Atualidades
“A noviça rebelde”. Ingresso caríssimo, casa lotada, fortunas na bilheteria. Não se esperava menos do Max e do Moisés, donos do Teatro Casa Grande. Que peça deveria estrear o teatro? Escolheram a “Noviça”.
Eu fui levar minhas netas e tentar reviver o encantamento das minhas primeiras idas ao teatro. As meninas ficaram encantadas, isso eu esperava. Mas não esperava que eu mesmo ficasse encantado. Gostei. O valor das coisas depende da natureza do seu olhar. Vi de um jeito que gostei.
Não sei como explicar. Claro que é tudo de um mau gosto exemplar e que os atores, com exceção de alguns amigos, não fazem nada de um modo inimitável. Cada um tem seu microfone sem fio, as moças na cabeça e os homens de “Madonna”. De modo que aquele som sai em bloco, muito “sound and clear” e não se sabe que ator falou. Exatamente como num filme dublado. Os atores não representam teatralmente. Dizem o texto de um modo didático e falso, como numa dublagem. É tão especial que tentei imitar e não consegui.
No entanto, tudo está certo. O teatro tem dessas vantagens. Muitas vezes um espetáculo vulgar se representado de um modo vulgar, montado de modo vulgar, para uma platéia vulgar resulta absolutamente adequado, maravilhoso. Quase como se não fosse importante o que se diz ou que se faz no teatro e, sim, o jogo que se estabelece entre o palco e a platéia. São assim os espetáculos muito populares. Como, por exemplo, o recente “Rádio Nacional” e outros. A platéia adora, se diverte. Como na “Noviça”. Mais que isso, se emociona e aprende em certo nível.
Olhem, não quero tirar meu corpo fora, chorei em vários momentos. Particularmente no final. Mas comecei na cena do casamento, quando ela vem de noiva, o capitão Trapp, fardado, e entram as 7 criancinhas de damas e cavalheiros de honra.
Não quero tirar meu corpo fora. Por que gostei? Explico. Primeiro, a dramaturgia!!! É interessantíssima, fiquei com vontade de escrever uma coisa assim. É o que se poderia chamar de uma dramaturgia sinótica, não há tempo a perder com ela. É preciso deixar o tempo para as canções, concentrar nas canções todo o sentimento e profundidade. O texto é o mínimo, totalmente brechtiano, demonstrativo, distanciado e direto.
É melhor dar um exemplo.
Uma jovem babá, ex-noviça, apaixona-se por um capitão aristocrata, cujos filhos a adoram. No entanto, ela compreende que esse amor pode não ser bom para a família porque ela não é do mesmo nível social e decide voltar para o convento. Ainda que louca de paixão.
Como descrever isso? Muito simples. Se arma uma festa na casa, com os amigos aristocratas do capitão. Para escândalo de todos, o capitão a convida para jantar em sua mesa. Todos se retiram com desculpas esfarrapadíssimas e aí entra o número musical. O capitão dança uma valsa com a babá. O que é um barato, a música é linda, os passos de valsa, etc. A cena termina olhos nos olhos, por um rápido instante. É lindo!
Aí vem a criada e avisa que o jantar está na mesa. Ela diz que tem que mudar de roupa, obviamente para que ele saia e a deixe sozinha. Nesse momento entram as crianças e dizem a ela, sem rodeios que ela está apaixonada pelo papai, coisa que a noviça desconhecia.
E aí entra novo número musical. Com as crianças cantando com ela alegríssimas. Depois da cena aplaudida, é lindo!, desce um telão negro, aberto no meio, por onde vemos ela passar com a aparência antiga de noviça e uma mala na mão.
Música religiosa. Vemos a noviça chegar no convento, onde a madre superiora canta sua ária principal, chamada “Não tenha medo de amar e suba a montanha”, dando trinados agudíssimos que arrancam aplausos entusiasmados da platéia. É lindo!
Ou seja, nos diálogos, a interpretação dos atores e as informações. Nas canções, a emoção e a eventual profundidade. Você olha e vê que tudo aquilo foi planejado longamente. Que é um tipo de dramaturgia definido e afirmativo, como somente um país que venceu Hitler na guerra poderia produzir. O espetáculo parece gritar que Bush é um acidente na história do país.
Quando os atores acertam o tom, como é o caso de Fernando Eiras, magnífico, a coisa é admirável. Brecht puro.
Fico com vontade de escrever uma coisa assim.
Por que descrever o comportamento humano apenas com palavras? Por que não fazê-lo com canções ou danças? Que, na verdade, são artes mais populares posto que menos racionais.
Um musical, uma ópera, um balé, tem sua história contida num libreto. O mistério está em outra forma de expressão.
Debinha Colker quer que eu escreva para ela, quem sabe não faço um musical balé? Dançado em vez de cantado. Com um libreto da pesada, por exemplo, “O inimigo do povo”, de Ibsen.
Por enquanto, limito-me a recomendar sem conseguir explicar direito, uma ida ao Teatro Casa Grande. De preferência arranjando convite posto que ninguém vai pagar tão caro para assistir uma experiência de vanguarda como a que tentei descrever acima.
PS: A música não é muito boa, não há quem agüente por muito tempo aquele dó-ré-mi.
“A noviça rebelde”. Ingresso caríssimo, casa lotada, fortunas na bilheteria. Não se esperava menos do Max e do Moisés, donos do Teatro Casa Grande. Que peça deveria estrear o teatro? Escolheram a “Noviça”.
Eu fui levar minhas netas e tentar reviver o encantamento das minhas primeiras idas ao teatro. As meninas ficaram encantadas, isso eu esperava. Mas não esperava que eu mesmo ficasse encantado. Gostei. O valor das coisas depende da natureza do seu olhar. Vi de um jeito que gostei.
Não sei como explicar. Claro que é tudo de um mau gosto exemplar e que os atores, com exceção de alguns amigos, não fazem nada de um modo inimitável. Cada um tem seu microfone sem fio, as moças na cabeça e os homens de “Madonna”. De modo que aquele som sai em bloco, muito “sound and clear” e não se sabe que ator falou. Exatamente como num filme dublado. Os atores não representam teatralmente. Dizem o texto de um modo didático e falso, como numa dublagem. É tão especial que tentei imitar e não consegui.
No entanto, tudo está certo. O teatro tem dessas vantagens. Muitas vezes um espetáculo vulgar se representado de um modo vulgar, montado de modo vulgar, para uma platéia vulgar resulta absolutamente adequado, maravilhoso. Quase como se não fosse importante o que se diz ou que se faz no teatro e, sim, o jogo que se estabelece entre o palco e a platéia. São assim os espetáculos muito populares. Como, por exemplo, o recente “Rádio Nacional” e outros. A platéia adora, se diverte. Como na “Noviça”. Mais que isso, se emociona e aprende em certo nível.
Olhem, não quero tirar meu corpo fora, chorei em vários momentos. Particularmente no final. Mas comecei na cena do casamento, quando ela vem de noiva, o capitão Trapp, fardado, e entram as 7 criancinhas de damas e cavalheiros de honra.
Não quero tirar meu corpo fora. Por que gostei? Explico. Primeiro, a dramaturgia!!! É interessantíssima, fiquei com vontade de escrever uma coisa assim. É o que se poderia chamar de uma dramaturgia sinótica, não há tempo a perder com ela. É preciso deixar o tempo para as canções, concentrar nas canções todo o sentimento e profundidade. O texto é o mínimo, totalmente brechtiano, demonstrativo, distanciado e direto.
É melhor dar um exemplo.
Uma jovem babá, ex-noviça, apaixona-se por um capitão aristocrata, cujos filhos a adoram. No entanto, ela compreende que esse amor pode não ser bom para a família porque ela não é do mesmo nível social e decide voltar para o convento. Ainda que louca de paixão.
Como descrever isso? Muito simples. Se arma uma festa na casa, com os amigos aristocratas do capitão. Para escândalo de todos, o capitão a convida para jantar em sua mesa. Todos se retiram com desculpas esfarrapadíssimas e aí entra o número musical. O capitão dança uma valsa com a babá. O que é um barato, a música é linda, os passos de valsa, etc. A cena termina olhos nos olhos, por um rápido instante. É lindo!
Aí vem a criada e avisa que o jantar está na mesa. Ela diz que tem que mudar de roupa, obviamente para que ele saia e a deixe sozinha. Nesse momento entram as crianças e dizem a ela, sem rodeios que ela está apaixonada pelo papai, coisa que a noviça desconhecia.
E aí entra novo número musical. Com as crianças cantando com ela alegríssimas. Depois da cena aplaudida, é lindo!, desce um telão negro, aberto no meio, por onde vemos ela passar com a aparência antiga de noviça e uma mala na mão.
Música religiosa. Vemos a noviça chegar no convento, onde a madre superiora canta sua ária principal, chamada “Não tenha medo de amar e suba a montanha”, dando trinados agudíssimos que arrancam aplausos entusiasmados da platéia. É lindo!
Ou seja, nos diálogos, a interpretação dos atores e as informações. Nas canções, a emoção e a eventual profundidade. Você olha e vê que tudo aquilo foi planejado longamente. Que é um tipo de dramaturgia definido e afirmativo, como somente um país que venceu Hitler na guerra poderia produzir. O espetáculo parece gritar que Bush é um acidente na história do país.
Quando os atores acertam o tom, como é o caso de Fernando Eiras, magnífico, a coisa é admirável. Brecht puro.
Fico com vontade de escrever uma coisa assim.
Por que descrever o comportamento humano apenas com palavras? Por que não fazê-lo com canções ou danças? Que, na verdade, são artes mais populares posto que menos racionais.
Um musical, uma ópera, um balé, tem sua história contida num libreto. O mistério está em outra forma de expressão.
Debinha Colker quer que eu escreva para ela, quem sabe não faço um musical balé? Dançado em vez de cantado. Com um libreto da pesada, por exemplo, “O inimigo do povo”, de Ibsen.
Por enquanto, limito-me a recomendar sem conseguir explicar direito, uma ida ao Teatro Casa Grande. De preferência arranjando convite posto que ninguém vai pagar tão caro para assistir uma experiência de vanguarda como a que tentei descrever acima.
PS: A música não é muito boa, não há quem agüente por muito tempo aquele dó-ré-mi.
Passado
Eu, menino, mesmo antes de escrever qualquer linha, já dizia que era um escritor quando me perguntavam o que eu ia ser quando crescer. Depois, adolescente, tracei um plano para mim mesmo de descrever em peças de teatro ou filmes as diferentes fases da minha vida. Como se isso fosse útil para os outros. Essa insana convicção íntima de todo artista. Tive a felicidade de conseguir em parte realizar essa tarefa.
Com a infância, que é um assunto de agora nesse blog, foi fácil. Porque me recordo pouco. O essencial está na peça anteriormente citada, “Do fundo do lago escuro”. Eu não posso transmitir em palavras o que está posto ali, de modo que vocês terão de ler. Mas resumindo alguns pontos: trata-se de uma tarde no casarão de Botafogo, no fim dos anos 40, em que uma típica família brasileira se debate enquanto espera a noite num discurso de Carlos Lacerda, o mestre de direita da eloqüência política. Duas tramas seguem paralelas. Uma complicada, que envolve a matriarca da família e confusões financeiras. A outra, o menino Rodrigo, que não sabe mais o que é mentira ou verdade, posto que sua mãe mente todo o tempo, dizendo o que lhe é conveniente. Esse menino é perseguido por um primo mau, que tenta abusar dele.
Posso dizer aqui que meu primo tentou mas não me comeu. Só quase. E que a peça é muito bonita. E talvez até sobreviva a mim. Fora isso, fico devendo a esse blog poucas coisas da minha infância. Mas hoje não tenho tempo para escrever mais. Coloco apenas o poema que antecede a peça, que veio de um sonho de uma canção que fiz nos dias seguintes a ele.
“No fundo do lago escuro
uma bolha de ar puro
vem um dia ter comigo
o passado mais antigo
tão fugaz quanto querido
Foi um gesto, uma cor, um grito
uma queda no infinito
qualquer coisa que não sei
uma promessa de paz
de alguém que muito amei
de quem não me lembro mais
No mergulho mais profundo
na direção mais certa
tiro o mundo dos meus ombros
e descanso finalmente
entre os escombros do fundo
Nada sendo e sendo tudo
Boquiaberto e mudo”
Ok, pessoal. Escrevo mais amanhã! Obrigado pelos comentários.
Um comentário:
Domingos, do site da BRAVO! vim parar aqui, e por aqui vou passar. Gostou muito do você escreve, me identifico, abraço, te vejo por aqui.
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