domingo, 16 de outubro de 2011

Sugestão de Pauta




Alberto Salvá

Morreu Alberto Salvá. A morte de um grande amigo é coisa muito dura. E a coisa se agrava se a amizade foi por mais de quarenta anos, sobretudo - descobri agora -, se o amigo for mais moço que você. Quando conheci Alberto Salvá ele era um rapaz agitado como a Catalunha de onde veio com sua modesta família. Um dos mais famosos catalãos é Salvador Dalí, outro é Buñuel. Salvá foi igualmente influenciado pelos dois, herdando deles uma audácia e um amor pelos movimentos de vanguarda que me fascinaram imediatamente ao conhecê-lo. Botei-o para fazer a edição de “Edu Coração de Ouro”, meu segundo filme, e desde então ficamos amigos. Durante os tempos hippies, quando fomos vizinhos em Teresópolis, tivemos uma inteligente e gratificante convivência.




Salvá sempre se interessou pela possibilidade de um cinema barato, “low budget”. Era autor, escrevia ele mesmo as histórias que pretendia filmar e, no início da carreira, em 1971, realizou um notável longa metragem chamado Um homem sem importância, protagonizado por Oduvaldo Viana Filho e Glauce Rocha. O filme é um dos melhores já feitos no Brasil, segundo as cabeças bem pensantes.



Como diretor/autor Salvá fez 14 filmes, entre os quais o unanimemente aplaudido Menina do Lado, além de ter realizado muitos trabalhos para televisão e escrito vários roteiros para outros cineastas. Era também fotógrafo, montador e, até o ano passado, subia os labirintos da Rocinha, de moto-táxi para ministrar oficinas de Roteiro. Enfim, Alberto Salvá foi um importante homem do cinema, extraindo dele seu sustento e deleite, embora sempre arduamente. Salvá nos fará muito falta, como artista, como companheiro, como amigo. Ele nunca teve papas na língua quando se tratava de política cinematográfica. Bom literato, ganhou o primeiro prêmio da Revista Playboy com o excelente conto “Alice” e, em parceria comigo, uma sofisticada pornochanchada baseada em histórias do jovem Marquês de Sade: “As Deliciosas Tradições do Amor”.



Seu pensamento era em geral voltado para as mulheres e assuntos sexuais, mas também para um sofisticado esoterismo, além do espírito crítico constante quanto à sociedade em que viveu. Foi casado meia dúzia de vezes e suas ex-mulheres estavam todas reunidas, em harmonia, acompanhando com carinho os últimos momentos do meu amigo. Ele teve dois filhos, Melanie e Gabriel, que o ampararam com extrema dedicação e iluminaram o final de sua vida.




"Um Homem sem importância"

É de estranhar que Alberto Salvá sendo pessoa tão interessante não tenha tido o devido reconhecimento em comparação com outros profissionais de sua geração. Explica-se: embora profundo e com aguçado senso de humor, Salvá era um homem puro, simples, sem piruetas intelectuais, com a rudeza de sua origem catalã. Ou seja, não talhado para conquistar um lugar ao sol no meio cinematográfico liderado pelo cinema novo dos anos 60, vale dizer por gente bem formada ou bem nascida. Salvá foi um incansável trabalhador, com sólida cultura cinematográfica adquirida empiricamente e sempre em meio às dificuldades financeiras. Não será o primeiro nem o último artista a passar por isso, num país como o nosso onde ainda não foi compreendida a importância social dos artistas. Salvá foi um guerreiro no sentido de Castañeda, um de seus autores prediletos.




Apesar das limitações, suas qualidades humanas e profissionais conquistaram uma legião de fãs, amigos e discípulos. Deixa um filme inédito, que merece toda atenção de cineastas e demais pessoas ligadas ao cinema. Vi o copião, já previamente montado. É um filme maldito, pessoal, escandaloso e sem dúvida, interessantíssimo. Não sei mais o que dizer sobre o Salvá. Quando se fala muito acaba não se dizendo nada. Acrescento apenas que a obra e a vida deste homem merecem ser estudadas e documentadas para as futuras gerações.



Rio, 16 de Outubro de 2011



Domingos Oliveira.


E-MAIL ENVIADO PARA: Isabel de Luca, Paulo Mendonça, Rodrigo Fonseca, Maria do Rosário Caetano, Revista de Cinema e este blog.
"Um Homem sem Importância"

2 comentários:

Anônimo disse...

Domingos,
Você captou ao longo da tua amizade com o Alberto (Salvá) as nuances mais sutis dessa pessoa ímpar que foi esse meu companheiro, mestre e amigo, a quem conheci pessoalmente como aluna em 1998, num instigante curso de Dramaturgia para Cinema.
Apóio totalmente tua sugestão de pauta, pois a multiplicidade de qualidades pessoais e talentos profissionais que você aqui resumiu tão bem, merecem ser melhor desenvolvidos, sem sombra de dúvida. Até porque, o que se vem registrando sobre esse que foi um guerreiro incansável, tem lacunas que até agora não foram devidamente preenchidas. Existe todo um trabalho desenvolvido árduamente pelo nosso amigo em seus últimos 10 anos de vida, os quais acompanhei bem de perto - inclusive como colaboradora - que parece invisível ao grande público, mas que existiu na prática de formar pessoas, filmar para fins institucionais ou não, e, sobretudo: escrever. Alberto nunca deixou de escrever, e tem inclusive roteiros justamente premiados, dos quais um filmado ("Amigas", um média metragem), além de excelentes outros que estão até hoje na prateleira, juntamente com um livro didático quase completo e uma série de contos inéditos. A realização de "Na Carne e na Alma", que acompanhei desde a primeira linha, foi um ato particularmente heróico do Alberto, com a cumplicidade daqueles que tiveram olhos para enxergar além dos estereótipos que tanto o irritavam. Salvá seguiu sempre se atualizando, mesmo diante de todas as dificuldades que enfrentava, e seu texto fluía cada vez mais ágil, criativo e diversificado. Sou testemunha de que ele trabalhou até o final de seus dias, mesmo já muito doente, e considero que o mínimo que sua agora memória merece é o lançamento de seu último filme, que está pronto.
Abraços,
Grata,
Olga.

Anônimo disse...

Daqui de Osasco/SP, deixo registrado minhas maiores e melhores energias a tudo que vc. Domingos nos ensina, diverte e emociona!
Olga, não só realçou a importância de Salvá maravilhosamente ressaltada por ti, como tb. nos chama à atenção que, outras estrelas vivíssimas como Norma Benguel, Ana Carolina E OBVIAMENTE DOMINGOS OLIVEIRA por ex., bem que igualmente poderiam ser pautadas " toda hora".
BEM, O PROXIMO DIA 5/11, DIA DO CINE BRASILEIRO, PODERIA SER UM BELO GANCHO, NÃO É?
No nosso Cine Debate desse dia com certeza vou repercutir tudo isso: nosso "aperitivo" será "Os Libertários" de Lauro Escorel.
A SINTONIA ESTÁ FEITA!!!
ABRAÇOS
RUI
rsouza08@yahoo.com.br