De vez em quando eu me confundo. Melhorou muito, antigamente era sempre. A razão de minha confusão nesta manhã de domingo é sobre o show. O “show do Domingos.” Por mais que tenha outros nomes, será sempre o show do Domingos. Não sei o que faço com ele. Se tiro de cartaz para sempre ou luto incondicionalmente para fazê-lo. Dúvidas tolas. Mas é assim mesmo. Para quem conhece o filme: Quero fazer do Cabaré um sucesso do mesmo modo que Barry Lindon quis ser marquês. Ou conde, sei lá. Mas para entender melhor, contemos do início. Aos dez anos de idade, minha professora de primário me pedia que eu cantasse baixinho o Hino Nacional, para não atrapalhar os outros mil alunos da escola. Todos com a mão no coração naquele ginásio enorme. Aos vinte, dançava bem, mas não podia abrir a boca para cantar. Era um desafinado. Aos quinze, pedi um piano de presente de aniversário para minha mãe. Meus pais me deram. E comecei a entoar umas coisinhas desafinadissimamente, embora conseguisse tocar “de ouvido”, mal, mas de ouvido. Aos trinta anos, me lembro do Simonal me botando para fora do côro no filme que fazíamos, etc. etc. O filme ficou uma merda. Qualquer dia conto essa estória. Sei que perdi a paciência quando, já nascida minha filha, e morando eu em Teresópolis, comprei um violão. “Se qualquer idiota toca esta porra, eu também posso tocar.” Ledo engano. Até hoje não toco violão. Nunca tive a coordenação necessária. Anos depois, quando dirigia o Teatro Planetário, cantei pela primeira vez, no Cabaré 1, em 96. Portanto, com mais de cinqüenta e cinco anos descobri que tinha a voz grave, entre o barítono e o baixo profundo. E que poderia cantar, se estudasse muito, até direitinho. Depois o Planetário acabou (fizemos quatro Cabarés nessa época, sempre com sucesso). Cantar me dá uma grande alegria. Indescritível, mesmo. De modo que não quis parar. E comecei a fazer esse show, uma forma mais informal, da mesma idéia do Cabaré (filosofia e música). Como sou o homem da palavra, segui Fernando Pessoa, quando diz que “a canção é uma poesia ajudada”. E que ajuda mesmo. Assim começou o show e o fracasso. Um fracasso estranho, pois amigos iam e gostavam muito, sentiam emoções extraordinárias, mas não traziam ninguém. Custei a compreender porque o boca a boca não funcionava, nesse caso. É muito simples: O pessoal do teatro não vai ver shows em bares. E o pessoal dos shows não vai me ver, porque eu não sou cantor. De modo que o espetáculo, por melhor que seja, fica nesse limbo, só vai “diretoria”. Amigos famosos, gente notória, mas o público mesmo, não vai. Fizemos no Bistrô, no Cinemathèque, no Lounge da Lagoa, no Mistura Fina, foi sempre a mesma coisa. Pessoas gostando cada vez mais, porém neca de público. Os cantores não-cantores (Denise Bandeira e Dedina Bernardelli), eu, atrizes, atores etc etc etc, divertindo-se cada vez mais, o show cada vez melhor...
E no mais, ninguém. Como pode uma platéia adorar um espetáculo e não ser um sucesso? Pode tudo. No Show Business, como na vida, vale tudo. O espetáculo transformou-se num “lugar de convidados”. Ou de ingresso barato para os amigos. Ou seja, não se paga. Leva um prejuizozinho. E dá um trabalho danado. Resumo, enchi dessa situação. Adoro cantar, quero morrer cantando, mas assim não dá! Há algo errado. E eu fico pensando o quê. Certamente por causa do já citado “desenfoque mercadológico”. Porém, pensei hoje, não só por isso. Não sei se vai interessar as pessoas ler isso. Nada mais chato que a dúvida dos outros. Por outro lado, podem compreender e até ajudar. O show atualmente tem uma multidão no palco. Tudo gente legal. Nós nos amamos e botamos todo esse amor no palco. É uma das razões do “sucesso”. Somos de 13 a 15, ou seja, financeiramente inviável, num bar pequeno. Num bar grande eu não quero botar. Nem num teatro, tenho certeza que perde a intimidade, a linguagem. De modo que para existir “Sábados do Domingos” ou “Onde é a festa sábado?”, para completar minha experiência sobre o “Teatro-Festa”, é preciso arranjar um patrocínio. Ponto, acabou. Faço os dois últimos no Canequinho sábados 13 e 20 de setembro, e fechamos. Até arranjar um cada vez mais suposto patrocínio. Aconselho que vocês compareçam em um deles, não por causa do dinheiro, isso não me importa mais, mas sim porque vai ser ótimo! É muito afeto em cena, espectador e cantores. Chega a fazer barulho. Claro que eu poderia fazer um pocket-show e reduzir o número de pessoas. Mas não tenho coragem de botar ninguém pra fora e não seria este show. “O Show do Domingos”. Ao contrário, nesse cada vez entra mais gente. Gente irresistível que entra por amor à arte. Todos fariam muita falta. Todos são imprescindíveis e amados. Ficariam decepcionadíssimos. E o teatro não vale tanto. Não seria o mesmo show. Mas como eu ia dizendo antes de tergiversar, o show tem um defeito. Tem vários shows dentro dele. Isso acontece muito com o criador da arte. Ter várias peças numa peça, vários filmes num filme. É sempre muito difícil extrair os intrusos. Quero dizer que esse show contém:
1) O Pocket: eu, piano, bateria e duas inteligentes cantantes, onde inclusive teria a oportunidade de mostrar as minhas músicas, coisa que meu pudor (não é uma surpresa eu ter isso) não me deixa mostrar até agora. E sem filosofia.
2) O Show Temático. Quero dizer: a turma do Domingos, ou melhor, o Grupo Fúria, apresenta Noel Rosa. Ou A História do Samba. Seria maravilhoso este também. E mais fácil de viabilizar, posto que caberia num teatro.
Enfim, eis o que aprendo nestes fracassos (fracasso ou sucesso, é tudo igual). Não tenho que fazer meu show, tenho que fazer três. O grandão, o pocket e o temático. Vejam só que miséria. Estou querendo diminuir os meus planos. Não multiplicá-los. Não tenho mais idade pra isso. Socorro!
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2 comentários:
Oi Domingos. Estamos nessa manhã de Domingos, 07 de setembro preparando um seminário sobre você e Do Tamanho da vida. Somos alunas do Tablado. Que alegria ver essa publicação sua justamente hoje que estamos pensando em você!!!!
Estivemos no Canequinho justamente no sábado que o Show foi cancelado.
Prometemos arrastar nossos amigos para um desses últimos dias, não sabemos quantos, mas nos veremos lá. Uma promessa. É preciso saber aproveitar as oportunidades: um bom espetáculo, aquele ballet, aquele recital, aquele shop com o amigo que há muito tempo não vemos... mas as pessoas vivem cheias de opções, problemas, desculpas e tudo fica para amanhã e a vida passa. Prometemos sair da janela!!!!!
Ah, estamos pesquisando sobre o Domingos de hoje, aos seus 72 anos... O que pensa e como se sente hoje esse personagem tão importante para a história do teatro e do cinema brasileiro?
Se quiser e puder responder, levamos esse seu recado a essa gente nova do teatro que PRECISA te conhecer.
Abraços,
Kuca Ramos e Helena Giffoni
flaviadorneles@yahoo.com.br
Oi Domingos, estive ontem no seu show no canequinho e, apesar de todas as previsões de amigos que recusaram-se a me acompanhar simplesmente porque eu não sabia explicar direito do que se tratava o espetáculo e achavam que eu ia me deprimir, mesmo sozinho eu me diverti horrores.
Fui na coragem porque adoro seu programa no Canal Brasil e todos os seus filmes, mas não esperava tanto. Without You, Nervos de Aço, There's no business like showbusiness, filosofia, humor, simpatia, espontaneidade, tudo isso junto, poucos conseguiriam fazer.
Deu pra reparar na cara de todo mundo que participa do show a felicidade em estar fazendo aquilo.
Já tinha perdido outra temporada sua às segundas em Ipanema há muitos anos atrás porque era muito novo não gostava de sair sozinho, mas desta vez eu não dei mole.
Será uma pena se acabar, mas já fico feliz de ter participado daquele momento unico, como você mesmo disse ontem.
Um abraço,
Rodrigo.
P.s.: Pode mandar por e-mail notícias sobre novos shows ou peças suas se quiser:
r_murad@uol.com.br
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