PRESENTE ou ATUALIDADES:
Ler um jornal todos os dias de manhã é uma tarefa dura do homem civilizado. Para realizá-la bem é preciso duas horas ou mais. E há quem gaste seu tempo nisso. Por mim, na maior parte dos dias leio apenas a primeira página e os “Cadernos B”s. Uma vez me ausentei por mais de um mês e quando voltei o mundo não tinha avançado muito. Confesso, sou daqueles que ainda acredita que o mundo avança. É que o movimento cotidiano vai e volta, vai e volta como as marés. Avança pouco mas é muito intensa. Irresistivelmente interessante.
Leitura do jornal de hoje, esse sábado frio no Rio:
As células-tronco ganharam 25 milhões para pesquisa e deve começar a funcionar no mês que vem. Já não era sem tempo. Minha desconfiança dos médicos é apenas comparada à minha confiança na medicina. Se der certo essa célula-tronco, vamos ter de levar a sério uma suspeita que sempre tive: Não somos mortais. Estamos mortais.
O Álvaro Lins foi solto. Está livre como um garotinho. Quem liberou foi a Assembléia Legislativa, que tem 33 de seus 70 deputados respondendo a processos de corrupção. Corporativismo não se discute. Não resta dúvida. A importância de um político é medida pelo seu grau de impunidade. Mas de qualquer modo, é muito bom ver a polícia funcionando bem, pelo menos no que diz respeito aos inimigos. O Governo Lula contém esses mistérios. Não legalizou a maconha, mas pode ser dito que legalizou a corrupção, na sua atitude contra (ou será a favor?) os mensalões e outras barbaridades. Ele está procurando punir com uma justiça inédita os inimigos. Já é muita coisa. Ao mesmo tempo que infantiliza o país, minimizando o valor da ética através de um populismo radical, cuida bem da economia e capricha na Polícia Federal. Obrigando os homens sérios a proclamar, contrariados. Talvez seja melhor assim. Afinal esse Lula não é de todo mau.
O jornal de São Paulo não coloca o caso “Álvaro” sequer na primeira página. Como que provando a sua indiferença provinciana. Por favor, paulistas, não se ofendam. Não tenho nada contra provincianismo. É melancólico, poético. Porém no Brasil só quem não aspira à Nova York e ao Texas é o Rio de Janeiro. O centro do mundo é onde você está.
Fora isso, um livro que parece ótimo tenta explicar como Paulo Coelho chegou a ser o que é. Paulo é meu amigo. Posso quase dizer isso. Diz-se bruxo. Eu acredito que seja. Posto que somente assim se explica seu hiper-extraordinário sucesso. Agora esse livro tenta explicar de outra forma. Através de um tenaz desejo de fama e dinheiro. Seja como for, ninguém chega onde ele chegou à toa. Gosto do Paulo. Sempre gostei. E de alguma forma me identifico, pobre aprendiz. Colocando no quadro de cortiça em frente à minha mesa uma pérola do seu comportamento profissional.
“Programação Literária para o ano de 1965: Comprar todos os jornais do Rio, em dia de semana. Verificar sessões Literárias, respectivos encarregados e diretores desses jornais. Enviar composições aos encarregados e carta explicativa aos diretores. Entrar em contato telefônico com eles, indagando que dia que o escrito sai. Informar aos diretores quais são as minhas ambições. Arranjar pistolão para publicação. Repetir a operação com as revistas.”
Bravo, bruxo amigo. A obsessão é sempre admirável.
Leitura do jornal de hoje, esse sábado frio no Rio:
As células-tronco ganharam 25 milhões para pesquisa e deve começar a funcionar no mês que vem. Já não era sem tempo. Minha desconfiança dos médicos é apenas comparada à minha confiança na medicina. Se der certo essa célula-tronco, vamos ter de levar a sério uma suspeita que sempre tive: Não somos mortais. Estamos mortais.
O Álvaro Lins foi solto. Está livre como um garotinho. Quem liberou foi a Assembléia Legislativa, que tem 33 de seus 70 deputados respondendo a processos de corrupção. Corporativismo não se discute. Não resta dúvida. A importância de um político é medida pelo seu grau de impunidade. Mas de qualquer modo, é muito bom ver a polícia funcionando bem, pelo menos no que diz respeito aos inimigos. O Governo Lula contém esses mistérios. Não legalizou a maconha, mas pode ser dito que legalizou a corrupção, na sua atitude contra (ou será a favor?) os mensalões e outras barbaridades. Ele está procurando punir com uma justiça inédita os inimigos. Já é muita coisa. Ao mesmo tempo que infantiliza o país, minimizando o valor da ética através de um populismo radical, cuida bem da economia e capricha na Polícia Federal. Obrigando os homens sérios a proclamar, contrariados. Talvez seja melhor assim. Afinal esse Lula não é de todo mau.
O jornal de São Paulo não coloca o caso “Álvaro” sequer na primeira página. Como que provando a sua indiferença provinciana. Por favor, paulistas, não se ofendam. Não tenho nada contra provincianismo. É melancólico, poético. Porém no Brasil só quem não aspira à Nova York e ao Texas é o Rio de Janeiro. O centro do mundo é onde você está.
Fora isso, um livro que parece ótimo tenta explicar como Paulo Coelho chegou a ser o que é. Paulo é meu amigo. Posso quase dizer isso. Diz-se bruxo. Eu acredito que seja. Posto que somente assim se explica seu hiper-extraordinário sucesso. Agora esse livro tenta explicar de outra forma. Através de um tenaz desejo de fama e dinheiro. Seja como for, ninguém chega onde ele chegou à toa. Gosto do Paulo. Sempre gostei. E de alguma forma me identifico, pobre aprendiz. Colocando no quadro de cortiça em frente à minha mesa uma pérola do seu comportamento profissional.
“Programação Literária para o ano de 1965: Comprar todos os jornais do Rio, em dia de semana. Verificar sessões Literárias, respectivos encarregados e diretores desses jornais. Enviar composições aos encarregados e carta explicativa aos diretores. Entrar em contato telefônico com eles, indagando que dia que o escrito sai. Informar aos diretores quais são as minhas ambições. Arranjar pistolão para publicação. Repetir a operação com as revistas.”
Bravo, bruxo amigo. A obsessão é sempre admirável.
PASSADO:
Levando em conta eu, como sobrevivi?
(crônica que escrevi quando era ghost-writer de Napoleão Moniz Freire na "Tribuna da Imprensa”, com uns 26 anos, creio)
Tinha doze ou treze anos quando gostei de Ângela. Ela era interna no colégio, ou seja, maçã do paraíso. Era proibidíssimo conversar com as "internas" no recreio, entrar no "estudo" das "internas" e muitas coisas mais.
Eu estava apaixonado pela Carmem, que era amiga da Ângela e não era interna. Porém um dia a Ângela sorriu e troquei de paixão em um átimo. Talvez porque a Carmem não me sorrisse nunca e, pelo contrário, fizesse cara de enjôo quando eu aparecia.
Meia hora antes do recreio começar eu já ficava nervosíssimo. Minto. Eu ficava nervoso na hora de sair para o colégio, às sete da manhã. Me vestia sempre o melhor possível, no que meus colegas achavam uma graça enorme. Um dia ganhei um cachecol de seda branca, para usar com o smoking, com franja branca nas pontas. Fui para o colégio de cachecol, no primeiro dia que amanheceu mais frio.
A grande agonia eram os dias de "ginástica". Eu tinha de sair de casa às seis, penteado com gumex e de cachecol, além de penteadíssimo. Trocava o calção, fazia a ginástica mas depois não tomava banho, senão ia despentear o cabelo.
Tinha ginásticas que a Ângela assistia. Era terrível. Peito pra fora, barriga pra dentro, confesso que meu físico não era tão bonito quanto eu precisaria. O pior é que as internas só assistiam a parte final, que ou era "peixinho" ou era basquete. "Peixinho" é um salto que a gente tem de dar por cima de um cavalete, não importa com quanto medo esteja. A boa técnica ordena mergulhar resolutamente, apoiar primeiro nas mãos e depois rolar numa cambalhota. Jamais apoiar diretamente com a cabeça, exatamente o que fiz e justo quando Ângela estava olhando (será que ela viu?).
O basquete na verdade eu não conseguia nunca pegar na bola. A não ser quando meu fiel amigo Herculano, num gesto de generosidade, me entregava quase em mão. No dia que Ângela estava assistindo o basquete, pedi por amor de Deus a Herculano que me desse um passe. Embora a partida estivesse duríssima, Herculano traiu sua posição de capitão de time e me deu o passe. Nunca devia ter feito isso. Fiquei nervoso. Abracei a bola e saí correndo em direção ao campo mais livre, sem notar que não era o do adversário. Meus contendores ficaram perplexos. Graças a Deus não teve tanta importância porque errei a cesta.
Um dia tomei coragem e resolvi que tinha de dizer a Ângela que a amava com paixão e loucura. Mas para isso a gente tinha de sair junto. Onde ir? Não tive dúvida, considerei que o lugar certo era a ópera. Convidei Ângela para ir comigo à Ópera. Ela aceitou! Então fomos. Ao Municipal, ver "La Boheme".
Meu primeiro grande problema foi saber se a Ópera era imprópria até dezoito anos. Se fosse, tudo estaria perdido. Pedi a mamãe para telefonar. A Ópera era imprópria até catorze, Deus seja louvado.
Mamãe emprestou o carro, com chofer e tudo. Botei o cachecol e fui buscar A-n-g-e-l-a. Ela estava linda, me esperando na porta, a mãe dela na janela.
“Quem sou? Sou um poeta. Que coisa faço? Escrevo. E como vivo? Vivo!” Rodolfo cantava isso, de pulmões abertos, para Mimi. Eu, solidário, emocionadíssimo. Num repente de audácia, fiz a vida imitar a arte e peguei na mão de Ângela! Ângela tirou a mão. Peguei de novo. Ela tirou de novo. No intervalo comprei balas.
"Quando me vou, sozinha pela rua.” Segundo ato. Eu não estava entendendo muito bem a estória da ópera, essa é que é a verdade. Em italiano. De repente todos ficaram tuberculosos. Antes do terceiro ato, era minha última chance de me declarar.
Intervalo outra vez. Ângela foi ao toalete. Eu me aproximei de uma das sacadas do teatro e olhei as luzes da rua longínqua. O vento frio, as pessoas passando. Rolou a lágrima, veloz e parou, ainda no rosto.
Falando rápido, enquanto as luzes apagavam, disse tudo. Foi mais fácil que eu pensava. Eu tinha tudo pronto: "gosto de você" (melhor que "te amo"), "vou ser o homem mais feliz do mundo se você gostar de mim, se você gosta de mim deixa pelo menos eu ser seu amigo e, se der, confidente".
Ângela então me falou do namorado dela. Um rapaz parecido com o Tony Curtis, segundo ela. Se ela não gostasse do Tony Curtis, gostaria de mim - disse Ângela - eu tinha tudo, tudo que uma menina podia querer... Além do que, eu era muito moço e o Tony Curtis já tinha vinte anos.
Bonita a área final! Mimi morre e Rodolfo grita seu nome como se estivesse enterrando uma faca no peito!
Outro dia vi Ângela na rua. Reconheci. Conversamos dois minutos, antes de aparecer um ônibus que ela tomou. Não é que Ângela acabou casando com o Tony Curtis?! Tem dois filhos. Eu disse que gostaria muito de conhecê-los.
Levando em conta eu, como sobrevivi?
(crônica que escrevi quando era ghost-writer de Napoleão Moniz Freire na "Tribuna da Imprensa”, com uns 26 anos, creio)
Tinha doze ou treze anos quando gostei de Ângela. Ela era interna no colégio, ou seja, maçã do paraíso. Era proibidíssimo conversar com as "internas" no recreio, entrar no "estudo" das "internas" e muitas coisas mais.
Eu estava apaixonado pela Carmem, que era amiga da Ângela e não era interna. Porém um dia a Ângela sorriu e troquei de paixão em um átimo. Talvez porque a Carmem não me sorrisse nunca e, pelo contrário, fizesse cara de enjôo quando eu aparecia.
Meia hora antes do recreio começar eu já ficava nervosíssimo. Minto. Eu ficava nervoso na hora de sair para o colégio, às sete da manhã. Me vestia sempre o melhor possível, no que meus colegas achavam uma graça enorme. Um dia ganhei um cachecol de seda branca, para usar com o smoking, com franja branca nas pontas. Fui para o colégio de cachecol, no primeiro dia que amanheceu mais frio.
A grande agonia eram os dias de "ginástica". Eu tinha de sair de casa às seis, penteado com gumex e de cachecol, além de penteadíssimo. Trocava o calção, fazia a ginástica mas depois não tomava banho, senão ia despentear o cabelo.
Tinha ginásticas que a Ângela assistia. Era terrível. Peito pra fora, barriga pra dentro, confesso que meu físico não era tão bonito quanto eu precisaria. O pior é que as internas só assistiam a parte final, que ou era "peixinho" ou era basquete. "Peixinho" é um salto que a gente tem de dar por cima de um cavalete, não importa com quanto medo esteja. A boa técnica ordena mergulhar resolutamente, apoiar primeiro nas mãos e depois rolar numa cambalhota. Jamais apoiar diretamente com a cabeça, exatamente o que fiz e justo quando Ângela estava olhando (será que ela viu?).
O basquete na verdade eu não conseguia nunca pegar na bola. A não ser quando meu fiel amigo Herculano, num gesto de generosidade, me entregava quase em mão. No dia que Ângela estava assistindo o basquete, pedi por amor de Deus a Herculano que me desse um passe. Embora a partida estivesse duríssima, Herculano traiu sua posição de capitão de time e me deu o passe. Nunca devia ter feito isso. Fiquei nervoso. Abracei a bola e saí correndo em direção ao campo mais livre, sem notar que não era o do adversário. Meus contendores ficaram perplexos. Graças a Deus não teve tanta importância porque errei a cesta.
Um dia tomei coragem e resolvi que tinha de dizer a Ângela que a amava com paixão e loucura. Mas para isso a gente tinha de sair junto. Onde ir? Não tive dúvida, considerei que o lugar certo era a ópera. Convidei Ângela para ir comigo à Ópera. Ela aceitou! Então fomos. Ao Municipal, ver "La Boheme".
Meu primeiro grande problema foi saber se a Ópera era imprópria até dezoito anos. Se fosse, tudo estaria perdido. Pedi a mamãe para telefonar. A Ópera era imprópria até catorze, Deus seja louvado.
Mamãe emprestou o carro, com chofer e tudo. Botei o cachecol e fui buscar A-n-g-e-l-a. Ela estava linda, me esperando na porta, a mãe dela na janela.
“Quem sou? Sou um poeta. Que coisa faço? Escrevo. E como vivo? Vivo!” Rodolfo cantava isso, de pulmões abertos, para Mimi. Eu, solidário, emocionadíssimo. Num repente de audácia, fiz a vida imitar a arte e peguei na mão de Ângela! Ângela tirou a mão. Peguei de novo. Ela tirou de novo. No intervalo comprei balas.
"Quando me vou, sozinha pela rua.” Segundo ato. Eu não estava entendendo muito bem a estória da ópera, essa é que é a verdade. Em italiano. De repente todos ficaram tuberculosos. Antes do terceiro ato, era minha última chance de me declarar.
Intervalo outra vez. Ângela foi ao toalete. Eu me aproximei de uma das sacadas do teatro e olhei as luzes da rua longínqua. O vento frio, as pessoas passando. Rolou a lágrima, veloz e parou, ainda no rosto.
Falando rápido, enquanto as luzes apagavam, disse tudo. Foi mais fácil que eu pensava. Eu tinha tudo pronto: "gosto de você" (melhor que "te amo"), "vou ser o homem mais feliz do mundo se você gostar de mim, se você gosta de mim deixa pelo menos eu ser seu amigo e, se der, confidente".
Ângela então me falou do namorado dela. Um rapaz parecido com o Tony Curtis, segundo ela. Se ela não gostasse do Tony Curtis, gostaria de mim - disse Ângela - eu tinha tudo, tudo que uma menina podia querer... Além do que, eu era muito moço e o Tony Curtis já tinha vinte anos.
Bonita a área final! Mimi morre e Rodolfo grita seu nome como se estivesse enterrando uma faca no peito!
Outro dia vi Ângela na rua. Reconheci. Conversamos dois minutos, antes de aparecer um ônibus que ela tomou. Não é que Ângela acabou casando com o Tony Curtis?! Tem dois filhos. Eu disse que gostaria muito de conhecê-los.
Um comentário:
Domingos,
Uma beleza!
Um dia, temos a biografia completa!!!
maravilha...
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