segunda-feira, 31 de maio de 2010
2. INÉDITO
Atualmente não me sai da cabeça a vontade de fazer um filme realmente marginal. Com câmera dos amigos,câmera de telefone, máquina fotográfica etc, com um único carro da produção, e cinco pessoas no máximo da equipe, porque 5 é o que cabe em um carro. Com o som direto da câmera, um gravador talvez, sem continuísta, sem diretor de arte, sem foquista e sem câmera man. Os atores se filmam uns aos outros. Ou eu filmo, não interessa. É o BOAAR (Baixo Orçamento e Alto Astral Radical). Sei que um BOAAR não tem nem entrada no mercado. Vou ter que inventar lugares, circuitos alternativos, para que vejam esse tipo de filme. Chamar-se-á, se Deus quiser, “Lugares Estranhos”, episódios com duração variada. Um tipo de texto que vem de uma faceta minha que o público não conhece. Tem tudo pronto. Qualquer dia começo.
Segue um deles:
“BALÃO”
ROTEIRO SOLO
DE DOMINGOS OLIVEIRA
PARA APENAS UM PERSONAGEM
(duração 5 minutos)
pode também chamar-se
“Longe
da multidão
insensata”
/IMAGEM ZERO : um balão subindo, em close, camera lenta. Ele atravessa edifícios. sobe cada vez mais, afasta-se da cidade lá embaiXo /TRUCAGEM DE COMPUTADOR/
SEQUENCIA 1:
Corredor de um apartamento, de portas. Ouvimos o tocar de uma campainha.
Vemos uma porta entreabrir-se e o ponto de vista: ela no corredor
ELA
tentando controlar um intenso nervosismo/ para a câmera ‘/
Queira me desculpar. Eu sou sua vizinha de cima. Não se lembra de mim? Cruzamo-nos uma ou duas vezes no elevador. Prazer. É que aconteceu uma coisa muito estranha e necessito de sua ajuda. Meu apartamento desapareceu. Como lhe digo: desapareceu. Venha, eu lhe mostro. Moro na cobertura. Chego todos os dias por este elevador e subo uma escada. Onde está a escada? Até hoje de manhã estava aqui e agora não está mais. O senhor se lembra, não? Da escada que estava aqui?
SEQUENCIA 2
NUMA DELEGACIA DA ZONA SUL.
CAMERA SE APROXIMA DO BALCÃO. PONTO DE VISTA.
AGORA VEMOS ELA, DO PONTO DE VISTA DO BALCÃO.
ELA-/ NERVOSA
Eu queria registrar uma queixa. Eu moro na cobertura da rua xxx número x e hoje meu apartamento desapareceu. Queria que meu registro fosse colocado em plano de prioridade, exijo medidas imediatas da polícia. O apartamento não era meu, era alugado. Além disso toda minha família se encontrava dentro dele. Parentes? Claro que tenho parentes. Saiba o senhor que pertenço a uma das famílias mais tradicionais dessa cidade.
SEQUENCIA 3
ORELHÃO NA RUA.
Plano geral, depois próximo: Ela no orelhão.
ELA- /EMOCIONADA/
alô, pai! Eu queria falar com papai. Como não mora ninguém aí com esse nome? Como um engano? Queira desculpar.
SEQUENCIA 4
NUMA RUA QUALQUER.
Ela fala com um guarda. Porem não precisamos mais descrever o geral, basta o contraplano dela falando com o guarda.
ELA - /INDIGNADA/
senhor guarda, posso ter um momento da sua atenção? Já procurei superiores seus e não fui tratada com a consideração devida. Meu apartamento desapareceu hoje pela manhã. E temo que também tenha desaparecido a casa onde mora meu pai. O senhor faz a ronda desse quarteirão há quanto tempo? Ótimo. Então é exatamente a pessoa que necessito. Entre aquela casa amarelada e este edifício não existia uma outra casa? Pense bem. Uma outra casa, baixa, com um portão de ferro?
SEQUENCIA 5
NUM ESCRITORIO DO CENTRO DA CIDADE. LUGAR LUXUOSO, VENDO A CIDADE EMBAIXO. MOVIMENTO MESAS,COMPUTADORES.
ALFREDO ESTÁ DIANTE DELA, MAS NÃO O VEMOS DE FRENTE, SOMENTE O CONTRAPLANO
ELA - /EXALTADA/
Alfredo! Graças a deus é você! Até que enfim encontro alguém, você está sempre aqui!. Alfredo, estou precisando muito de você.
/ENTRA NA ESCRITÓRIO, PLANO GERALISSIMO COM PERSPECTIVA DEFORMADA, MOSTRANDO O ESCRITÓRIO DE ALFREDO. NO FUNDO, ELA E ALFREDO./
ELA
Não, por favor, tem de ser agora. Muito obrigada. Obrigada. Esperarei aqui mesmo. Tanto tempo quanto for preciso. Obrigada.
SEQUENCIA 6:
NA SALA DE ALFREDO, ESCRITORIO.
CÂMERA ENTRA NA SALA , NÃO VEMOS ELA NEM ALFREDO, SUBJETIVA.
ELA -/ TENTANDO SER CLARA/
Não sei o que seria de mim se você não tivesse vindo. Não sei como agradecer, você é o único amigo que tenho, detesto incomodar. Você sabe. Meu apartamento desapareceu, Alfredo, a casa de papai também. E Dora! Minha maior preocupação é Dora. Ela estava no apartamento. Se o apartamento desapareceu é porque deve ter ido parar em algum lugar. Imagine como Rogerio deve estar aflito, surgindo assim, de repente, em um lugar estranho. As crianças. Com ele!... Rogerio é tão sem expediente, nunca soube tratar das crianças...
AGORA NUM PLANO PRÓXIMO. NUM QUARTO DO APARTAMENTO DE ALFREDO. ALFREDO ESTÁ DIANTE DELA , SOMENTE O VEMOS EM CONTRAPLANO FECHADO, DETALHE EM SUPERCLOSE.
ELA
O que há com você, Alfredo? Seu rosto parece diferente. Sim, claro, é o bigode. Você sempre usou bigode?
SENTIMOS QUE ELE RESPONDE MAS NÃO OUVIMOS A VOZ.
ELA
Então não sei. Perdoe. É alguma coisa com o seus olhos, talvez as sobrancelhas. Você está diferente.
Hoje. Alfredo querido, me faça um favor. Será que poderíamos ir até a sua casa? Eu gostaria muito de dormir um pouco. Foi uma noite agitada, não durmo há muito tempo, um dia agitado. Estou cansada.
SEQUENCIA 7
NO APRTAMENTO DE ALFREDO.
LUXUOSO.PARECE UM QUARTO DE HOSPEDE, ELE ESTÁ AJUDANDO ELA A DEITAR. NUNCA O VEMOS DE PERTO NEM DE FRENTE. SOMENTE ELA APARECE.
ELA
Obrigada, não. De mais nada. Não. Não sei como agradecer, caro Alfredo. Dormindo um pouco tenho certeza que melhorarei.
/ CONTRAPLANO DELA, ALFREDO DE COSTAS/
ELA
Eu já começava a me sentir leve de novo e não quero que isso se repita. Tudo menos isso. Não lhe contei? Perdoe, conto. Outro dia comecei a me sentir cada vez mais leve. Leve. Sempre muito ocupada, não liguei. Você sabe como a gente cuida pouco da saúde. De repente, sem que eu desse por isso, meus pés se despregaram do chão. Comecei a subir. Como um balão!
INSERT/VEMOS A IMAGEM . PESSOAS NA RUA TENTANDO SEGURAR ELA , QUE SOBE, SAI DO ChÃO (pendurada numa grua, somente vemos os pés e as pessoas)/
ELA OFF-
...algumas pessoas da rua ainda tentaram me segurar, mas foi em vão. subi tanto que a cidade ficou pequena, lá embaixo.
PLANO DE HELICOPERO. INSERT.
ELA
...consegui descer através de um artifício... quero contar-lhe isso também...
/ A CENA VOLTA AO QUARTO, PONTO DE VISTA DE ALFREDO, ELA DEITADA/
ELA
... Mas antes preciso dormir. Um pouco. Sinto-me cansada. Apague a luz antes de sair, por favor.
/VEMOS A CENA AGORA PELA FRESTA DA PORTA/
ELA
Não, não precisa fechar totalmente a porta. Alfredo!
/SUPERCLOSE/
ELA
se alguém me telefonar, por favor me acorde./
FECHA OS OLHOS PARA TENTAR DORMIR/
Funde para imagem zero: um balão com uma forma que lembra ela, subindo sempre, indo embora...
Música triste, porém bela.
FIM
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6 comentários:
Fantástico!
Genial! Genial!
Quero ver esse filme!
Que ousadia maravilhosa...parabéns!
Um woddy Allen brasileiro, o Newton da dramatrgia, é isso que você é, genial sua idéia!
Eu visualisei cada pedacinho do filme, e visualisei a Priscilla como atriz rsrsrs
Adorei a idéia do balão subindo, acho uma imagem linda como a imagem de uma leiteira fervendo com a esuma de leite transbordado.
Adoro essaexpressão BOAAR, e a idéia de faze-lo me paree bem divertida, um dia eu crio coragem e faço um Boa com a minha câmera e o dinheiro só pra passagem do ônibus.
Sou apaixonada por você Domingos...
Domingooooos, Ótimooo, muito bom.
Já quero ver esse filme.
quer dizer, eu vi... Mas quero ver como filme mesmo. =D
Muito bom, como sempre!
Abraço
Atualmente não sai da minha cabeça fazer um trabalho com vc. Tenho tudo pronto! Eu seria "ela" com toda minha angustia e paixão de existir e ser atriz.
como ter cara de pau é ter atitude... aqui fiz o que achei pertinente.
bj Taciana Brown
quando eu entrei no cinema e comecei a me aprofundar na história do cinema brasileiro comecei a ter uma vontade imensa de fazer um cinema marginal, câmera na mão, autoria, diferença.
isso sai do velho esquema clássico, parabéns por mais um roteiro seu que inova e acrescenta na nossa cinematografia.
Giana
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