betinho e a ação da cidadania, da qual faço parte até hoje.

2000, aos 64 anos - Primeira neta

2002, 66 anos - Sucesso de Separações no cinema

2003, 67 anos - “A casa dos Budas Ditosos”

2004, 68 anos - “Feminices”

2005, 69 anos - “Carreiras”

2008, 71 anos - “Juventude” e “Todo mundo tem problemas Sexuais”. Escrevendo teatro e cinema: “Inseparáveis” e “Sangrenta madrugada sangrenta”

Domingos Oliveira está vivo e bem e mora no Leblon, Rio de Janeiro. Casado com Priscilla Rozenbaum há 26 anos, tem uma filha, Maria Mariana. 3 netas e um neto. Clara, Laura, Gabriel e Isabel. Tem muitos amigos e é popular. Seu nome está ligado a cerca de 150 títulos estreados. Ele nunca trabalhou em nada que não gostasse. “Não dou a ninguém o direito de dizer que teve uma vida melhor que a minha. E nem de que é mais feliz do que eu. Porque a grande alegria da vida é saber que se tem uma alma e, maior alegria ainda, saber que é possível melhorá-la”. (Platão)

quinta-feira, 7 de agosto de 2008


ATUALIDADES:
Estou em Gramado. Mando notícias.

Nunca esteve tão difícil ganhar dinheiro. Infelizmente minhas atividades, teatro e cinema, têm que ser subsidiados. São, no mundo inteiro. Com exceção dos Estados Unidos. Que sendo o país mais esperto do mundo, há mais de cem anos sacou que esta porra dá dinheiro, a cultura. Aqui não. Duzentos anos se passarão antes que nosso dirigente tenha a inteligência e a tranqüilidade suficientes para considerar a arte uma coisa útil. Os dirigentes, como os russos chamavam o Estado, são via de regra, porque não usar a palavra exata, burros. Burros imediatistas. No momento em que ascendem ao poder, esquecem o que foram fazer lá. E preocupam-se apenas, dedicam todo o seu tempo, em manter-se lá. Ou seja, arranjar verbas para o próprio cargo, para a própria instituição que comanda. De modo que está difícil ser artista no Brasil. Ganhando dinheiro. É preciso ter um certo nível como pessoa para compreender que a arte é necessária socialmente, essencial, e por isso, protegê-la. Difícil compreender que isso não passa de uma mínima obrigação de qualquer homem público. A realidade é essa, convenhamos. Vivemos politicamente abaixo do nível. Por mim, é preciso redescobrir um caminho que já tive muitas vezes. Exercendo uma atividade, ganhando patrocínios, humilhando e concedendo tudo o que é necessário, etc... Mas por outro lado, manter uma segunda atividade depende somente de mim. Esta é uma atitude de sobrevivência para qualquer ser pensante. Tô doido pra criar não mais o BOAA (Baixo Orçamento, Alto Astral) mas o filme ou a peça “Zero”. Auto-sustentável, se necessário, mais barato que os BOAA. Calcula-se a bilheteria possível e daí se deduz o orçamento. Para depois procurar pessoas que topem trabalhar assim. O orçamento será de 2 vinténs. Se forem bons artistas, ótimo. Senão, foda-se. O importante é fazer. Para não morrer de medo ou velho. O teatro é o último reduto da inteligência livre. É preciso prezar isso.
Vi “Copélia”. Fui levar as netas. Nunca tinha visto um ballet, nem no Teatro Municipal. Fui de avô, convicto. Eu também penso que nunca tinha visto Copélia. Das moças bailarinas, com sua feminilidade como não existe mais, sempre gostei. Aquele salto pirueta sempre tive vontade de dar. Mas fora isso, sempre achei muito chato o ballet clássico. A não ser pelo virtuosismo dos seus maiores intérpretes. Gostei da Copélia. Vantagens da idade avançada, curti valores que não tinha curtido antes. O ballet clássico desse tipo não é uma criação. É sempre uma recriação. Uma obediência à tradição. Disse Brecht: “Uma peça deve ser feita exatamente do mesmo modo que ela vem sendo feita nos últimos 2000 anos. Mesmo que tenha sido escrita ontem.” O ballet tem esse tipo de grandeza. Mesmo os bailarinos do Teatro Municipal que, segundo consta, são um bando de funcionários públicos invejosos e fofoqueiros, tomam ali, em meio à Copélia, o Estado de Graça da arte. Não há dúvida de como surgiu aquela arte. A culpa é dos passarinhos. Se uma alma boa, e os pássaros também, por que não os homens? A dança é uma atividade de protesto contra uma inexorável e repressora força: a força da gravidade. Quero escrever um ballet para a Debora Colker. Onde os bailarinos dancem palavras, frases, pensamentos, estórias, aventuras. E que a palavra pareça música e que a música, ela mesma, apareça apenas nos clímaces. Porque, afinal, música não é mais que a palavra, ela mesma, destilada nos tonéis da profundidade, voando assim por cima da inteligência, gerando a consciência nos céus da própria alma humana.
PASSADO:
PAPÉIS SOLTOS
25 ANOS
... tenho vergonha de qualquer análise do sofrimento por que é o sofrimento que me envergonha. Uma vez feita a escolha de viver ou meter uma bala nos cornos, ou pular destas janelas sempre tão perto, perde-se o direito de sofrer, sendo assim, como reage ante o fim do mundo quem sabe que o mundo já acabou?
... O mundo é belo. Esta verdade é tão inegável quanto estas minhas mãos, que batem com raiva na máquina e que eu gostaria de amputar. Por que não o suicídio? Por que não fazer deste sol que me fere a vista, o derradeiro? No dia em que eu morrer, a humanidade acaba. Canso, torno-me um ser sem músculos. Morrerei enfim?

(Já separado da Eliana, fiz minha primeira peça amadora. 25 anos. Chamava-se "Sétimo Ceu", adaptação de um dos mais românticos filmes mudos. A verdade é que sempre gostei do Teatro)

...Estou há doze dias da minha primeira estréia!
G. desce um pau em quem falar mal de mim. De vez em quando canso insuportavelmente desta gente barulhenta de teatro.
Comprei uma garrafa de piper.
Devo adaptar minhas peças para o cinema, me livrando assim, definitivamente, do teatro.
Por que não consigo nunca escrever teatro e sim tetaro? Como M. fica bem de calça comprida e blusa amarrada.
Preciso me curar do parasita que tenho nos pés, apanhado num chinelo de meu pai (Não me curei até hoje)

JÁ CASADO COM LEILA
26 ANOS, provavelmente.

Num caderno antigo encontro o telefone do Passarela...
Hoje de manhã quis muito ter meu passado de volta. Quis que Leila fosse Eliana, que seu Álvaro ainda estivesse vivo, que fossemos todos e passassemos slides.

Flashback da infância.

Quando eu era menino, uns 10 anos, meus pais tinham uma casa em Petrópolis, na rua Marquês de Paraná, 125. Havia 4 quartos. O meu variava, dependendo das pessoas que estavam hospedadas. O quarto de meus pais tinha uma varanda. Eu tinha asma. Na casa ao lado morava o Clarêncio, irmão da Clarice, por quem me apaixonei (eu me apaixonava sempre). No alto da rua havia a casa das meninas, moravam muitas lá. No jardim dos fundos tinha uma grande horta, que depois foi acimentada para fazer uma espécie de quadra de basquete. Costumávamos correr do portão até a garagem, apostando quem chegava primeiro. Havia uns quartos também em cima da garagem e era uma grande liberdade dormir lá, com os amigos. Na casa em frente morava o Alberto, que era mais velho, tinha um pai engenheiro que jogava cartas com meu pai. O Alberto de vez em quando organizava jogos de monopólio, mas não gostavam que eu jogasse porque eu era criança demais. No jardim do Alberto havia uma pequeníssima piscina onde me lembro que um dia caí.

Não há nada mais chato que um sonho. Não significam nada, nem para quem sonha. Qualquer dia alguém escreverá um livro muito importante chamado “A Interpretação dos Sonhos”. Na verdade, ainda não foi escrito esse livro. Freud apenas ensaiou.

Já adulto, sonhei com a Marquês de Paraná. As casas eram altas, no sonho, e as calçadas muito estreitas. Quando saí de casa, o ônibus quase me atropelou. O ônibus corria, quase perdendo o equilíbrio nas curvas e ameaçando destruir-se contra as casas. Eu sabia porém que o resto da cidade permanecia belo e largo e meu maior desejo era levar Leila para passear e conhecer Petrópolis, mas ela não queria ir. Preferia ficar jogando buraco com minha avó e minhas tias.
Nos meus tempos de dar festas em casa (dei muitas) brincávamos de muitos jogos, inclusive de "passar o anel" - sensualíssimo entre adultos.

terça-feira, 5 de agosto de 2008



James Mason, a voz mais bonita do cinema, em "Dead Men Out", grande filme inglês de Caron Reed, que nunca consegui plagiar. Mas ainda conseguirei. Raridade, não existe em video.
ATUALIDADES:

Um Poder que Não Entendo

Continuo fazendo aos sábados o meu show. É um trabalho estranho, esse show. Tudo bem com sua proposta. Alta informalidade, repertório curioso, etc. Mas até hoje eu, que sou organizadíssimo em todos os trabalhos, não consigo organizar isso. Como se a bagunça fosse parte essencial do show. Enfim, está melhorando, mas até agora, nesta temporada tem sido espetáculos ruins. A gente canta mal, eu falo mal, a gente nunca sabe o que vem depois, ou seja, uma debilidade mental generalizada. E quando acaba o espetáculo, e mesmo durante, é bem claro que a platéia delira de prazer! Mesmo quando não está cheio. O espetáculo tem uma magia que não dá pra entender. Não é que as pessoas gostem, elas ficam agradecidas, encantadas, apaixonadas! E certamente eu não mereço tanto. Toda a equipe e meus amigos dizem que esse fenômeno tem vários motivos: O encanto de toda a equipe, o alto lance das cantoras, nossa cara de pau, ou melhor dizendo, auto-estima, ou melhor dizendo, liberdade e falta de culpa de errar tons, etc. Mas que o principal é o meu “carisma”... Reconheço que deve haver qualquer coisa assim, mas que porra é essa, o carisma? Quê que eu faço que é tão engraçadinho? Reconheço que as filosofias são hábeis e que tenho uma preocupação nobre de integrar-me o mais que possível com a platéia. Sentir-me como parte de um todo, espectadores e eu num mesmo instante e espaço, iguais. Enfim, reconheço que sinto bastante bem o “lado de lá”. Porém, enquanto isso, esqueço o texto, falo embolado, gaguejo... e no final sou tratado como um guru, ser especial, qualquer coisa assim, não entendo, não entendo. Gostaria que quem está lendo essa mensagem desesperada apareça no show e me explique o quê que é isso. A juventude, então, particularmente as meninas, me adoram! Não sei se como avô, como artista – mas será que me adoram mesmo? Elas dariam pra mim?




Preciso fazer uma mala direta das pessoas que seguem meu pensamento, minha cabeça é um turbilhão, um maremoto infernal. Porém, como não para, segue. Para cima. Porque para baixo dói muito. Dos grandes prazeres da vida quando você encontra alguém que tem por divertimento seguir seu pensamento. Como se anda por uma estrada. O dia em que eu conseguir fazer a mala direta dessas pessoas, serei um vencedor. Mas a timidez não permite que eu faça. Deveria haver uma secretária para isso. A delicadíssima Tati Muniz se oferece para descobrir quem são os meus seguidores. Esperem por seu email. Ou ofereçam-se para a lista.


O maior prazer de um artista é que vejam a sua obra. Maior que esse só existe um prazer: de que sigam a evolução de seu pensamento. Compare o atual com o anterior, descubra diferenças... em outras palavras, que façam com o autor aquilo que se faz com um namorado ou um filho. Uma pessoa amada. Uma vez descoberta esta tribo, saberei que não estou sozinho. E caminharíamos todos sem olharmos uns pros outros, em direção ao mar. Ouvindo uma música de Nino Rota no ar num novo eterno filme de Fellini...


Aceito a oferta da Tati. E mais, os voluntários que se apresentem para a lista.


PASSADO:

13/3/61
(24 anos, casado com Eliana há uns 3. Creio que casei aos 21. Casamento em plena decadência. Quem quiser entender melhor, "A Primeira Valsa". À venda nas boas livrarias.)



Resolvi levar adiante meus impulsos: trair Eliana a qualquer preço ou custo. Eliana me acusa de não ser "autêntico", odeio esta palavra. Anteontem tive de interromper meu diário subitamente e ontem não o escrevi. Hoje preciso escrever, senão acumula demais. Fazia um calor impressionante e eu estava imundo, louco para ir ao banheiro. Cheguei em casa às 5h, médico às 6h (psicanalista). Aflito para encontrar o telefone da Beatriz no catálogo, mas Eliana estava em casa. Me senti malíssimo e entrei no banheiro sem catálogo. Fiquei lá o tempo mínimo para por para fora o que me sobrava, peguei o telefone e telefonei.
No início gaguejei, depois assumi aquele ar paternal ridículo que uso ultimamente para me relacionar com as mulheres. Com Eliana sou tão inseguro. A verdade é que não tenho nenhuma razão para me sentir inseguro diante das outras mulheres. Também Cecília e Beatriz não são inteligentes. Não gaguejei propriamente: hesitei. Disse que a maior diferença entre o Domingos de hoje e o que ela conheceu, é que este é mais sincero, sem rodeios. Convidei-a para sair, alegando que tinha curiosidade de conhecê-la, que não tinha nenhuma idéia de quem ela realmente era. Tive a impressão de que ela não entendeu o que eu quis dizer. Não tive boa impressão sobre a inteligência de Beatriz. Pedi também a ela que não fizesse nenhuma cerimônia de recusar, usando a mesma sinceridade com que eu tinha feito o convite. Repeti pelo menos duas vezes que não sabia se ela tinha namorado, noivo, ou mesmo se era casada (sabia sim: o telefone era da casa dos pais dela).
Afinal pedi a resposta: podia ou não sair comigo. Ela disse: "Agora posso". Uma voz débil, fina, suave, mas quase inaudível. "Afinal você teve importância na minha vida". Para continuar a conversa embaraçosa, ela disse que outro dia tinha se lembrado muito de mim porque tinha visto o Ítalo Rossi, que ela achava parecido comigo e que estava estudando biblioteconomia ou bibliotecologia.
Perguntei então se ela podia sair comigo hoje. Ela disse que hoje não, muito nervosa. Que não podia, que ia sair depois da aula. Tive a impressão exata que era mentira. Achei que ela queria ir ao cabelereiro antes, ou que estava com uma espinha, coisa assim, então marquei para o sábado. Sábado é o pior dia, mas eu já tinha ido longe demais, não podia parar. Sábado para homem casado é quase impossível.
Não quero mais escrever hoje. Estou muito frio quanto ao que estou narrando e isto não é verdade.

Li o diário de Eliana, a primeira parte. É belíssimo. Belíssimo. Isto me incentivava para continuar escrevendo o meu. Joaquim chegou.
Fui obrigado a dedicar a primeira parte do dia inteiramente ao Joaquim. Ele está muito ruim, plena neurose. Almocei com ele. Eliana preferiu tomar banho e almoçar depois. Fizemos hora e fui com ele ao oculista. Joaquim perdeu os óculos.
Depois de deixá-lo tive um acesso de improdutividade. Passei na Feira do Livro, depois parei na Ladeira do Leme, estudando o ambiente para meu filme. Amanhã escreverei à máquina, minha mão me dói. De manhã fui ao analista discutir meus problemas sexuais.
São 4 da manhã. Venho, com Eliana, de longa permanência com Joaquim, coisa habitual agora. Temo que Joaquim se mate. Gostei da aula de Teatro!




ENCANTAMENTOS

(Quando me apaixonei pela mulher de um amigo, uma grande paixão, que não anotei nunca, porém apenas mais uma emanação do citador furor juvenil diante da C.E. )

Eu te olhava, você de um, eu do outro lado. Se você me olhava, eu tirava os olhos, não aguentava. Aí, sua miserável, você passou a não me olhar mais. Olhávamos para todas as outras pessoas. Nunca um para o outro. Era um jogo encantado, sabíamos mesmo sem querer saber, que naquela sala cheia só existíamos nós dois e a música.
Ataquei. Prendi meu olhar na tua direção, mas tentei não te ver. Os olhos fora de foco, como se eu estivesse pensando em mim! Você resistiu, ah, como você resistiu! Mas acabou me olhando, trêmula, como se eu tivesse deixado de te amar! Mas se eu te amarei para sempre. Vencedor e agradecido, fixei sem defesas meu olhar no teu. Por um momento cumprimentamo-nos, com vago sorriso. Ninguém percebeu. Teria sido mortal se alguém tivesse percebido.
Era de novo minha vez. Um vaso de flores perto de mim. Pequenas e amarelas, as flores. Botei uma entre os dedos e iniciei uma discussão absurda sobre um assunto qualquer, com alguém. A discussão tomou calor, era assim que eu queria, mas a flor não saiu dos meus dedos. Não olhei pra você, tentei (e até consegui!) ignorar tua presença. Você vingou-se imediatamente, entabulando uma conversa com D. sobre cães e gatos. Senti que era o momento exato! Mudei de poltrona e deixei a flor ao lado do cinzeiro. Instantes de ansiedade, mas quando olhei, te vi em minha poltrona, com a flor entre os dedos. Obrigado, te amo, te amarei sempre!
Foi então que P. tirou você para dançar e eu pus outra dose em meu copo e Jacques Brel começou a cantar. P. é meu únco rival verdadeiro, sei disso, era melhor que eu ignorasse o fato de você estar dançando com ele! Só que não pude controlar-me. Comecei a marcar o ritmo da música, estalando os dedos levemente. Depois, com deliberação, diminui o ritmo e quando olhei para teus pés, vi que eles obedeciam a mim, e não ao Brel, então tive menos ciúme.
Ó amor! Logo deixarei de te amar! Mas antes é preciso que você seja minha e que eu seja seu! Possuir você me faria imortal!

(E foi então, que separado da Eliana, um dia descobri esta maravilha que é o Alcool. Lembro que bebi uns dois anos. Dormia uma noite, bebia dois dias. Os apartamentos acabaram, eu tinha dois, me mudei para o Bairro Peixoto e foi mais ou menos assim que Leila me encontrou. Talvez 26 anos?)



Essa moça da flor tem a minha idade. Somos amigos até hoje. Ou melhor, a mesma velha ranzinza e rejeitada continua encantadora. Não temos mais muito assunto. Ela chama-se, mentirei aqui, Lívia. Ainda não contei na minha obra o meu tórrido caso com ela. Era mulher de um amigo meu.

terça-feira, 29 de julho de 2008

ATUALIDADES:





Filósofo é diferente de um sábio. Um filósofo pode não ter nenhuma sabedoria, é amigo da sabedoria. Lei: "É preciso viver cada dia como se fosse o último."

Sempre acordo bem, de bom humor, agitado, resolvendo os problemas da véspera como se fossem simples. Hoje acordei diferente. Curioso, não sei o que foi que eu tomei, mas acordei com uma agitação fodida. Há muito tempo que quero criar o Grupo Fúria. Agora eu estou furioso. O motivo da minha fúria é o seguinte: Estou fazendo uma peça... uma não, estou fazendo duas, dez peças e dez filmes. Mas no momento estou fazendo uma peça chamada "Cabaré", no Canequinho, e escrevendo uma peça de teatro muito ambiciosa em parceria com o Luis Eduardo Soares, baseada numa história dele, sobre a violência e o crime organizado, essa coisa absurda que acontece no Brasil. Brasil primitivo e bárbaro. Os problemas que me enfurecem são dois. Na verdade, um. Eu jurei a mim mesmo que nesse ano eu tinha como meta me superar. 73 anos. 72 anos. Com o corpo todo enfraquecido, minado. Creio, há dois anos que não sei como está, não me examino. Mas a idade já me pesa bastante. Não estou me superando porra nenhuma, é dificílimo se superar. Mas pelo menos estou tentando, no momento estou tentando. Estou furioso. O motivo primeiro é o Cabaré, ou o Show, sei lá como aquilo se chama. "Os Sábados do Domingos". Está acontecendo a mesma coisa que aconteceu durante os cinco ou seis anos que faço esse show, diferentemente do que nos Cabarés que eu fiz no teatro acontecia. Lá era uma peça de teatro ensaiada e montada, esse show é mais um improviso. Estou saindo no prejuízo. Não é falta de gente, as pessoas adoram, eu sei como elas se sentem, eu já fiz esse show, é um acontecimento surpreendente, as pessoas ficam gratificadas com a liberdade do espetáculo, com a beleza das canções e das mulheres, etc, etc, etc. Ficam encantadas mas não vão e não levam as outras. Existem dois jeitos: melhorando o espetáculo, ou levando o público lá. Não necessariamente nessa ordem. Outra também que me enfurece é a minha outra peça que estou escrevendo com a Marcia Zanelatto, chama "Sangrenta Madrugada Sangrenta", pelo título já se vê o que é, e que está ótima, muito bem escrita, melhor do que qualquer um escreveria, porém ainda medíocre. É preciso mais loucura, mais loucura. Mais profundidade, mais acuidade, mais lembranças do que é a vida.



Bem, me acalmo. Não há nada demais. Eu não vou matar ninguém, não vou jogar ninguém de nenhum abismo. Vou me acalmar. Acalmo-me. Vejo o sol entrando oblíquo no meio da minha sala, são 7:30 da manhã. É uma bela manhã. Vou ler os jornais. Passar os olhos, que é o que se faz nos jornais. Mais do que isso seria demais desesperador. Para isso preciso dos meus óculos, onde estão os meus óculos?

São 15 para as 8. A Márcia chega às 9 para trabalharmos na peça. Tenho portanto uma hora, uma hora e pouco, para continuar essa loucura, ou melhor, essa fúria.

"Um PM foi morto com a mulher atingido com um tiro no rosto por um bandido em arrastão essa noite na Perimetral, em frente à Polícia Federal." "Domingo à noite duas mulheres foram assaltadas por menores que se passavam por malabaristas num sinal na Lagoa." "Nas ruas, jovens intimidam motoristas para lavar os vidros em troca de dinheiro". Frase: "Agora que passou, tudo está salvo, tudo está bem, pelo menos até o próximo assalto." Ass: Cora Ronai, jornalista, assaltada em arrastão sábado à noite em Botafogo.

Esse é o mundo no qual estou fazendo teatro e cinema.

Somente agüento ler as primeiras páginas dos jornais.

Nelson Sargento, que já foi meu amigo, pintou minha casa nos anos 60, ele era pintor de parede, lança mais um disco. Semana que vem no Canecão. Eu vou lá, eu vou lá. Detesto ir a show, mas eu vou lá. Ou senão ouço na internet o audio do samba-filme do Nelson Sargento com Zeca Pagodinho. www.oglobo.com.br/cultura.

Eu não vou agüentar essa fúria durante muito tempo. Esse é o problema da fúria. Depende do corpo, e o corpo não agüenta. Ainda mais aos 73 anos. Não estou me sentindo muito bem. Fúria mata. Não a quem a obedece, mas a quem a sente.

Falas do filme do "Batman", que eu detestei. Sobre o coringa: "nenhum saber, nenhuma ética, nada vai apagar o animal feroz que nos habita. Eu sou uma vanguarda." Ele diz pro Batman, no filme. "eu não quero te matar porque você me completa" "nada mais atraente do que a psicopatia inteligente" "e aí, pensamos: para que praticar o bem se ele não é mais possível? ele é uma invenção platônica iluminista nesse mundo sujo. E o mal? O mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o mal. O mal é um mecanismo de defesa. Para não denunciar o mal, vivemos dele."

Fala de Obama, antítese de Osama, ele diz:

"E Obama, agora ele surgiu cometendo o bem. Obama é uma antítese simétrica do Osama. Será que depois de uma década que Norma Mailer chamou de tempestade de merda a história deseja um espasmo de mudança para o bem?"

Osama, depois de Obama, depois de Batman, pode não apenas retirar o mal do mundo mas restaurar o bem perdido.

Interrompo a fúria porque meu coração bate forte e eu fico com medo de morrer. A fúria é maravilhosa, prazer imenso.

Fui à internet para me lembrar o que significa a palavra "atman". Significa a alma, mais ou menos. Na religião Hindu. Alma, eu, "you an atman" é o "eu sem alma". Ou seja, aquele integrado no todo. Me pergunto então o que será o Batman, o Catman, o Datman, o Fatman...







PASSADO:





3/1/61.

Sou um ignorante. Não me considerem um rapaz culto.
Estou lendo "Crime e Castigo" há cerca de três meses. Acho sensacional, linha a linha. Porque não leio mais? Não sei, mas devo saber. Reflito um instante.
Uma razão: quando eu leio minha vista cansa, fico com sono. Discutamos esse ponto: eu preciso comprar um par de óculos ou ler em horas menos avançadas da noite? Provavelmente preciso fazer as duas coisas.
Para isso preciso ir ao oculista. Para isso preciso de uma dose de paciência bastante grande. Sinceramente, não acredito que vá senti-la nos próximos tempos. Porque não leio de dia? No tempo em que eu andava de lotação bem que lia, viajante. Bem verdade que era pouco, ficava logo com enjôo. Agora tenho carro, não leio de dia para não perder tempo. Este argumento a primeira vista ridículo e improcedente talvez tenha procedência, senão vejamos: ou bem leio, ou bem trabalho (compreendo por trabalhar escrever, tratar dos meus filmes etc. Neste momento, por exemplo, estou trabalhando. Sei que a denominação não é própria, já que ninguém me paga e só o faço quando tenho vontade. Enfim, já me acostumei a ela. Bem verdade que no início foi um pouco para discutir com mamãe que insistia em me chamar vagabundo). Voltemos então: ou bem leio, ou bem trabalho. Por que não leio parte do dia e trabalho a outra parte? Não dá tempo. Nas poucas horas que me restam, preciso trabalhar, senão não fico famoso. Se quero ficar famoso? Não sei, mas responderei no próximo parágrafo.
A verdade é que gasto 90% do meu tempo em fazer nada, no máximo conversando.
E isso é assim, não tem jeito. Em nove décimos do dia, meus problemas pessoais não me permitem produzir.
Só se eu fosse louco, ou um porco, ou feliz, é que não seria assim.
Sofrer gasta tempo e eu sofro muito, juro que sofro, mas isso é assunto, para daqui há dois parágrafos, sendo assim, fico condenado a uma eterna ignorância. Não exagero: de Dostoievski, por exemplo, li "Crime e Castigo" (o primeiro volume quase inteiro), "Karamazoff" (metade do primeiro volume e "O grande inquisidor") e "Subsolo" (algumas frases). Adoro Dostoievski, como ele ninguém.

A terceira razão pela qual não leio é que gosto mais de escrever que de ler, por melhor que seja a leitura. Criar tornou-se um vício, é preciso saciá-lo e só disponho de 10% do dia. Mas isso não pode continuar assim. Preciso ler. É preciso chegar a uma solução. A única possível é me obrigar, terapeuticamente, a ler um livro por mês. Já tentei fazer isso, sem nenhum resultado.


(Este diário, continuação dos anteriores, é típico do final do meu primeiro casamento. Desencontros absolutos com Eliana, primeiras impotências, culpas terríveis e absolutamente infundadas quanto à Eliana, à minha mãe, a não ser culto, a querer ser artista. Invenções, bobagens criadas por um furor juvenil e pelos sustos diante da condição existencial - hoje igualmente assustadora.
Já tinha morrido "Seu Alvaro" com certeza, mas leia isto em "A primeira Valsa". Não devo ter me separado aos 21, comforme imagino e sim aos 24.)



Excertos de um possível livro denominado "Meu Deus, como sobrevivi?"

sábado, 26 de julho de 2008

PASSADO:


1958/22 anos/ durante a prova de Motores,
Faculdade Nacional de Engenharia:

Se vou ser um escritor, não sei, mas que a angústia constante e a paixão da escrita entraram em mim, disso tenho certeza. Minha inspiração vem quando chamo. A tinta azul, o papel branco... e o mundo desaparece. Somente fica comigo o que é belo ou irremediável e "minha alma se acalma nos versos que eu canto".

Um dos maiores aborrecimentos que tive aos 21/22 foi as bodas de prata de meus pais. Minha mulher, que odiava a sogra, resolveu transformar a questão de comparecer à missa das bodas numa querela religiosa radical. Os problemas, gravíssimos, eram da ordem de se sobe no altar ou se fica nos bancos da igreja, já que não acreditamos em Deus, se ajoelha com os outros ou não ajoelha etc. Incrível! Me pergunto se até hoje luto e sofro por problemas banais assim.

2/1/60. 24 anos

Tenho agora 24 anos. Este diário devia ter começado ontem. Seria mais simétrico. Para bem da verdade, devo explicar que não o fiz porque estava por demais desanimado para fazer qualquer coisa senão dormir.
No ponto final do parágrafo anterior parei e reli o que tinha escrito.
Essa atitude talvez não seja válida.
É preciso decidir o tom deste diário. É preciso resolver e declarar como e porque o escrevo.
Por que escrevo? Por várias razões. A principal é me fornecer um meio de meditação. Somente sei meditar em voz alta (evidentemente, usando um ouvinte) ou escrevendo. Poderia mesmo dizer, sem exagero, que meditar é para mim um ato anormal, ao qual a vida mais e mais me obriga. Meu estado interior natural é o absoluto vácuo.
Somente agora, com os 24 anos de idade, começo a aprender a juntar pensamentos de modo claro. Este vácuo porém é feito de caos e portanto me angustia. É preciso pensar. É preciso decidir, simplificar, metodizar. É preciso saber se sou contra ou a favor da pena de morte, se torço ou não pelo comunismo, até que ponto sou realmente um porco e, para isso, é preciso pensar.
Porque não excluo a possibilidade de outras pessoas lerem estas linhas, farei com que elas não contenham coisas por demais ligadas à minha vida íntima e sim paire no campo das idéias gerais. Outra vantagem importante das idéias gerais é obrigar-me a uma certa dignidade que me permite pensar melhor, e melhor encontrar-me. A parte de mim mais minha, aquela que se liga a meu cotidiano, ao meu passado e presente, me envergonha a tal ponto por sua fraqueza e superficialidade que não me permite falar dela. Tenho vergonha de mim? Tenho muita. É um dos meus sentimentos mais sinceros, menos intelectualizados.
Se meu diário não contém coisas íntimas, talvez não o devesse chamar de diário.
Mas se o escrevo um pouco cada dia?
Em todo caso, não chamo de diário, não chamo de nada.
Deixo em branco a linha do título, mas afinal, quero ou não ser lido? Não faço questão, a não ser por Eliana (minha mulher), é claro. Isso não impede que, em forma, eu me dirija a outros. Como já expliquei, o estilo, a dignidade.
Além do mais, não creio que esse escrito interesse a ninguém, certamente.
Ao público só se deve dar obras buriladíssimas. Assim mesmo eles não as entendem. Mostrar o meu íntimo a pessoas distantes me dá a sensação de ridículo. Eles não me conhecem, serão enganados. Não podem aquilatar o quanto eu gaguejaria para dizer essas coisas em lugar de escrevê-las, não podem saber que eu não os olharia nos olhos e, para terminar o assunto, vamos e venhamos: é ou não ridículo falar de modo firme, a não ser que se tenha morrido há ao menos um século?
Não devo porém, se o caso é psicanálise, riscar o que escrevo. Tudo deve ficar. O romântico, o dramático, o pretensioso, o falso e, assim sendo, descubro o título que faltava: Anotações sem risco, ou melhor, Anotações sem risco nem rumo.
Escrevo sem significação e canso, mas devo continuar, mesmo cansado (são 4 da manhã). Cansado, perco a pouca lucidez que tenho, fico mais ridículo ainda. Não digo nada, faço confusões. Não penso, estou cansado. Sinto dificuldade de falar.
Torno-me um imbecil. Minha boca fica mole, ensalivada como a dos imbecis. Minha cabeça, solidamente oca. Até meu sofrimento, meu querido e redentor sofrimento, até ele se amortece. Cansado, me anestesio, não sofro. Sou, mais que nunca, o porco.
Entretanto, repetindo Dostoieviski, nem um porco consegui jamais ser, tenho vocação somente. Muitas vezes - oh, quantas vezes! - quis enfrentar a porcaria, mas não consigo. Tenho em mim, também, sentimentos puros e nobres. Sentimentos ridículos, já que sou um porco, mas que me impedem de sê-lo.
Cansei, por hoje. Amanhã começo com a frase: "Sou um ingnorante", ponto que gostaria de esclarecer.

comentário feito anos depois (nota ao pé da página):

(Ou seja, eu era um menino neurótico de 24 anos, que ainda não tinha começado a viver, ou melhor, que vivia numa tormenta ridícula.
Um dia peguei um album de fotografias velhas, mergulhei nelas. Trabalhei muito e escrevi minha melhor peça, sobre minha infância ou o que fantasio dela. Chama-se "Do Fundo do Lago Escuro". Esse lapso entre os 10 anos de idade, no tempo "Do fundo ", até esses 24 anos esquisitos, também consegui contar uns pedaços. Comédia de adolescentes: "Somos todos do Jardim da Infância", depois transformado em " Era uma vez nos anos 50", depois numa quase saga panorâmica, "Os melhores anos das nossas vidas”, que em qualquer país com cinema daria um filme ótimo, à propósito - quem sabe ainda não faço? Otimismo.
Mas nem tudo eram comédias. Nesses 24 do diário acima eu já era casado e separado. Casei aos 21 e separei aos 23. Noivei aos 18 ou coisa assim. E isso é uma barra pesada que envolve meus primeiros encontros mais profundos com a Morte, o Amor e também com a Cultura, narrados na minha peça ainda inédita, mas já escrita há muito, chamada "A Primeira Valsa".




ATUALIDADES:


O show do Canequinho todo sábado. Hoje tem. Gasta um tempo enorme prepará-lo, embora não tenha importância nenhuma e nem dê dinheiro. Em tudo, sou muito organizado. Não no show. Fico em dúvidas cadentes até a última hora para descobrir o que quero cantar, qual é a hora do show, etc. Fora isso, estou absorvidíssimo na minha mais recente peça: "O Confronto", ou "Sangrenta Madrugada Sangrenta", história policial de assassinatos e outras violências, da qual cismei em fazer uma leitura amanhã de manhã. Além disso, minha secretaria está uma bagunça, não respondo emails, perco oportunidades, etc. Portanto, ainda não é tempo de anunciar o fim do mundo, mas é de parar o post de hoje.

Mais uma pequena coisa: Experimentem ver o "Era Uma Vez", por sua conta e risco. Agora não vejam o "Batman", que é um saco. Nenhum instante de poesia.

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