ATUALIDADES:
Filósofo é diferente de um sábio. Um filósofo pode não ter nenhuma sabedoria, é amigo da sabedoria. Lei: "É preciso viver cada dia como se fosse o último."
Sempre acordo bem, de bom humor, agitado, resolvendo os problemas da véspera como se fossem simples. Hoje acordei diferente. Curioso, não sei o que foi que eu tomei, mas acordei com uma agitação fodida. Há muito tempo que quero criar o Grupo Fúria. Agora eu estou furioso. O motivo da minha fúria é o seguinte: Estou fazendo uma peça... uma não, estou fazendo duas, dez peças e dez filmes. Mas no momento estou fazendo uma peça chamada "Cabaré", no Canequinho, e escrevendo uma peça de teatro muito ambiciosa em parceria com o Luis Eduardo Soares, baseada numa história dele, sobre a violência e o crime organizado, essa coisa absurda que acontece no Brasil. Brasil primitivo e bárbaro. Os problemas que me enfurecem são dois. Na verdade, um. Eu jurei a mim mesmo que nesse ano eu tinha como meta me superar. 73 anos. 72 anos. Com o corpo todo enfraquecido, minado. Creio, há dois anos que não sei como está, não me examino. Mas a idade já me pesa bastante. Não estou me superando porra nenhuma, é dificílimo se superar. Mas pelo menos estou tentando, no momento estou tentando. Estou furioso. O motivo primeiro é o Cabaré, ou o Show, sei lá como aquilo se chama. "Os Sábados do Domingos". Está acontecendo a mesma coisa que aconteceu durante os cinco ou seis anos que faço esse show, diferentemente do que nos Cabarés que eu fiz no teatro acontecia. Lá era uma peça de teatro ensaiada e montada, esse show é mais um improviso. Estou saindo no prejuízo. Não é falta de gente, as pessoas adoram, eu sei como elas se sentem, eu já fiz esse show, é um acontecimento surpreendente, as pessoas ficam gratificadas com a liberdade do espetáculo, com a beleza das canções e das mulheres, etc, etc, etc. Ficam encantadas mas não vão e não levam as outras. Existem dois jeitos: melhorando o espetáculo, ou levando o público lá. Não necessariamente nessa ordem. Outra também que me enfurece é a minha outra peça que estou escrevendo com a Marcia Zanelatto, chama "Sangrenta Madrugada Sangrenta", pelo título já se vê o que é, e que está ótima, muito bem escrita, melhor do que qualquer um escreveria, porém ainda medíocre. É preciso mais loucura, mais loucura. Mais profundidade, mais acuidade, mais lembranças do que é a vida.
Bem, me acalmo. Não há nada demais. Eu não vou matar ninguém, não vou jogar ninguém de nenhum abismo. Vou me acalmar. Acalmo-me. Vejo o sol entrando oblíquo no meio da minha sala, são 7:30 da manhã. É uma bela manhã. Vou ler os jornais. Passar os olhos, que é o que se faz nos jornais. Mais do que isso seria demais desesperador. Para isso preciso dos meus óculos, onde estão os meus óculos?
São 15 para as 8. A Márcia chega às 9 para trabalharmos na peça. Tenho portanto uma hora, uma hora e pouco, para continuar essa loucura, ou melhor, essa fúria.
"Um PM foi morto com a mulher atingido com um tiro no rosto por um bandido em arrastão essa noite na Perimetral, em frente à Polícia Federal." "Domingo à noite duas mulheres foram assaltadas por menores que se passavam por malabaristas num sinal na Lagoa." "Nas ruas, jovens intimidam motoristas para lavar os vidros em troca de dinheiro". Frase: "Agora que passou, tudo está salvo, tudo está bem, pelo menos até o próximo assalto." Ass: Cora Ronai, jornalista, assaltada em arrastão sábado à noite em Botafogo.
Esse é o mundo no qual estou fazendo teatro e cinema.
Somente agüento ler as primeiras páginas dos jornais.
Nelson Sargento, que já foi meu amigo, pintou minha casa nos anos 60, ele era pintor de parede, lança mais um disco. Semana que vem no Canecão. Eu vou lá, eu vou lá. Detesto ir a show, mas eu vou lá. Ou senão ouço na internet o audio do samba-filme do Nelson Sargento com Zeca Pagodinho. www.oglobo.com.br/cultura.
Eu não vou agüentar essa fúria durante muito tempo. Esse é o problema da fúria. Depende do corpo, e o corpo não agüenta. Ainda mais aos 73 anos. Não estou me sentindo muito bem. Fúria mata. Não a quem a obedece, mas a quem a sente.
Falas do filme do "Batman", que eu detestei. Sobre o coringa: "nenhum saber, nenhuma ética, nada vai apagar o animal feroz que nos habita. Eu sou uma vanguarda." Ele diz pro Batman, no filme. "eu não quero te matar porque você me completa" "nada mais atraente do que a psicopatia inteligente" "e aí, pensamos: para que praticar o bem se ele não é mais possível? ele é uma invenção platônica iluminista nesse mundo sujo. E o mal? O mal virou uma necessidade social. Não dá mais para viver sem praticar o mal. O mal é um mecanismo de defesa. Para não denunciar o mal, vivemos dele."
Fala de Obama, antítese de Osama, ele diz:
"E Obama, agora ele surgiu cometendo o bem. Obama é uma antítese simétrica do Osama. Será que depois de uma década que Norma Mailer chamou de tempestade de merda a história deseja um espasmo de mudança para o bem?"
Osama, depois de Obama, depois de Batman, pode não apenas retirar o mal do mundo mas restaurar o bem perdido.
Interrompo a fúria porque meu coração bate forte e eu fico com medo de morrer. A fúria é maravilhosa, prazer imenso.
Fui à internet para me lembrar o que significa a palavra "atman". Significa a alma, mais ou menos. Na religião Hindu. Alma, eu, "you an atman" é o "eu sem alma". Ou seja, aquele integrado no todo. Me pergunto então o que será o Batman, o Catman, o Datman, o Fatman...
PASSADO:
3/1/61.
Sou um ignorante. Não me considerem um rapaz culto.
Estou lendo "Crime e Castigo" há cerca de três meses. Acho sensacional, linha a linha. Porque não leio mais? Não sei, mas devo saber. Reflito um instante.
Uma razão: quando eu leio minha vista cansa, fico com sono. Discutamos esse ponto: eu preciso comprar um par de óculos ou ler em horas menos avançadas da noite? Provavelmente preciso fazer as duas coisas.
Para isso preciso ir ao oculista. Para isso preciso de uma dose de paciência bastante grande. Sinceramente, não acredito que vá senti-la nos próximos tempos. Porque não leio de dia? No tempo em que eu andava de lotação bem que lia, viajante. Bem verdade que era pouco, ficava logo com enjôo. Agora tenho carro, não leio de dia para não perder tempo. Este argumento a primeira vista ridículo e improcedente talvez tenha procedência, senão vejamos: ou bem leio, ou bem trabalho (compreendo por trabalhar escrever, tratar dos meus filmes etc. Neste momento, por exemplo, estou trabalhando. Sei que a denominação não é própria, já que ninguém me paga e só o faço quando tenho vontade. Enfim, já me acostumei a ela. Bem verdade que no início foi um pouco para discutir com mamãe que insistia em me chamar vagabundo). Voltemos então: ou bem leio, ou bem trabalho. Por que não leio parte do dia e trabalho a outra parte? Não dá tempo. Nas poucas horas que me restam, preciso trabalhar, senão não fico famoso. Se quero ficar famoso? Não sei, mas responderei no próximo parágrafo.
A verdade é que gasto 90% do meu tempo em fazer nada, no máximo conversando.
E isso é assim, não tem jeito. Em nove décimos do dia, meus problemas pessoais não me permitem produzir.
Só se eu fosse louco, ou um porco, ou feliz, é que não seria assim.
Sofrer gasta tempo e eu sofro muito, juro que sofro, mas isso é assunto, para daqui há dois parágrafos, sendo assim, fico condenado a uma eterna ignorância. Não exagero: de Dostoievski, por exemplo, li "Crime e Castigo" (o primeiro volume quase inteiro), "Karamazoff" (metade do primeiro volume e "O grande inquisidor") e "Subsolo" (algumas frases). Adoro Dostoievski, como ele ninguém.
A terceira razão pela qual não leio é que gosto mais de escrever que de ler, por melhor que seja a leitura. Criar tornou-se um vício, é preciso saciá-lo e só disponho de 10% do dia. Mas isso não pode continuar assim. Preciso ler. É preciso chegar a uma solução. A única possível é me obrigar, terapeuticamente, a ler um livro por mês. Já tentei fazer isso, sem nenhum resultado.
(Este diário, continuação dos anteriores, é típico do final do meu primeiro casamento. Desencontros absolutos com Eliana, primeiras impotências, culpas terríveis e absolutamente infundadas quanto à Eliana, à minha mãe, a não ser culto, a querer ser artista. Invenções, bobagens criadas por um furor juvenil e pelos sustos diante da condição existencial - hoje igualmente assustadora.
Já tinha morrido "Seu Alvaro" com certeza, mas leia isto em "A primeira Valsa". Não devo ter me separado aos 21, comforme imagino e sim aos 24.)
Excertos de um possível livro denominado "Meu Deus, como sobrevivi?"
terça-feira, 29 de julho de 2008
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4 comentários:
"Meu Deus, como sobrevivi?" vai ser um best-seller, creia nisto. Vai bater o livro da Maitê Proença. Eu tô na fila!
Obama & Osama, daria um bom livro, documentário, peça, sei lá.
quando vc ler pf sou eu (pedro furtado).
Também estou acordado. Essa briga entre a persona e a sombra tem que ser resolvida numa terceira instancia da consciencia!
Miguel Oniga
Só não leia após as refeições é péssimo!Tenho um amigo que come e lê o que estiver sobre a mesa não sei como ele consegue.
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