quinta-feira, 25 de setembro de 2008

ATUALIDADES:

Começa hoje o Festival de Cinema do Rio. Que exibe 4 centenas de filmes. Um belo sinal da magnífica paranóia do simpaticíssimo Marcelo Mendes e sua patota do Estação. Eles foram todos cineclubistas. Agora transformados em exibidores, porém mantendo sua fidelidade à rataria de cinemateca. Que Deus conserve o Grupo Estação.
Tanto filme assim dá vontade de ver todos, o que não é humanamente possível. Ou não ver nada. Só de raiva. E é impossível evitar a pergunta: Com tanto filme, pra quê que eu vbou fazer mais um? Quero dizer, mais dois? Posto que sou o único cineasta brasileiro ou estrangeiro que tem 2 filmes estreando no festival. Até eu me orgulho da minha produtividade. E um detalhe importante: tem prêmio de Júri Popular! E nessa seria ótimo contar com vocês. Olha, a coisa funciona assim: No dia seguinte da estréia só para convidados o filme passa de manhã no cinema Odeon. A preços populares, sessão concorridíssima. No dia seguinte deste, tem 2 sessões em cinemas da Zona Sul. Nessas 3 últimas, você pode votar (Razoável, Bom, excelente, etc.) E se vocês acharem o filme excelente, eu ganho o júri popular. Entenderam bem ou querem que eu explique? As sessões do Juventude (meu filme com Paulo José e Aderbal Freire-Filho) são:

Sessão Popular no Odeon - DIA 30 DE SETEMBRO (TERÇA-FEIRA) 13H30 (o filme tem 80' de duração).

Sessão Estação Vivo 3 Gávea - DIA 1 DE OUTUBRO (QUARTA) 13H30 E 20H20 (não me acostumo com esse tipo de horário. Antigamente cinema era 2, 4, 6, 8...)

Já que o tempo é de eleições, votem em mim. Um cineasta limpo.
Fora de brincadeira, pessoal. Apareçam lá e depois me digam o que vocês acharam.
Meu segundo filme, "Todo Mundo Tem Problemas (Sexuais)" é Hours Concours. Passa lá pelo dia 8 de novembro e eu aviso mais perto.
A propósito, vi, depois de prolongada resistência, o filme do Claudio Assis, o notório "Baixio das Bestas". Não vi antes porque me diziam que era muito violento e agressivo, etc. E eu não vejo propósito para fazer filmes para exibir esses sentimentos. Além disso o Claudio é um tipo de enorme simpatia, parecendo amigo de um copo, sempre assusta um pouco depois de uma famosa agressão ao Hector Babenco durante uma entrega de prêmios, enfim, isto não tem importância, pertence ao passado. Para surpresa minha, gostei muito do filme. Gostaria que isso chegasse ao Claudio. É violento e agressivo. Mas por trás de tudo aquilo sobrevive um emocionado e inspirado poeta. E além disso, um dramaturgo. Coisa rara entre nós. As imagens são belas e bem enquadradas, revelando que a natureza não tem nada a ver com a maldade humana. E a cena da chuva, no final do filme, é um final de alta dramaturgia. Desolado e desesperado, o filme acaba numa nota menor, como acontece em muitas grandes sinfonias. Revelando inexoravelmente a compaixão do autor por seus personagens. Seu motivo de realizar a obra: um pedido de socorro para que acabem para sempre os baixios das bestas. Gostei, Claudio.


PASSADO:
Meu primeiro trabalho publicado é um conto premiado num concurso da Tribuna da Imprensa em 17 de março de 1963. O autor assina Domingos José Soares de Oliveira. E tinha 27 anos. Comecei tarde. O conto provinha de um exercício de um curso de teatro. Depois conto essa história. Meu analista da época me pediu que eu permitisse seu uso num congresso como narrativa inconsciente de um processo de nascimento! Sei lá se é isso, mas é bonitinho.
Que vai para o blog.

O TÚNEL

Estou no escuro, depois de tantas semanas, meses talvez, dentro deste lugar. Sei que estou numa enorme caverna. Mas não me lembro como vim parar aqui. Sei somente que, de vez em quando, essa escuridão tão pesada dá lugar a uma intensa claridade. É como se o Sol estivesse há poucos metros de mim. Mas não sinto calor. Somente este frio, ao qual já começo a me acostumar.
Quando a luz acende, meus olhos doem tanto tanto que os cubro com as mãos para não ver. Mas ela é tão intensa, que atravessa tudo. Abro então os olhos. Às vezes, por vontade própria, às vezes, porque me obrigam. Numa delas, insisti em apertar minhas mãos contra o rosto. Recebi, então, violenta chicotada que me causou uma ferida que vai, reta, de meu rosto até minha perna. Outra vez, foi uma facada, desferida em minha coxa. Não consigo nunca, quando abro os olhos, ver de onde vem o castigo.
Quando a luz acende, o que vejo é que estou numa imensa caverna, sem nenhuma saída possível. No chão, estou sozinho, mas, nas paredes e no teto, incrustados, debatem-se homens e mulheres. Alguns estão mutilados. Da última vez que a luz acendeu, tive a impressão de que as paredes tendem a absorvê-los, tendo até alguns já desaparecido.
Durante muito tempo me preocupei em saber se a luz acendia com regularidade ou não. Tentei, então, contar, lentamente e sempre do mesmo modo, enquanto estava no escuro. Uma vez, cheguei a mil e pouco, outra, a apenas duzentos e cincoenta, e outra, a quatrocentos. Não sei, porém, se isso significa alguma coisa, pois tenho a impressão de que não consigo controlar bem a velocidade da contagem. Além disso, estou tão cansado! De vez em quando adormeço, e talvez a luz já tenha acendido enquanto eu dormia.
A luz não acende há muito tempo. Uma idéia me assalta e atemoriza. Temo ter ficado cego, por alguma razão. Que ela já tenha acendido. Que esteja acesa agora, neste exato momento, e que eu não possa vê-la porque estou cego, por alguma razão. Penso assim, porque sinto meus olhos arderem. Além disso, não consigo ver realmente nada, por mais que me esforce. Será possível existir escuridão tão absoluta?
Da última vez que vi a caverna, notei, ao longe, se bem que não possa afirmá-lo, uma mancha escura que me pareceu a boca de um possível túnel. Logo, a luz apagou, antes que eu pudesse ao menos orientar-me. Desde então, estou tentando achar o túnel.
Primeiro, andei muito, na direção que julguei correta, procurando a parede da caverna. Nunca pensei que fosse tão longe e o chão tão irregular, o que me fez tropeçar sempre. Machuquei-me. Sim, estou nu.
Agora, palmilho a parede, úmida, em alguns lugares cortante. Encosto meu rosto contra ela e acho agradável. Permaneço assim muito tempo.
Achei o túnel! Realmente, é um buraco cavado na rocha e posso sentir que tem pouco mais que um metro de largura. É mais alto do que minha mão pode alcançar. Penetro, então, com muita cautela. Súbito, minha cabeça bate no teto. Verifico, então, tateando, que a altura do teto diminui rapidamente. Agora, já sou obrigado a me abaixar, e cada vez mais.
As pontas de meus dedos, que vão na minha frente, encontram, formações cilíndricas, estalactites, como uma harpa. O túnel tem agora pouco mais de meio metro de largura e, no máximo, um e meio de altura. Penso então que ele diminuirá sempre e não terá saída. Resolvo tentar a passagem, quebrando as estalactites. Tento primeiro arrancá-las, separá-las, com as mãos. Não consigo, são fortes. Experimento então um pontapé e quebro uma. Depois outra e outra. Consigo então passar, embora tenha de virar de costas. Logo, me oriento na direção certa.
O túnel baixa seu teto, cada vez mais. Quero, pela primeira vez, voltar, porém, noto, olhando para a frente, qualquer coisa como uma vaga luminosidade. Também o ar me parece um pouco mais leve e talvez eu sinta menos frio. A esperança de que o túnel me conduza à liberdade me reanima.
Meu próximo passo encontra o vazio. Sim, há um buraco na minha frente e todo cuidado é pouco. Ajoelho-me, perto da borda, para examiná-lo melhor. Minha mão não consegue tocar a outra borda. Experimento jogar dentro dele um pedaço de estalactite. É tão fundo que não ouço nada, além do silvo da estalactite cortando o ar. Fico apavorado, quero desistir, mas a tênue claridade me obriga a continuar. Junto às paredes do túnel, pequenas saliências, pouco maiores que meu pé, ladeiam o buraco. Poderei passar, andando de pernas abertas, caso queira correr o risco.

5 comentários:

Anônimo disse...

Domingos, verei seu filme na sessão popular, já que ainda não sou popular o suficiente para estar na estréia para convidados. Vou votar em excelente, claro. Nos seus filmes e peças e shows eu sou do tipo 'não vi e já gostei'.

Abraços!

Anônimo disse...

Oi, Domingos! Quando nós, gaúchos, vamos poder assistir Juventude??? EStou ansiosa para ver!!! Bjs

Anônimo disse...

Caro Domingos!

COnfesso que comecei a estudar cinema recentemente e de modo independente, já que sigo carreira científica. É lógico que nos estudos seu nome sempre aparece e até então nunca tinha visto algum filme seu. Corrigi este erro assistindo ao excelente Carreiras algum tempo atrás. Gostei muito do filme, porém não consigo encontrar em dvd. Quero aproveitar o espaço e perguntar: este filme foi lançado em dvd?

E é óbvio que vou aproveitar bem o Festival do Rio e votar!

Grande abraço!

Rafael Rangel

Anônimo disse...

ahhh, domingos... vc me emociona. esse seu conto, "o túnel" é mto bonito, é a vida, e é "tunílica". lê-lo me fez subir ao paraíso e descer ao ingerno. tenho essa empatia por elevadores de extremos. e vc, escrevendo isso, me deixa tão boba, tão feliz, tão triste e tão eu mesma - q ñ quero/preciso detalhar aqui.
paabéns ao jovem de 27 anos q habitou em vc. ele ainda habita em vc?
fde beijo de sua fã, bianca póvoa.

Anônimo disse...

Domingos. Não é exatamente um comentário a respeito do texto. É um pedido. Por favor, faça o filme Juventude chegar a Porto Alegre/RS.
Assisti em São Paulo, na Mostra de Cinema, em outubro. É o filme mais lindo sobre amizade, vida e morte e sexo, que já vi. Quero assistir com meus amigos e com meu marido, mas eles não vão a São Paulo e o filme não vem pra cá e eu fico desesperada, porque não posso comentar com eles, pra não estragar.então, por favor, eu imploro, mande Juventude e juventude pra cá. Adoramos teus filmes. Meu marido sabe o texto de Separações quase de cor. Já leu o Homem Lúcido, meio bêbado,num bar pra os amigos, mas ele disse que era teu. Enfim, te procurei muito na internet, não sei por que não encontrava. Agora que achei vou ficar escrevendo, morro de vergonha, mas é melhor se arepender de ter feito...etc...beijos, beijos à Priscila também. Nós adoramos Todos os Homens do Mundo e Todas as Mulheres também era ótimo.
Silvana Sant'Anna.