Meu distribuidor me telefona uma semana antes do Festival do Rio acabar, transmitindo o interesse dos jornalistas em dar uma página para uma entrevista conjunta. Eu e um menino de vinte anos, aluno da PUC, que estava dizendo ser igualzinho a mim. Desconversei. Não quis dar a entrevista botando fogo nesse modismo petista de opor veteranos a principiantes, etc.
Não consigo ver o fato de ter feito muitos filmes como um defeito. Porém no dia marcado fui rente feito pau quente para o Odeon assistir o filme do menino, do "Dominguinhos". Quase não consegui entrar, de tão cheio que estava. A juventude da PUC, solidária. Preferi o segundo andar, e de repente me descobri num cinema lotado, muito mais gente do que no meu filme, de jovens animados e lindos... Mas como não tenho medo de fantasmas, comecei a ver o filme com boa vontade. Era incrível. O cara filmava igualzinho a mim! Usava o mesmo tipo de linguagem baseada em Truffaut e Godart, mesmos planos, mesmos movimentos e enquadramentos, lentes! E muito mais que isso, o menino não ultrapassava, como eu, os limites da sua própria vivência. Sua câmera não é racional. Ela é intuitiva. E por isso, o filme fluia como os filmes meus. Comecei a ficar animadíssimo. A ponta de inveja foi desaparecendo com a emoção que o filme me causava. É o seguinte: uma moça que chega na primeira sequência para acabar um namoro. E namorado e namorada caminham e sentam pelos jardins da PUC discutindo o indiscutível. Sim, porque eles se amam! Não há o menor motivo para eles se separarem a não ser o de serem jovens e, por isso, terem de sofrer de amor. Uma estrutura muito semelhante ao excelente "Antes do Amanhecer". Durante a conversa, encontram um colega, depois um grupo de colegas, não acontece muita coisa. No melhor momento do filme eles vão fazer xixi, cada um no seu banheiro, e lá dentro choram. Depois saem sorridentes, pimpões, e seguem conversando. Em palavras que, às vezes, a gente não entende, porque está por fora dos videogames, das ideosincrazias típicas da juventude.
Fui cumprimentar o diretor menino no hall. Era uma figura estranhíssima. Todo coberto de casacos e barbas e bigodes, mais baixo que eu e revelando, por trás do "disfarce", os olhos inteligentes e jovens. Tive vontade de despi-lo de toda aquela fantasia para ver como ele é. Parece bonito. Mas não pude que também nesse caso particular, ele age como eu. Qualquer situação perigosa boto logo um terno e gravata e se possível cachecol. Mateus apertou a minha mão com a sua fria, gaguejava de nervoso. Senti imediatamente que para ele eu era um ícone.
Os adolescentes do filme de Mateus têm o mesmo gênero dos outros em todo o mundo. Como explicar? É uma cara blazer de quem já conhece tudo e não tem nada a ver com nada disso, uma ironia constante, um constante "tudo bem, tudo ótimo, eu não sou daqui" e achando divertido. Estes mesmos adolescentes são retratados na obra prima de Gus Van Sant, "Paranoid Park". Van Sant é mais velho e consgue estabelecer a explicação desse comportamento diferente. Quando um deles precisa do mundo (pais, professores, namoradas) eles nunca estão lá. O mundo é mais carente que eles, pobres rapazes e moças sem direção e sem emprego. De modo que resta apenas fingir que você não ligou, que nada tem importância, etc. O filme de Van Sant é magnífico. Jamais depois disso falei com os jovens do mesmo modo.
O filme do Mateus não é tão bom assim mas se iguala na verdade e seus depoimentos. O menino sabe filmar. Nasceu sabendo. Não parece que ele saiba muita coisa mais. Perguntei ao redor quem era a sua mãe na suspeita que poderia ser um filho bastardo meu. Mas é só uma brincadeira. Ficamos amigos e está fazendo uma assistência de direção de meu curso e montagem que estréia em Janeiro: "O Apocalipse Segundo Domingos Oliveira".
Mateus tem a insegurança natural inevitável. Evita se meter, evita dar opiniões, outro dia me perguntou o que faz um assistente de direção. Respondi: Como você? Tem de descobrir o que faz. O assistente faz o que ele percebe que é preciso. Quero dizer, baseado na minha experiência no assunto, que Mateus é como o digital. Veio para ficar. Ele é um general do exército que marchará sobre nossas cabeças. Sabe filmar, o que é muito raro entre nós. Longa vida, Mateus Souza!
Ass. Dominguinhos.
quinta-feira, 6 de novembro de 2008
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